De 1,2 milhão de universitários brasileiros, apenas 3.379 pessoas trans estão nas federais brasileiras, o que equivale a 0,2%, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) de 2018. Além disso, de todas as universidades e institutos do Brasil, apenas seis ofertam cotas para trans: Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC) e a Universidade Estadual do Amapá (UEAP).
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) quer mudar esse cenário. Ela apresentou, este ano, projeto de lei (PL) que institui cotas para pessoas trans com reserva de 5% das vagas nas universidades federais brasileiras. A proposta foi construída, segundo a justificativa da parlamentar, diante da realidade de exclusão e preconceito com esse grupo em vários setores de trabalho formais da sociedade brasileira, como as universidades federais.
Para Érika, a concepção dessa medida é significativa e necessária para mudança na realidade das pessoas trans no Brasil. "Vamos trabalhar para avançarmos pautas históricas da nossa população para que saiamos dos espaços de mazela que nos colocam cotidianamente", promete. A concepção do PL teve a participação de mais 15 entidades da sociedade civil, entre elas, Equi — Empregabilidade Trans e LGBQIA+; Corpas Trans da USP; Coletivo TransUFBA; Rede Transvestis UFFianas e DCE UFF Fernando Santa Cruz.
Segundo a deputada, a adoção de cotas pode mudar, aos poucos, a perspectiva de vida dessas pessoas no mercado de trabalho, que ainda são marginalizadas. "A expectativa é de que a proposta seja compreendida cada vez mais como uma política pública de redução das desigualdades, opressões e discriminações que sofremos, e que elas também sejam cada dia mais debatidas, assim como a necessidade de enfrentá-las" defende Érika.
Ao justificar o PL, a deputada mostrou a importância social que as cotas para pessoas negras tiveram na história do Brasil. "De certa forma é também o mesmo caminho que as ações afirmativas para reserva de vagas para trans e travestis nas universidades e institutos federais devem tomar. Com a implementação de ações internas, as universidades iniciam o caminho para inclusão desses corpos".
Apoio
Maria Andoyiki, 28 anos, é travesti e aluna do curso de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP), bolsista do coletivo Corpas trans da universidade e representante de uma das entidades que participaram da elaboração do PL. Para ela, as cotas são necessárias, não só para o ingresso de pessoas trans dentro das universidades, mas também para a diminuição de preconceitos. "Para pessoas trans, que são marginalizadas, as cotas ajudam a trazer debates sobre o tema no âmbito das instituições de ensino, como o uso dos banheiros, análises curriculares, para assim ter mudanças estruturais nas universidades"
Luci Cecilia Augusta Silva de Paula, 29 anos, designer gráfica e membro da Equi Empregabilidade Trans e LGBTQIA+, identifica dificuldades diante dos preconceitos tanto para a política de ação afirmativa, quanto para a comunidade. “Vamos lutar bastante pela aprovação dessa proposta e que, pelo menos, comece uma discussão, porque isso precisa ser discutido e as pessoas precisam ouvir, saber dos dados, se atualizar quanto as nossas vivências são marginalizadas, e também de um outro olhar”
Gabrielle Weber, professora de matemática e pesquisadora de estudos trans da Universidade de São Paulo (USP), confirma a baixa quantidade de alunos trans nas universidades e institutos federais, chamando o fenômeno de "apagão generalizado".
A professora também mostra cenário de discrepância, em perspectiva global, no acesso das pessoas transgênero entre os cursos de humanas (1,3%), exatas e ciências da saúde (0,57%) nas universidades. "Não se encontram essas pessoas em cursos clássicos. Vimos que as cotas para as pessoas negras, por exemplo, ajudaram no ingresso de pessoas não brancas e racializadas em cursos tradicionais. Então, as cotas para transexuais e travestis podem reverter essa desigualdade", acredita.
Estagiária sob supervisão de Ana Sá