André Luiz Pinto é o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Jaap Schijve, gratificação mundialmente reconhecida, concedida a jovens pesquisadores que se destacam no campo de Fadiga Estrutural de Aeronaves e Tolerância a Danos. A celebração ocorreu durante evento do ICAF (International Committee on Aeronautical Fatigue and Structural Integrity), que prestigiou o recém-doutor por seu trabalho sobre um fenômeno de falha crítico na indústria aeroespacial.
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O trabalho de doutorado do pesquisador foi desenvolvido de forma "dual", na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade Católica de Leuven (KU Leuven), na Bélgica. E contou com a orientação dos professores José Alexander Araújo, da UnB, e Reza Talemi, da KU Leuven. Ele desenvolveu uma metodologia inovadora que possibilita prever essa falha, chamada "fadiga por fretting", de uma forma abrangente que ainda não havia sido observada.
Fadiga e fretting
O problema, foco das pesquisas de André Luiz, é ocasionado por dois fatores: a fadiga e o fretting (desgaste, em inglês). Ele explica que a fadiga, por si só, é uma falha configurada quando determinadas peças de aeronaves são submetidas a cargas abaixo do limite de resistência, fazendo com que surjam trincas que podem se propagar até a ruptura. "Como é um problema sério e muito amplo na indústria aeroespacial, o meu trabalho se enquadrou", conta.
O especialista informa que esse tipo de falha pode acontecer por uma série de danos, e o fretting é um deles. A fadiga por fretting, especificamente, ocorre quando dois ou mais componentes das peças entram em contato, gerando um atrito microscópico entre as superfícies. Isso agrava o desgaste ocasionado pela fadiga, fazendo com que essa trinca seja formada com mais rapidez, acelerando a falha do componente mecânico, o que é particularmente preocupante. Segundo André, o problema é encontrado em diversas indústrias e em todos os tipos de aeronaves, mas um caso comum é nos aviões.
Falhas nos aviões
As turbinas de aviões possuem cerca de 12 ou mais peças que podem entrar em contato e, se configurada, a fadiga por fretting causa grandes prejuízos, podendo provocar, inclusive, a queda da aeronave. "A turbina do avião, para quem já viu, parece com um ventilador. A diferença é que a ventilador, geralmente, consiste numa peça só. A do avião, não. Tem várias partes encaixadas e, por isso, o pé [da turbina] entra em contato com a face. Com o atrito, surge esse problema. Várias aeronaves já falharam por causa disso, que consiste num problema bem reconhecido na área aeroespacial", diz.
O recém-doutor afirma que se a fadiga vier a existir em ambas as turbinas, a probabilidade é de que o avião entre em queda. "Se for em uma só delas, pode uma pá da turbina acertar a fuselagem. E se isso acontecer, há risco de se acertar alguma pessoa que esteja dentro do avião, de ser feita uma abertura no avião ou de algum passageiro ser puxado para fora", ressalta. De acordo com André, se o problema for verificado em uma das turbinas, o voo precisa ser interrompido o mais rápido possível e o piloto deve procurar pousar no aeroporto mais próximo.
Diferencial
Existem diversos estudos que se propõem a prever a falha do componente com fadiga por fretting. No entanto, essas abordagens consideram carregamentos simples, que podem ser controlados em laboratório, o que não acontece na realidade. "Na prática, eles (os carregamentos) oscilam, e as amplitudes das forças variam muito", conta o pesquisador.
A metodologia desenvolvida pelo brasileiro se aproxima mais do problema de maneira concreta, pois leva em conta essas variações complexas das forças presentes. Isso possibilitou uma previsão mais completa, que envolve a modelagem do desgaste da superfície em contato, a quantidade de material perdida nesse atrito, a previsão do ângulo da trinca microscópica e a vida de propagação da trinca. Os métodos utilizados permitem, ainda, prever a vida útil do componente analisado desde os primeiros ciclos até a sua falha total.
O trabalho dual
O interesse do jovem na área de fadiga e mecânica da fratura surgiu durante a sua graduação, realizada na Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA), quando trabalhou em uma mineradora e observou várias falhas mecânicas nesses materiais. "Meu interesse veio desde essa época e já comecei a abordar o tema no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), para entender como as trincas surgem, se comportam e se propagam", enfatiza.
Depois de graduado, André Luiz Pinto iniciou suas pesquisas durante o mestrado na UnB, momento em que conheceu o professor José Alexander Araújo. "Quando o professor Reza, da Bélgica, soube que eu estava trabalhando com esse tema, a gente acabou se unindo para fazer um doutorado dual", relata. Assim, em parceria com os professores Alex e Reza, ele expandiu seu trabalho no doutorado. O laboratório da UnB, ambiente onde as pesquisas foram desenvolvidas, é considerado o mais bem equipado de todo o Hemisfério Sul.
Para o professor José Alexander Araújo, é uma alegria ter sido orientador e ter participado de um trabalho que prestigiou e reconheceu a universidade brasiliense como nivelada com diversas instituições internacionais. "É um legado. O prêmio resulta da conjunção entre o laboratório sofisticado que temos e o empenho e esforço de um aluno tão brilhante como o André. Eu me sinto, na pessoa dele, honrado por poder orientá-lo em um tema que o levou tão longe. Sentimento de dever cumprido por fazer esse trabalho de excelência", evidencia o professor.
Interesse natural
Embora seja um fenômeno configurado em diversos campos, a temática de fadiga por fretting foi especialmente relevante para a indústria aeroespacial. "Não foi um caso 'pintado' desde o início, mas veio de forma natural. É uma metodologia que vale para todas as áreas, mas como a aeroespacial se interessa tanto pelo assunto e é caro para eles, tanto pela questão da segurança, quanto financeiramente, o meu trabalho acabou chamando atenção", frisa o pesquisador.
A premiação envolveu o pagamento de E$ 5 mil e um troféu especializado. De acordo com André Luiz, o prêmio lhe propiciou reconhecimento e prestígio por parte de grandes empresas multinacionais. "Isso me deixou muito satisfeito, uma vez que o Brasil não costuma ser modelo em pesquisas científicas. A nota de ciência é sempre subestimada, ninguém imagina que um brasileiro vai ganhar nessa área", destaca. "É muito bom quando você passa tanto tempo trabalhando em um projeto e recebe esse tipo de reconhecimento", acrescenta.
*Estagiária sob a supervisão de Hylda Cavalcanti