educação

UnB para mais de 60 anos mostra que não há barreiras para aprender

Processo seletivo exclusivo para pessoas com 60 anos ou mais, na UnB, desperta interesse e chama atenção para a escolarização da terceira idade e para o ingresso no mercado de trabalho

Letícia Mouhamad
postado em 12/12/2023 04:00 / atualizado em 12/12/2023 09:47
Maria Anunciada de Sousa quer apostar na graduação de Saúde Coletiva; a amiga Maria dos Anjos Oliveira (D) quer algo na área de educação -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Maria Anunciada de Sousa quer apostar na graduação de Saúde Coletiva; a amiga Maria dos Anjos Oliveira (D) quer algo na área de educação - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
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"A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer", canta Arnaldo Antunes, ao exaltar o prazer de viver e a naturalidade do processo de envelhecimento. A idade não é uma barreira para aqueles que desejam se manter ativos, aventurando-se em viagens, iniciando um relacionamento ou mudando de profissão. Ingressar em cursos ou dedicar-se a uma graduação também são opções cada vez mais atraentes.

Maria Anunciada de Sousa, 62 anos, por exemplo, iniciou, durante a pandemia de covid-19, o curso de educador político e social em gerontologia, da Universidade do Envelhecer (UniSER). De competência da Universidade de Brasília (UnB), o projeto de extensão visa a promoção da qualidade de vida e as mudanças de paradigmas da população madura, por meio de uma capacitação que a permite atuar na própria velhice, tornando-se participativas e ocupando espaços na sociedade.

A decisão da aposentada foi certeira e a fez cogitar o ingresso no ensino superior. "Foi o melhor lugar que eu poderia estar durante a pandemia e fiquei um ano e meio participando das aulas de forma remota. Isso me trouxe um certo conforto, porque, em dezembro de 2020, tinha perdido meu pai. A UniSER me ofereceu aprendizado, aconchego, carinho, cuidado e muito conhecimento para essa etapa da vida que chamamos velhice", contou.

O trabalho de anos no Hospital Regional do Paranoá, no setor da lavanderia, a fez se identificar com a área da saúde, tanto que chegou a iniciar o curso de técnica em enfermagem, mas não o concluiu. Dessa vez, deseja ingressar na graduação de saúde coletiva, oferecida pela UnB. "Quero conhecer bem de perto como funciona a maior política pública do Brasil voltada à saúde, que é o Sistema Único de Saúde (SUS)", ressaltou.

 08/12/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -   Campus da Ceilândia, da UnB. Idosos interessados em cursar o ensino superior por meio do processo seletivo que a UnB abrirá para pessoas 60+.  Maria Anunciada de Sousa, tem 62 anos e quer apostar na graduação de Saúde Coletiva com a amiga Maria dos Anjos Veloso Oliveira (óculos escuro).
Maria Anunciada de Sousa quer apostar na graduação de Saúde Coletiva; a amiga Maria dos Anjos Oliveira (óculos escuro) quer algo na área de educação (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Oportunidade

A boa notícia para Maria Anunciada é que a UnB terá um processo seletivo exclusivo para pessoas com 60 anos ou mais. A informação foi adiantada em primeira mão por Márcia Abrahão, reitora da universidade, à coluna Eixo Capital, do Correio. O anúncio oficial foi no último dia 28. O edital com datas, números de vagas, que serão extraordinárias, e cursos com postos disponíveis está em produção e deve ser divulgado em breve.

"O Decanato de Ensino de Graduação definiu que a forma de seleção será por meio de redação. Os cursos de graduação têm até 16 de dezembro para informar se vão oferecer vagas e quantas por curso", contou a reitora à coluna. Além disso, Márcia afirmou que os primeiros alunos do novo projeto começarão os estudos no primeiro semestre de 2024.

A universidade possui pesquisas e ações maduras na área de envelhecimento, segundo reforçou Márcia. Em fevereiro deste ano, a Câmara de Direitos Humanos da UnB (CDH) aprovou a Política do Envelhecer Saudável, Participativo e Cidadão (Pespc), do qual o processo seletivo faz parte. O objetivo do documento é atender e adequar as necessidades de pessoas idosas na ótica dos direitos humanos, combater o etarismo, e, principalmente, preparar as gerações para o envelhecimento saudável, participativo, digno e cidadão.

Maria Anunciada aproveitou e deu a sugestão para que "o processo seletivo contemplasse de forma direta os alunos que passaram pelo curso de educador político e social em gerontologia, do UniSER e, quem não tivesse tido essa oportunidade, concorreria à vaga pela redação". No momento, ela está na expectativa para a publicação do edital.

Mercado de trabalho

Ter um maior nível de instrução formal contribui para mais oportunidades no mercado de trabalho, conforme defendeu Marcelo Neri, economista e diretor do FGV Social. Segundo o estudo Retratos Sociais da Pessoa Idosa, feito pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), em 2021, a maior parte das pessoas idosas do DF possui nível superior completo (26,8%), seguido do fundamental incompleto (24,1%) e médio completo (21,5%).

"A volta de pessoas com mais de 60 anos ao mercado de trabalho é uma necessidade que precisa ser considerada, em vista da inversão da pirâmide etária. O desenvolvimento de políticas de contratação ainda esbarra em dois desafios: a baixa escolaridade dos idosos, em relação ao restante da população, e a inclusão digital, fundamental no mercado", explicou o especialista.

A solução, portanto, é incentivar o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades nesse público, além de construir equipes profissionais mais diversas, combinando, por exemplo, a experiência dos mais velhos com os conhecimentos digitais dos jovens.

O desejo de voltar a estudar é o que motiva Maria dos Anjos Oliveira, 63, a se programar para o processo seletivo da UnB. Apesar de ainda não ter certeza de qual graduação pretende cursar, disse se familiarizar com a área de educação. No UniSER, fez o curso de Educador Político e Social em Gerontologia e atualmente é tutora na instituição, auxiliando os professores, ajudando os alunos e dando suporte às aulas.

"Gosto muito de trabalhar com idosos, porque, à medida que vamos envelhecendo, passamos a nos identificar com esse público. O carinho, o amor, a atenção e a cooperação são recíprocos", destacou. Além disso, Dulce, como Maria dos Anjos gosta de ser chamada, também é manicure e está estudando para o curso de tecnóloga em gerontologia.

A produção de uma redação, que é um dos pré-requisitos para a aprovação nos cursos da UnB, é o que a tem deixado mais ansiosa. "Quando fiz o Enem, em 2019, tive que estudar bastante para essa parte da seleção. Fico nervosa, mas tudo depende do tema também", comentou. A preparação, para ela, já começa agora. "Vou pegar firme e estudar muito."

Três perguntas para

Polianna Souza, médica geriatra e cofundadora do Canal Longidade

1. Qual a importância dos idosos se manterem ativos, principalmente mentalmente?

A nossa cognição pode sofrer alterações com o processo de envelhecimento, porém, no envelhecimento normal, essas alterações não são suficientes para causar perdas em nossa funcionalidade e autonomia, como ocorre nas demências. Manter a mente ativa, adquirindo novos conhecimentos e habilidades pode auxiliar na nossa saúde cognitiva, além do grande benefício para nossa autoestima e qualidade de vida global.

2. Quais os benefícios da socialização para a saúde dos idosos?

A socialização é importante em todas as faixas etárias. No caso da velhice, a solidão e o isolamento social são prejudiciais não apenas para a saúde mental, mas também para a saúde física, de forma que essas pessoas adoecem e morrem mais. Atividades educacionais, por exemplo, são coletivas e garantem momentos de interação, o que é muito positivo. Já o ganho de novos aprendizados e habilidades é fundamental, pois ajuda a fortalecer as relações sociais.

3. Como blindar situações de etarismo que podem ocorrer nos contextos acadêmico e profissional?

É importante, para a pessoa mais madura que quer iniciar esse novo processo, ter a segurança de que ela tem o direito de estar naquele espaço como qualquer outra pessoa e que está executando um papel social fundamental. Além disso, o aprendizado ao longo da vida vai ser algo cada vez mais comum. É preciso desconstruir a visão negativa do envelhecimento, na qual o idoso é considerado necessariamente frágil.

 


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