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Cotas sociais: Unesp barra aluno aprovado em medicina

Itamar Caetano sempre estudou em escola pública, mas teve sua inscrição negada pela universidade por ter certificação de conclusão do ensino médio pelo Enem

Nesta semana, Itamar Caetano, 28 anos, teve sua matrícula indeferida no curso de medicina da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Aprovado pelo sistema de cotas para ex-alunos de escolas públicas, o estudante foi impedido de começar o curso porque a universidade considerou que sua documentação não é válida.

Procurada pelo Correio, a Faculdade de Medicina da Unesp, campus de Botucatu, informou, em nota, que "para as situações em que houver indeferimento da matrícula do candidato lhe é assegurado o direito à formulação e apresentação de recurso para posterior análise técnica. Importante destacar que, no caso em questão, o estudante já foi informado através de e-mail dessa possibilidade. Estamos no aguardo do recurso do candidato para análise e deliberação final sobre o deferimento da matrícula. A Unesp reitera seu compromisso com a inclusão e com o poder transformador da universidade sobre a sociedade."

Itamar estudou por toda vida na rede pública de São Paulo, mas precisou deixar a escola no terceiro ano do ensino médio para trabalhar, após o desaparecimento do pai e a morte da mãe, que faleceu de câncer por falta de atendimento no Sistema Único de Saúde.

Conciliando emprego e estudos, sem o apoio de nenhum preparatório, em 2013, o jovem concluiu o ensino básico por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — entre 2009 e 2016, o exame podia ser usado também para certificação de conclusão do ensino médio. Hoje, a certificação é feita por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

No momento da matrícula, a universidade alegou que, no edital que regula o processo seletivo em que Itamar foi aprovado, estava claro que a certificação pelo Enem não pressupõe a frequência em escola pública brasileira e, desta forma, não poderia ser utilizada como documento válido para concorrência pelo sistema de cotas sociais.

“Graças à Educafro e o cursinho que eles me ofereceram, eu consegui estudar e entrei na Unesp. Eu consegui a vaga, por assim dizer, só que eles não aceitam o meu certificado, nem o meu histórico. Junto do meu certificado pelo Enem, eu enviei também o meu histórico do ensino médio, onde consta que eu cursei o primeiro e o segundo ano em escola pública. Eu acho injusto porque, assim como eu, têm muitas outras pessoas que têm certificado pelo Enem ou pelo Encceja. Essas pessoas não têm direito à cota?”, questiona o candidato.

Frei David, presidente da Educafro, entidade do terceiro setor que oferta cursinhos preparatórios gratuitos para estudantes negros e de baixa renda, afirma que o posicionamento da instituição de ensino é uma violência que revela o racismo estrutural brasileiro. “Por mais que adotem cotas, a estrutura administrativa de universidades públicas gera constante atentado contra os direitos garantidos pela Constituição Federal. A postura legalista da universidade trabalha sempre, inconsciente ou conscientemente, contra o pobre”, denuncia.

“Já que a Unesp está batendo na tecla de que esse caso estava previsto em edital, queremos lembrá-la que a autonomia que o povo brasileiro deu para as universidades é a autonomia para fazer a coisa certa, promover a inclusão e não a exclusão”, completa.

A Educafro pretende impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal pedindo que sejam declarados inconstitucionais editais que não aceitem os certificados do Enem e Encceja como comprovante de conclusão de ensino médio em processos de seleção por cotas sociais. Além disso, a entidade vai oficiar o Ministério da Educação pedindo que o Enem seja retomado como mais uma via de certificação de conclusão do ensino médio, além do Encceja. “Vamos também abrir outro processo contra a Unesp, por danos coletivos contra a comunidade negra”, afirma Frei David.