No último mês de gestão de Jair Bolsonaro à frente do Poder Executivo, entidades ligadas à educação superior pública classificam a gestão como "retrocesso". A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) relembra que os quatro anos de mandato foram marcados por grandes cortes no Orçamento, falta de diálogo com governos locais, dança de cadeiras no MEC e ataque às universidades. O período também foi marcado por escândalos de corrupção, como a investigação que levou à prisão o ex-ministro Milton Ribeiro e à instauração de uma CPI.
A associação chama atenção para as constantes trocas de ministros — quatro ocuparam o cargo desde 2019 (Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Milton Ribeiro e Victor Godoy). Carlos Decotelli chegou a ser nomeado mas não tomou posse porque mentiu no currículo. Em março, investigações apontaram a existência de um "gabinete paralelo" dentro do MEC. O grupo era composto por pastores que controlavam a agenda do ministério e até a destinação dos recursos públicos da pasta, em reuniões fechadas.
O então ministro da Educação Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são suspeitos de operar um balcão de negócios no MEC. As investigações apontam que religiosos aliados ao ministro, mesmo sem ter cargo no governo, negociavam com prefeitos o repasse de verbas em troca de propina. Barras de ouro chegaram a ser negociadas pelos pastores, segundo prefeitos ouvidos. "Todas as circunstâncias deste governo nos fazem avaliar este período como o das mais dramáticas dificuldades de sobrevivência", diz Ricardo Fonseca, presidente da Andifes.
O responsável pela associação critica a gestão de Jair Bolsonaro para o ensino superior público no Brasil. Ricardo Marcelo afirma que os últimos quatro anos foram marcados por dificuldade de diálogo com o Ministério da Educação e menos diálogo ainda da pasta com reitores. Além disso, Ricardo criticou a aprovação do programa Future-se, projeto para incentivar as Universidades Federais a captar recursos privados que, segundo ele, não teve participação dos líderes acadêmicos. O MEC chegou a realizar audiências públicas, mas o texto final enviado ao congresso não foi apoiado pela Andifes.
O "Future-se" foi lançado em 2020 em meio à polêmica do contingenciamento das universidades federais. De acordo com o MEC, o objetivo é "aumentar a autonomia administrativa das universidades e estimulá-las a captar recursos próprios". As instituições deveriam aderir ao programa e assinar um "contrato de resultado" com a pasta. Porém o projeto recebeu diversas críticas, por ferir a autonomia universitária. Entidades como a UFRJ, UFPA, UFPR, UFSC, UFJF, e UFMA chegaram a recusar publicamente a adesão ao programa.
O presidente da Andifes relembrou, também, que a administração Bolsonaro deu espaço para muitas situações inéditas. "Ministros destratam universidades de diversas formas, inclusive com notícias falsas. Tivemos o caso de sermos acusados de 'balbúrdia e produção extensiva de droga'. O ministro Weintraub foi, inclusive, acionado judicialmente por falar que produziam drogas nas universidades. Situações completamente inéditas que não passamos em outras administrações", recorda Ricardo Fonseca.
Em abril de 2019, menos de um mês após assumir a pasta, Abraham Weintraub disse, em entrevista, que iria cortar verba de universidades por causa de "balbúrdia" no câmpus. As universidades de Brasília (UnB), Federal Fluminense (UFF) e Federal da Bahia (UFBA) teriam redução de 30% do orçamento, segundo o ex-ministro. No mesmo dia em que a entrevista foi publicada, o MEC recuou da decisão de "punir" as universidades e anunciou que a redução de verba seria para todas as instituições federais de ensino superior, sem distinção.
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A reitora da Universidade de Brasília, Márcia Abrahão, relembra como o período foi de tensão entre o ministério e as instituições. "Fomos atacados pelo ministro da Educação que fez um corte de 30%. Ele especificou a UnB, falando várias mentiras da universidade. Daí para frente, uma série de ataques diversos, tentando descredibilizar a instituição, processo contra professores", relata a reitora.
Para ela, os quatro anos da gestão Bolsonaro também foram "difíceis", especialmente por conta da crise da covid-19. "Durante a pandemia não houve o apoio esperado, participamos das ações do ministério da educação, mas ações isoladas por conta do orçamento da pandemia. Uma parte dele chegou à Universidade mas não houve apoio para retomar a normalidade, para retomar limpeza e outras áreas", conta Márcia Abrahão.
Ataques ao Orçamento
Na última quinta-feira (1/12), a equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (PL) voltou a bloquear recursos orçamentários do Ministério da Educação. Depois de anunciar, na quarta-feira (30/11), o contingenciamento de R$ 366 milhões, o governo recuou diante das críticas das instituições de ensino e, na quinta-feira à tarde (1º/12), autorizou o uso dos recursos. Mas, à noite, no mesmo dia, o MEC informou aos órgãos vinculados à pasta que "zerou o limite de pagamentos das despesas discricionárias do Ministério da Educação previsto para o mês de dezembro", segundo mensagem do Tesouro Nacional encaminhada ao ministério.
A informação do novo bloqueio foi dada, inicialmente, pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), logo após receber o documento do MEC. O órgão informou que havia solicitado ao Ministério da Economia, "nos meses de outubro e novembro, a ampliação do limite de pagamento das despesas discricionárias", mas as "solicitações não foram atendidas".
"Não há planejamento que dê conta desses rombos. Na prática, as universidades estão com a conta negativa, além de estar sem recursos para terminar o ano, alguns outros compromissos que já haviam sido assumidos ficam comprometidos. A máquina fica desprovida de recurso muito antes do fim da previsão orçamentária", detalha o presidente da Andifes.
Ricardo Fonseca explica que compromissos como bolsas assistenciais para estudantes em vulnerabilidade, vigilância, limpeza entre outras áreas de serviços ficam completamente comprometidas, sem previsão de pagamento." São pessoas humildes, podem passar o Natal com a possibilidade de não receber. Também a luz, água, retirada de lixo e outros projetos devem ser retirados nesse caos orçamentário", lamenta o presidente da associação.
Márcia Abrahão revelou que na manhã de sexta-feira (2/12) o bloqueio nas contas da Universidade de Brasília (UnB) já era de R$ 17 milhões. "A gente não tem como pagar mais nada esse ano. É uma pá de cal no funcionamento da universidade". Apesar dos problemas financeiros, a reitora reforça que a universidade segue funcionando, mesmo devendo alguns fornecedores. "Nossa forma de resistir é seguir com as portas abertas", diz.
*Estagiário sob a supervisão de Michel Medeiros
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