ATAQUES

Ameaças e negacionismo recorrentes afetam ensino e pesquisas no país

Estudo revela que 42% dos docentes do ensino superior e pesquisadores já se autocensuraram por medo de retaliações

EuEstudante
postado em 21/07/2022 19:50 / atualizado em 21/07/2022 21:05
A cientista política e pesquisadora do LAUT, Anna Carolina Venturini -  (crédito: Reprodução Twitter)
A cientista política e pesquisadora do LAUT, Anna Carolina Venturini - (crédito: Reprodução Twitter)

Graves ameaças e violações à liberdade acadêmica, os frequentes ataques do governo federal contra as universidades públicas resultaram na limitação do conteúdo de aulas. O negacionismo científico também foi comprometido. Pelo menos 42% dos docentes do ensino superior e pesquisadores já limitaram os próprios conteúdos e 35% restringiram suas pesquisas por receio de retaliações ou alguma consequência negativa. As constatações são da pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, realizada pela Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), Observatório do Conhecimento, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), que reúne dados sobre censura e autocensura nas universidades públicas e institutos de pesquisas.

De acordo com o estudo, os profissionais mais afetados são os que realizam pesquisa ou lecionam nas áreas de ciências humanas, ciências sociais aplicadas e ciências da saúde. Além disso, professores das áreas de linguística, letras e artes já limitaram o conteúdo de suas aulas. O objetivo da pesquisa foi investigar a percepção de docentes do ensino superior e pesquisadores acerca de violações e ameaças ao exercício da liberdade acadêmica e de cátedra ao longo dos últimos anos.

Ainda de acordo com o estudo, 58% dos entrevistados afirmaram ter conhecimento de experiências de pessoas que já sofreram limitações ou interferências indevidas em suas pesquisas ou aulas; 35% disseram que já limitaram aspectos das próprias pesquisas; 42% já limitaram o conteúdo das próprias aulas por receio de retaliações ou alguma consequência negativa; e 43% consideram ruins ou péssimos os procedimentos disponibilizados por suas instituições para lidar com denúncias de ameaças à liberdade acadêmica.

Para a cientista política e Pesquisadora do LAUT, Anna Carolina Venturini, a pesquisa traduz um cenário preocupante. “Temos visto muitas ameaças à liberdade acadêmica, no sentido da produção do conhecimento, a restrição a diferentes áreas do conhecimento e o quanto isso afeta a nossa democracia e, principalmente, as instituições de ensino superior públicas, responsáveis pela maior produção de ciência e tecnologia no país", disse.

Para o professor titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, Sérgio Carrara, o país vive uma espécie de trincheira. Para ele, produzir dados no Brasil, atualmente, tem sido um ato de resistência. "Essa pesquisa não deixa de ser um termômetro no qual podemos medir os sinais vitais da ciência e da pesquisa no Brasil, ou seja, os sinais vitais do pensamento livre do país. Não no sentido de uma liberdade inconsequente ou sem responsabilidade, mas sim no sentido da necessária autonomia para estabelecer os limites do dizível", afirma.

A coordenadora do Observatório do Conhecimento, Mayra Goulart, é mais uma a considerar que o país vive um “apagão de ideias”. Ela observa que é nítido o empobrecimento de debates dentro das universidades em função da sensação de medo. “Sou professora e sinto, na sala de aula, que os alunos estão desmotivados, amedrontados, com medo de não conseguirem empregos, medo de não conseguirem bolsas que estão desvalorizadas, mas, sobretudo, eles veem que a sociedade não valoriza esse tipo de atividade. Pelo contrário, persegue”, afirma.

A pesquisa foi feita entre os meses de agosto e dezembro de 2021. Foram ouvidas 1.116 pessoas das cinco regiões do Brasil. A segunda etapa será realizada neste ano.

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