De criança observadora com um laboratório secreto no porão de casa, que fica em Viçosa (MG), à primeira colocação no Prêmio International Life Sciences Institute do Brasil 2020 (ILSI), Raquel Rainier, 27 anos, venceu a primeira edição com estudo sobre biossensores eletroquímicos à base de grafeno produzido a laser para detectar patógenos em alimentos. A pesquisadora está fazendo o PhD na Iowa State University, onde está desenvolvendo a parte prática do estudo.
Raquel iniciou o mestrado em agosto de 2017. Logo no início, pediu permissão ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para fazer parte do mestrado no exterior. Ela encontrou uma cláusula que permite estágio de até seis meses fora do Brasil. “A partir daí comecei a me movimentar e deu certo. Entrei em contato com a professora Carmen Gomes que estava em transição do Texas A&M University para a Iowa State University”, conta.
O tema do estudo surgiu da professora Carmen Gomes, quando apresentou opções ao grupo e Raquel se interessou pelo de biossensores à base de grafeno. “Tinha ouvido falar e sabia da potencialidade do material. É algo relativamente novo e muitos estudos estão avançando na área”.
“A aplicação em alimentos foi inerente, até porque, é a minha grande área. Conseguimos juntar as duas coisas, que é o desenvolvimento de biossensores à base de grafeno com o controle de qualidade de alimentos”, explica.
Em resumo, o trabalho de Raquel trata de dispositivos rápidos, práticos e baratos que asseguram a qualidade dos alimentos. Ou seja, com o uso dos biossensores pode-se verificar se há ou não contaminação por patógenos, que são organismos capazes de causar doença em um hospedeiro, no caso, em um ser humano.
A pesquisa foi bastante desafiadora para Raquel por ser multidisciplinar. Ou seja, a estudante teve contato com as áreas de física, eletroquímica, biologia molécula, microbiologia, química e etc. Para isso, ela se matriculou em disciplinas de outros departamentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV) somado a leituras e orientações. “Consegui avançar com a parte teórica ainda no Brasil, e vim realizar a parte prática nos Estados Unidos”, relata.
Raquel finalizou o mestrado em julho de 2019. Com a parte teórica do estudo, a pesquisadora se inscreveu no Prêmio ILSI Brasil 2020 e conquistou a primeira colocação. O instituto atua há 30 anos no país com o objetivo de disseminar o conhecimento de forma ética e transparente.
“Vemos tantos trabalhos bons sendo publicados e ficando arquivados em revistas científicas, sem muito acesso. Por isso, receber tal reconhecimento é um privilégio. Isso só me mostra que acima de tudo devemos acreditar no que fazemos e sonhar grande”, celebra.
O prêmio foi criado para incentivar o desenvolvimento da ciência em benefício da sociedade. Com isso, o tema desta primeira edição foi: “A importância do conhecimento científico na área de alimentos no desenvolvimento da sociedade”. Raquel apresentou uma alternativa para contornar os óbitos causados pela ingestão de alimentos contaminados. Por, anualmente, quase meio milhão de pessoas morrem por esse motivo.
Antes de finalizar o mestrado, Raquel foi convidada pela Iowa State University para fazer o doutorado na instituição. Por conhecer as instalações, a infraestrutura e os incentivos da entidade estadunidense, ela aceitou. A pesquisadora começou o PhD em janeiro de 2020 dando continuidade ao estudo feito no mestrado, mas, agora, colocando-o em prática.
O início da trilha
O interesse pela área surgiu quando ela ainda era criança. “O primeiro contato que me marcou muito foram as aulas de laboratório de ciências, que eu tinha na minha escola. Isso foi na 6ª série (atual 7º ano), quando eu tinha uns 12 anos. Tínhamos aulas práticas toda semana e foi a primeira vez que usei um microscópio de verdade. Era fascinante!”, relata Raquel.
Ela lembra também de uma aula em que a professora levou um cadáver de porco para mostrar aos alunos os tecidos. “Quando ela estendeu o globo ocular do animal, consegui olhar através e ver uma imagem invertida. Não era o objetivo da aula, mas a atenção de todos se voltou para isso”.
Raquel é natural de Capitólio (MG), mas foi criada em Viçosa, local onde fica a Universidade de Viçosa. Com isso, a pesquisadora participou de diversas mostras científicas e atividades promovidas pela instituição antes de ingressar no ensino superior, além de feiras de ciências.
No ensino médio, a estudante participou do Desafio Nacional Acadêmico (DNA), que é promovido pelo Projeto Nacional de Educação a Distância (ProNEAD). Na ocasião, a equipe de Raquel ficou bem colocada na seleção de Minas Gerais.
Raquel ingressou na Universidade Federal de Viçosa em 2011 para engenharia de alimentos. A pesquisadora foi incentivada pelos amigos e familiares a fazer o curso pelo renome dele na instituição e pela universidade manter convênio com universidade francesa pelo Programa Brasil/França Agricultura (Brafagri).
Por meio do convênio, o estudante tem a oportunidade de fazer a graduação sanduíche. Assim, parte do curso é feito em uma universidade estrangeira.
Com o primeiro ano da graduação concluído, Raquel conseguiu uma bolsa de iniciação científica em 2012. O trabalho era no laboratório de embalagens para desenvolver um filme biodegradável adicionado de óleos essenciais de cravo e canela para conservar alimentos.
Depois, a pesquisadora ficou na França, entre 2014 e 2015, fazendo a graduação sanduíche com especialização em embalagens na École Nationale Supérieure d'Agronomie et des Industries Alimentaires (Ensaia). Nesse período, Raquel participou de projetos no Laboratoire d'Ingénierie des Biomolécules (LIBio), fez estágio em uma start-up incubada na universidade francesa.
A estudante participou também apresentou um trabalho no Nanotech France 2015, foi a duas feiras internacionais em Paris. Além disso, a equipe de Raquel foi premiada no evento Emballé 3.0 promovido pelo Conseil National de l'Emballage (Conselho Nacional de Embalagem).
“Meu intercâmbio foi de grande contribuição para a minha carreira científica. Quando voltei, consegui um estágio na Embrapa, deixando um pouco as embalagens e trabalhando com alimentos sem glúten a base de sorgo”, declara Raquel.
Ao fim da graduação, a pesquisadora participou de um grande projeto da empresa júnior Alimentos Júnior Consultoria (AJC) na área de suplementos alimentares. Raquel se formou em 2017. “Colei grau numa sexta-feira, e, na próxima terça-feira, eu estava sentada em uma carteira de aula assistindo aulas de mestrado”.
Representatividade feminina na área científica
A estudante destaca a importância do empenho de mulheres na ciência sendo reconhecido e valorizado. Ela destaca que esse espaço conquistado atualmente foi devido à luta de grandes cientistas do passado que abriram essa porta.
“Quando cheguei para iniciar o doutorado, lecionei uma disciplina da engenharia em que dos 45 alunos apenas três eram mulheres. É um processo lento a inserção da mulher, mas que tem avançado muito”, declara. Raquel afirma que nunca foi diminuída ou desprezada no meio, mas, pondera pelo que vivenciou e por estar em um grupo de trabalho na engenharia mecânica, que é formado, majoritariamente, por homens.
A pesquisadora acredita que a sua história trilhada é um exemplo para que meninas que tenham o sonho de ser cientista vejam que, apesar dos desafios, alcançá-lo é possível. “Basta ter coragem e não permitir que o medo tome conta, porque ele existe, é inevitável. Eu sou mulher, estrangeira, não domino o idioma deles aqui, e ainda sou de uma área um pouco diferente”.
“Mesmo assim, estou conseguindo realizar este sonho e mostrar para a sociedade, e, principalmente, para as mulheres, que podemos superar qualquer limite imposto, e ser muito mais do que aquilo que um dia pensamos ser. Não imaginamos o impacto que podemos causar e o sucesso que podemos atingir”, finaliza.