20 anos de cotas na UnB

Lei de Cotas: "Brasil quis pagar essa dívida histórica", diz relatora da proposta

Há 20 anos, em 6 de junho de 2003, a UnB foi pioneira ao adotar cotas raciais nos processos seletivos para graduação. Em entrevista ao 'Podcast do Correio', Dione Oliveira Moura celebra os avanços que a legislação trouxe para o ensino superior brasileiro

Cecília Sóter
postado em 05/06/2023 18:59 / atualizado em 05/06/2023 22:40
 (crédito: Ana Dubeux)
(crédito: Ana Dubeux)

No dia 6 de junho de 2003 a Universidade de Brasília (UnB) tornou-se a primeira do país a adotar cotas raciais nos processos seletivos para graduação, quase uma década antes da sanção da Lei nº 12.711/2012. Na comemoração dos 20 anos de pioneirismo, o Podcast do Correio recebeu a professora, pesquisadora e diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Dione Moura, relatora da proposta do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial. 

O sucesso das cotas na UnB estimulou movimentos sociais em prol de políticas afirmativas no ensino superior no resto do Brasil, e abriu espaço para que a medida fosse seguida em outras universidade do país. Dione reconhece o papel importante que teve como relatora da Lei de Cotas no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), mas classifica a participação no projeto como um presente que recebeu. "Foi uma oportunidade de aprender, uma oportunidade de realizar, uma oportunidade de fazer algo pela juventude, pelo Brasil, como educadora".

Dione era responsável por organizar os processos para participações em audiências públicas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. "Trazíamos procuradores Federais de todo o Brasil para a UnB, onde a gente olhava aquele famoso edital que finalmente chegou a ser julgado pelo STF e não caiu. Mas aquele edital, para ele não cair, teve muita perícia, muito cuidado, muito zelo. Nós trabalhamos com a cabeça que nós temos, que é a cabeça de cientista", relembra.

Dione destaca que a política de cotas faz parte de uma democratização do ensino e defendeu salas de aula do tamanho de estádios de futebol. "Se a gente conseguir ter um ensino universitário democratizado nos próximos 60 anos, aí não precisaremos de cotas. As pessoas já estão capacitadas, as famílias querem, o jovem quer estudar, a família dá suporte mesmo com condições mínimas, mas dá suporte. Mas precisa de ter vaga", pontuou. "A gente precisa de um país onde todos possam estudar", completou.

Até isso ocorrer, a pesquisadora celebra os avanços que a Lei das Cotas já traz para o país. "Foi decisão do Brasil. O Brasil quis que desse certo. A gente não ia conseguir fazer isso sozinhos. O Brasil quis pagar essa dívida histórica". Assista a entrevista completa de Dione Moura para o Podcast do Correio:

 

Cartas para o amanhã

A UnB recebe, nesta terça-feira, às 16h, no auditório Pompeu de Sousa, a 2ª Oficina Cartas para o Amanhã, um projeto idealizado pela professora Dione Moura para celebrar os 20 anos da Lei de Cotas na UnB. Ela conta que o projeto surgiu com uma série de estudos sobre o perfil de jornalistas negras brasileiras e suas inspirações. Durante a pesquisa, uma pessoa era citada com frequência: Lélia Gonzalez (1935-1994).

A ideia do projeto é criar uma rede de apoio e acolhimento para estudantes negros e indígenas que ocuparão a universidade daqui a 60 anos. A ponte feita com estudantes de hoje em dia para os do futuro seria por meio das cartas, assim, alunos e ex-alunos podem escrever sobre suas percepções e experiências para os jovens que ingressarão na faculdade no futuro. 

"É um projeto que fala de esperança. Porque falar para o futuro, falar para o amanhã, é falar com esperança. É acreditar que algo vai acontecer. E o que é algo esse que vai acontecer? É que mais estudantes negras, indígenas, quilombolas, africanas virão para UnB estudar, criar cultura, criar ciência fazer extensão, ensinar", explica.

Outro projeto realizado por Dione Moura em parceria com a professora e secretária de Direitos Humanos da UnB, Deborah Silva Santos, é o livro Vá no seu tempo e vá até o final: mulheres negras cotistas no marco dos 60 anos da UnB, onde elas reúnem pesquisas e relatos de mulheres negras que estudaram na UnB ao longo da existência da universidade.

"Neste livro vocês vão ver que essa juventude negra que chegou na UnB não veio pela mão da UnB, ela veio pela mão dos pais e dos avós, que queriam que esses jovens estudassem. Então, não foi a UnB que trouxe esses jovens, a UnB abriu as portas, mas quem trouxe eles para a porta da universidade foram seus antepassados", pontua Dione.

 

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