Política Pública

Dez anos depois da lei, relatório mapeia quem são os anticotas do Brasil

A lei que reserva 50% das vagas do ensino superior público para estudantes da rede pública completa 10 anos

Thays Martins
postado em 24/08/2022 10:22 / atualizado em 24/08/2022 21:04
 (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
(crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Dez anos depois da aprovação da Lei de Cotas no Brasil, a discussão sobre a implementação e eficácia ainda permeia o debate público. A legislação, que causou polêmica quando foi proposta, mudou a cara das universidades brasileiras. Relatório do Observatório da Branquitude, divulgado nesta quarta-feira (24/8), mostra que quase metade de todos os projetos de lei que tramitam no Congresso querem enfraquecer a lei de alguma forma.

Das 30 propostas feitas durante a última legislatura, 11 são favoráveis, três neutras e 11 são contrárias às cotas, de acordo com o relatório. Dessas, três foram propostas por partidos de esquerda e centro-esquerda e oito por partidos de direita. De acordo com Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório, a análise mostra como a política pública sofre de ameaças constantes. “A gente tem o Congresso mais conservador dos últimos tempos. Com a aproximação das eleições, a gente não acha que será pautado por agora, mas sempre é uma ameaça”, afirma.

O relatório chamado Quem são os anticotas do Brasil analisou qual a visão do Brasil sobre a política pública em três setores: intelectuais, imprensa e no Poder Legislativo. Segundo Thales, o resultado mostra que os dois primeiros setores mudaram a percepção sobre as cotas após os resultados da política, porém, os argumentos contrários usados por esses setores há mais de dez anos são utilizados até hoje pelo Congresso para ameaçar a lei. “Teve uma mudança de humor calcada nos resultados positivos que a política trouxe, mas a pesquisa percebe que os posicionamentos contrários por parte da imprensa e intelectuais formam o posicionamento da política", explica. "É o que a gente chama de síndrome de Curupira. O corpo avança para o sucesso, mas os pés continuam apontando para trás”, completa.

Segundo ele, a maioria dos argumentos contrários se referem a uma visão errada de que as cotas são somente raciais. A lei de 2012 estabelece que a reserva de vagas nas universidades públicas é destinada a estudantes da rede pública, pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e população de baixa renda. “Todos os projetos de lei contrários falam que as cotas sociais deveriam existir e não a raciais, mas a social já existe”, argumenta.

Além disso, ele destaca que muitos projetos tentam criar novas categorias sem especificar de onde seriam retiradas essas vagas, como o que quer reservar vagas para atletas de alto rendimento. “É a banalização da lei, pois prevê a entrada de outros grupos, mas não especifica de onde tira essas vagas. Da ampla concorrência? Das cotas? Porque a lei é muito específica, é para grupos subrepresentados”, ressalta. O projeto citado por ele, já foi aprovado na Comissão de Educação, é o PL 2493/2019 de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF), candidata ao governo do DF, que tem como intuito possibilitar que atletas de alto desempenho completem os estudos sem ter que parar de praticar o esporte.

Em nota, a senadora ressaltou que defende a lei de cotas e que o projeto só prevê reserva de vagas para o ensino à distância. "É importante ressaltar que uma considerável parcela de atletas brasileiros inicia a jornada esportiva em projetos sociais voltados para a população de baixa renda, majoritariamente negra no Brasil. Cerca de 55% das medalhas brasileiras alcançadas em Tóquio, em modalidades individuais, foram conquistadas por atletas negros", afirmou. 

Outro debate que veio à tona este ano é o argumento de que a lei precisa ser revista. Porém, a revisão não é obrigatória, é só uma recomendação, e nem tem como intuito saber se a política deve continuar ou acabar. Inclusive o próprio texto veda a extinção do programa.

 

Mudança na intelectualidade

Em 2006, 114 intelectuais enviaram um documento ao Congresso Nacional com argumentos contrários às cotas. Parte dessas pessoas mudaram de ideia ao longo dos anos. Pelo menos 11 dos que ainda estão vivos já se manifestaram falando que mudaram de opinião. Somente quatro dizem manter o mesmo posicionamento.

Uma dessas pessoas que mudaram de opinião é a historiadora Lilia Schwarcz. Em 2019, ela usou uma rede social para explicar o porquê assinou o documento e o porquê se arrepende. "Errei, portanto, ao não atentar para a intenção do documento e assim fortalecer uma causa contra a qual me oponho, com convicção. Desde então, procurei provar aonde moram minhas certezas, a partir da publicação de artigos e livros, em entrevistas, participando de políticas públicas e debates, sempre a favor de cotas. Sou a favor de cotas, pois, é preciso reparar desigualdades e hierarquias criadas, durante séculos pelo sistema escravocrata e pela falta de políticas de inclusão das populações negras durante a República", diz em um trecho do texto.

Na sociedade, as cotas também estão bem aceitas. Pesquisa do Datafolha, feita este ano, mostrou que 50% da população brasileira é a favor das cotas raciais em universidades públicas. Somente, 34% se posicionaram contra a reserva de vagas. Outros 3% se mostraram indiferentes e 12% não souberam responder.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação