Com muito esforço e determinação, a dona de casa Eliana Fátima Souza Reis Pires, 46 anos, e seu filho cego e com deficiência física Hiury Ariel de Souza, 24, se formaram recentemente em psicologia, em uma universidade particular de Goiás. Eliana decidiu fazer o curso junto com o filho para acompanhá-lo nas aulas e, por três longos anos, enfrentaram uma dura rotina diária de viagens de ônibus, percorrendo 160 quilômetros de ida e volta entre Vianápolis, onde moram, e Anápolis.
Logo depois que nasceu, Hiury foi diagnosticado com microcefalia e mielomeningocele, doenças que provocam acúmulo de líquido nas cavidades internas do cérebro e defeitos na coluna vertebral e na medula espinhal. Segundo Eliana, com apenas um dia de vida, ele foi submetido a duas cirurgias e chegou a passar cerca de 14 dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Chegou a ser desenganado pelos médicos, que chegaram a afirmar, literalmente, que Hiury não sobreviveria. “Mas sempre tive fé e nunca me abalei com essas previsões absurdas”, conta, lembrando que, desde então, o filho foi submetido a oito cirurgias delicadas, até que, aos 8 anos, perdeu as duas visões em decorrência de um erro médico.
A ideia de se graduar em psicologia era alimentada por Eliane desde sua adolescência. Em 2010, ela chegou a cursar três períodos do curso, mas abandonou a faculdade para cuidar dos filhos pequenos. Hiury, por sua vez, sempre sonhou em cursar direito, mas abandonou a ideia, segundo a mãe, por considerar a Justiça no Brasil muito falha. “Ele sempre foi muito correto e determinado”, conta.
A ideia de mudar de curso veio no final do ensino médio, quando ele teria que decidir o caminho a seguir. Quando anunciou que sua meta era abraçar a psiquiatria foi uma grata surpresa para a mãe, que viu nessa decisão o momento propício par realizar o velho sonho. Eliana conta que chegou a cogitar a ideia de mudar com a família pra Anápolis, mas o próprio Hiury não concordou com a proposta, pois o pai mantém uma barbearia tradicional na cidade natal. “Disse a ele que seria muito cansativo, desgastante, que dependeríamos de transporte público, mas meus argumentos foram em vão.”
Eliana lembra que, entre idas e vindas, os dois enfrentaram estrada malconservada, muita chuva, ônibus quebrado e, de quebra, frequentes alagamentos no câmpus da Faculdade Anhanguera. “Por várias vezes tinha que deixá-lo dentro do ônibus, com o motorista, enquanto assistia e gravava as aulas para depois repassar as matérias. Mas ele sempre foi muito bom de ouvido e sempre assimilou tudo com muita facilidade.”
Ela conta, ainda, que no início, em épocas de exames, fazia primeiro as provas para depois acompanhar o filho. “Eram muitas questões e eu demorava bastante. Isso o deixava bastante ansioso. Até que pedi a uma coordenadora para acompanhá-lo nesse processo.
A trajetória de Hiury durante o curso surpreendeu a mãe, os professores e também os colegas. Eliana lembra que ele nunca se contentou com uma nota inferior a 10 e sempre se destacou em todas as matérias com pontuação máxima.
O período mais crítico, segundo ela, foi no auge da pandemia, quando, por dois longos anos, se viram obrigados a se submeter a atividades remotas. “Principalmente para mim, que tenho muita dificuldade com as novas tecnologias”, admite. Nesse período, revela, Hiury passou a presentar crises de ansiedade e depressão, chegando até mesmo a cogitar desistir do curso, mas foi devidamente demovido dessa ideia.
“Antes era eu quem esmorecia e ele me empurrava pra frente. Parecia que ele era o pai e eu filha. Depois, já havíamos investido muito dinheiro e sacrifício e disse que não era justo jogar tudo no lixo. Para seguir em frente, usamos todo o ensinamento que aprendemos nas ulas de psicologia.”
Para Hiury admite que a maior dificuldade enfrentada nesse processo foi o período pandêmico. “No começo me deu muita depressão, pensei mesmo em jogar tudo pro lato, mas agora estou feliz, realizado”, afirma, revelando que sua meta, agora, é partir para uma pós-graduação em psicologia esportiva. Tricolor roxo, é fã dos atacantes Luciano e Diego Tardelli e sonha em trabalhar no São Paulo. “Ficaria muito feliz, mas se não rolar, posso atuar em qualquer outra modalidade esportiva”, diz.
Por enquanto, mãe e filho pretendem, agora, montar um consultório e trabalhar juntos. A papelada para a obtenção do registro profissional, segundo ela, já foi protocolada na Delegacia Regional do Trabalho. De quebra, foram convidados por uma amiga para dividir consultório na vizinha Silvânia. “Foi uma superação para todos nós. Agora, é seguir em frente e concretizar novos sonhos”, diz Eliana.