
Candidatos cotistas relatam ao Correio problemas no processo de pré-seleção para o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Os estudantes denunciam falhas como: listas de chamadas não são atualizadas; candidatos com notas menores são chamados antes de outros com notas maiores; e vagas de cotas sendo transferidas para ampla concorrência. Ao Correio, o Ministério da Educação (MEC) sustenta que as regras do processo seletivo do Fies 2025 estão sendo rigorosamente seguidas.
Os estudantes afirmam que os problemas começaram em 25 de fevereiro, quando as listas de espera deveriam ser atualizadas e não foram. Em 10 de março, o MEC publicou um post nas redes sociais alertando os candidatos sobre a lista de espera. Os comentários demonstraram a revolta e angústia dos jovens que até esta quinta-feira (20/3) não sabiam da sua situação por falta de atualização.
Denuncias de desorganização
A última lista para Pretos, Pardos, Indígenas e Quilombolas (PPIQ) foi atualizada no começo da madrugada da última sexta-feira (14/3). A atualização, contudo, aumentou a revolta nos candidatos.
João Pedro Sobral tem 20 anos e é de Tabira (PE). O processo seletivo do qual ele está participando ofertou 12 vagas para cotas. O jovem está na nona posição. Entretanto, a instituição chamou os pré-selecionados, mas João não foi um deles. “Até o momento não recebi nenhuma explicação sobre o motivo dessa situação, apesar de entrar em contato com o MEC e eles falarem que é (decisão) da faculdade. Quando entro em contato com a faculdade, falam que é o MEC e ficam nesse jogo”, protesta.
Alex Douglas Queiroz, 23, é outro estudante que diz ter sido prejudicado. Ele espera a atualização de três listas para os cursos a que se candidatou. Desde 25 de fevereiro, entretanto, nenhuma das instituições atualizou vagas para PPIQs. Há outros problemas. Outra candidata foi pré-selecionada para o curso de medicina, mas para surpresa dela, não foi em uma vaga para cotas e sim por ampla concorrência. A estudante não autorizou o Correio a revelar sua identidade.
Outro em situação semelhante é Hebert dos Santos Melo, 19. Ele foi pré-selecionado para medicina, mas não ainda não tem uma confirmação da vaga. “(A situação me) afetou e gerou ansiedade. Não sabíamos qual modalidade seria chamada, mesmo o certo sendo chamar todas. Mas o MEC está chamando algumas (pessoas) por vez sem critério. Sem respeito, descaso total”, desabafa.
Revolta de estudantes
Em razão desses problemas, alguns candidatos se organizam para recorrer à Justiça. Jovens relataram ao Correio que entrarão com um processo contra o MEC e outros até pediram mandados de segurança para assegurar as vagas. Os advogados aconselharam que cada um entrasse com um processo individual ao invés de um coletivo.
Os alunos escreveram uma carta para a Coordenação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Ministério da Educação. No documento, identificam problemas em 30 instituições de todo o Brasil. Os estudantes listam como irregularidades: vagas de cotas PPI e PCD sendo transferidas para ampla concorrência; falta de atualização das listas de espera; e erros no processo de seleção do FIES Social e FIES Normal.
Confira a carta:
Em resposta ao Correio, o Ministério da Educação (MEC) informou que as regras do processo seletivo do Fies 2025 estão sendo rigorosamente seguidas, conforme estabelecido no Edital nº 3. De acordo com a pasta, até o dia 13 de março, dos 104.817 candidatos convocados, 46.780 foram chamados para ocupar vagas reservadas a cotistas, incluindo Pretos, Pardos, Indígenas e Quilombolas (PPIQ) e Pessoas com Deficiência (PCD). O MEC também ressaltou que, apenas na convocação da lista de espera divulgada em 7 de março, quatro mil cotistas foram chamados, refutando as alegações de que as vagas reservadas estariam sendo desviadas para ampla concorrência.
O ministério explicou ainda que a política de reserva de vagas no Fies e no Fies Social foi implementada a partir de 2024, levando em consideração a proporção da população PPIQ e PCD em cada estado, conforme dados do Censo do IBGE. O processo de convocação seguirá até o dia 9 de abril, conforme o cronograma oficial.
O que diz a lei
O advogado Leonardo Morais de Araújo Pinheiro, especialista em direito administrativo e professor universitário, explica que o Ministério da Educação passou a reservar vagas para candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas, assim como para pessoas com deficiência (PCDs) no FIES desde o ano passado e que alteração de vagas, em um primeiro momento, pode não ser ilegal.
“É fundamental analisar quando, como, por quem, por que tal alteração no edital foi promovida. Contudo, a priori, tal fato isoladamente não configura em si uma lesão a direitos de cotistas. Desde que o percentual de vagas destinadas às cotas definidas pela Lei nº 12.711/2012 esteja garantido no edital de seleção, o restante pode ser distribuído de forma discricionária pelo órgão”, afirma.
Contudo, Pinheiro recomenda aos candidatos procurarem ajuda legal. “Alunos que se sintam prejudicados podem procurar a Defensoria Pública e o Ministério Público, assim como a ouvidoria do Ministério da Educação. Essas instituições têm protocolos bem definidos para receber denúncias como essas e dar o encaminhamento adequado para garantia de direitos fundamentais, como é o caso da educação”, observa.
Já para o advogado penal e constitucional Ilmar Muniz, a transferência de vagas de uma modalidade para outra pode sinalizar irregularidades no processo seletivo. "Sim, pode haver uma irregularidade. O princípio da transparência e da isonomia exige que a instituição de ensino publique todas as chamadas de forma igualitária, tanto para ampla concorrência quanto para cotas. Se essa omissão não estiver prevista no edital, os candidatos podem protocolar um pedido formal de esclarecimento junto à instituição, e, caso o problema persista, buscar o Ministério Público Federal (MPF) ou até mesmo o Judiciário para garantir que a política de cotas seja devidamente respeitada”, disse.
Muniz ainda alerta que se esse problema ocorreu em todas as etapas de convocação dos cotistas, o problema pode ser considerado ilegal. “A Lei de Cotas determina que as vagas reservadas devem ser preenchidas prioritariamente por candidatos cotistas. Só após não haver mais candidatos aptos na lista de cotas é que essas vagas podem ser remanejadas para ampla concorrência. Se ainda existiam candidatos cotistas aptos para ocupar essas vagas, mas elas foram automaticamente convertidas para ampla concorrência, estamos diante de uma possível violação ao direito desses candidatos”, alerta.
Nesse caso, o advogado orienta que os alunos apresentem um requerimento administrativo à instituição questionando os critérios utilizados. Também devem denunciar ao Ministério Público Federal, que tem a função de fiscalizar o cumprimento da política de cotas, e ingressar com uma ação judicial, como um mandado de segurança, para reverter a situação e garantir que a reserva de vagas seja respeitada.
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