Um sonho. Assim, muitos candidatos ao Vestibular 60 da Universidade de Brasília (UnB) resumiram o desejo de ingressar em um curso superior. Houve aqueles que, às 7h20 de ontem (28/1), já estavam de prontidão nos portões dos pavilhões Anísio Teixeira e João Calmon; outros, sem pressa e "aos 45 do segundo tempo", estacionavam o carro, compravam uma água e se despediam dos filhos — estes mais ansiosos que os pais. A candidata mais idosa, conforme informou a universidade, tem 88 anos e vai concorrer à geografia. A instituição registrou abstenção de 34,58%, número abaixo do esperado.
Em comum, o sentimento era de alegria e orgulho próprio. O aposentado Daniel Araújo, 60 anos, até tentou esconder a ansiedade, mas as dores musculares não enganavam. "Minha esposa disse que é por conta do nervosismo com a prova. Deve ser mesmo", contou aos risos. O objetivo? Entrar para o curso de história, aspiração antiga. "Até dei uma estudada, sabe? Mas tenho um pouco de dificuldade com redação. Tudo dependerá do tema", completou.
E, diante de tamanha inovação, o tema da avaliação não poderia ser outro: o direito à universidade e ao envelhecimento saudável. Entre os tópicos norteadores, que os candidatos deveriam se basear para escrever o texto, estavam as dificuldades enfrentadas pela pessoa idosa para exercer seu direito de acesso à universidade.
Além disso, os participantes deveriam argumentar sobre como a experiência e a maturidade advindas do envelhecimento saudável contribuem com a universidade na construção de conhecimentos emancipatórios para todos. Entre os textos motivadores estava uma reportagem produzida pelo Correio, em 2021, que contava histórias de idosos que voltaram a estudar depois de aposentados e mudaram de vida.
De caráter classificatório e eliminatório, a redação deve seguir o gênero dissertativo-argumentativo e ter um limite de 30 linhas. A finalidade é avaliar as habilidades de expressão na modalidade escrita e utilização das normas na produção textual.
Integração social
Na última sala do pavilhão João Calmon, o professor de exatas José Carlos Melo, 61, se acomodou próximo à janela. Estava com falta de ar. "Solicitei apoio quando fiz a inscrição, mas não recebi sequer uma cadeira de rodas", lamentou, segurando uma muleta em vista da perna engessada. "Penso muito em como será o deslocamento dos idosos aqui na universidade. Haverá acessos físicos adequados? Algum transporte interno para nos ajudar?", questionou.
Apesar da decepção inicial, estava com expectativas boas para a prova e elogiou a iniciativa, ponderando a necessidade de mais vagas devido a grande demanda. "Essa oportunidade representa o respeito ao idoso e a chance de integração social", ressaltou. Nesta seleção, o professor não teve dúvidas sobre qual curso escolher, psicologia. "Sempre lidei com questões de saúde mental ao longo da vida. Agora, quero ajudar os outros, tanto que desejo doar três dias de atendimento psicólogo gratuito à população, visto que o serviços do GDF são insuficientes", detalhou.
Quem também deseja estudar psicologia é Ana Maria Calasans, 64, que conseguiu, pela internet, se dedicar bem aos estudos. A escolha do curso se deu por identificação. "Sempre achei a área interessante e, além de ajudar os outros, vou poder me 'ajeitar'", disse. Moradora de Taguatinga, a aposentada confessou estar bastante ansiosa.
A reitora Márcia Abrahão esteve presente para acompanhar a movimentação e conversou com alguns dos inscritos. "É emocionante vê-los interessados em entrar. Isso mostra que as pessoas 60 têm total condição de fazer um curso universitário", disse ao Correio.
Segundo a professora, a iniciativa é também uma forma de combater o idadismo. Enquanto conversava com a reportagem, um dos participantes que entrava no pavilhão elogiou-a pela oportunidade.
Concorrência
Foram 3.013 inscrições homologadas e 136 vagas em 37 cursos presenciais de graduação espalhados pelos quatro campi (Planaltina, Gama, Ceilândia, Asa Norte). A graduação mais concorrida é a de psicologia, com 566 candidatos.
A seleção exclusiva faz parte da Política do Envelhecer Saudável, Participativo e Cidadão (Pespec).O ingresso dos aprovados será já no 1º semestre letivo de 2024, com início das aulas em 18 de março. Além da idade mínima, é necessário ter concluído o ensino médio. O resultado provisório deve ser publicado em 23 de fevereiro; o final, no dia 29 do mesmo mês.
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