SUPERAÇÃO

Vendedor de dindim é aprovado em letras na Universidade Federal do Pará

Jovem que se familiarizou com a UFPA vendendo suco congelado em saco plástico, realizou o sonho de ser aprovado na instituição, por meio do Enem

Katherine Assis*
postado em 01/03/2023 17:42 / atualizado em 01/03/2023 17:45
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Dedicado ao trabalho e aos estudos, o estudante Luciano Pantoja, 21 anos, que vendia chopp — o tradicional dindim —, na Universidade Federal do Pará (UFPA), foi aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para cursar letras na instituição. O  calouro trabalhava das 11h às 14h no câmpus da universidade e depois seguia para o cursinho preparatório gratuito. Ele afirma que, apesar da conquista, continuará vendendo dindim para os colegas.

Morador do bairro Jurunas, em Belém, Pantoja recebeu a notícia da aprovação por meio da irmã mais velha, Laís, 21, sua maior inspiração por ter sido aprovada no mesmo curso no ano anterior. “Por volta das 11 horas, quando estava começando a trabalhar, ela me ligou dizendo que eu tinha sido aprovado. Foi uma loucura, uma felicidade que nunca havia experimentado”, diz o calouro.

Cliente e amiga de Pantoja, Rayanna Falcão, 21 anos, que cursa química industrial na universidade, ressaltou a alegria de toda a comunidade estudantil com a aprovação do vendedor ambulante. “Ficamos muito felizes com a conquista de Luciano. O atendimento dele é ótimo. Está sempre com um sorriso no rosto, cantando e dançando com a música no último volume. É uma pessoa incrível, simpática, ama conversar. Acredito que seja por esse motivo que a relação dele com os outros alunos seja tão boa”, afirma.

Segundo ela, a comemoração na UFPA foi grande. "Fizeram cartazes e também alguns trotes assim que Luciano recebeu a notícia de sua aprovação", conta Rayanna. “Quando vi toda aquela festa e comemoração na aprovação da minha irmã, tive um gás maior para correr atrás do meu sonho. Não via a hora de chegar a minha vez. E chegou. Também teve festa por causa da minha aprovação”, disse Pantoja.

Filho de manicure e porteiro, o recém-aprovado na principal universidade paraense vê em sua mais nova conquista uma grande oportunidade de vencer na vida. “Para mim, a UFPA é uma possibilidade de nós, que somos de periferia, alguns de favela, sem condições, fazer um curso superior, fator essencial para o nosso futuro”, destaca Pantoja.

Rayanna concorda que a UFPA patrocina sonhos. “A universidade pública torna sonhos distantes possíveis, especialmente para aqueles de famílias mais humildes”, reitera.

Venda de "chopp"

Pantoja iniciou as vendas de "chopp" no início de 2022, trabalhando para um casal que vende os sucos congelados na UFPA há mais de 20 anos. “Pensei que iria passar menos tempo vendendo para eles, mas me familiarizei tanto com o ambiente da universidade que pretendo continuar as vendas mesmo depois do início das aulas” afirma.

Ele conta que o dinheiro que arrecada nas vendas é usado para comprar suas "coisinhas" sem precisar do auxílio dos pais, que arcam, sozinhos, com muitos gastos. “Meus pais deram o melhor de si para que eu e a minha irmã tivéssemos condições de passar na federal. Chegaram a me matricular num cursinho particular, mas como na época eu não passei, ficou um pouco apertado nas despesas e prossegui estudando sozinho”, lembra.

Estudos

Por não atingir o êxito esperado na primeira tentativa, mesmo fazendo cursinho, Pantoja prosseguiu os estudos sozinho, por seis meses. “Assistia a vídeos no Youtube e ficava atento às redes sociais para buscar conteúdos que pudessem me ajudar”, revela, recordando que a dificuldade em exatas e biológicas também provocou certo desânimo, mas que não desistiu ao pensar em todos investimentos feitos pela família para que, enfim, conquistasse sua vaga na universidade.

Após o período de estudos, Pantoja conseguiu uma vaga em um cursinho preparatório gratuito. Sua meta, agora, é concluir a faculdade, lecionar e ajudar outras pessoas sem condições financeiras. “Gosto muito disso, de retribuir o que já me foi oferecido. No caso, as aulas que frequentei de graça. Além disso, sempre gostei dessa área”, ressalta, lembrando, com carinho, da experiência que teve, ao substituir um professor  de inglês no cursinho. “Me pediram para dar uma aula e percebi que meu mundo é este, estar em sala de aula, lidar com pessoas”, destaca.

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação