Eu, Estudante

Ode

Verdade cênica de Hugo Rodas é reverenciada por atriz brasiliense

Em comovente crônica, Adriana Mariz relata momentos vividos ao lado do diretor, ator e coreógrafo, que revolucionou as artes cênicas

A comunidade brasiliense perdeu na tarde de quarta-feira (13), aos 82 anos, o diretor de teatro, ator e coreógrafo Hugo Renato Rodas Giusto. Primeiro professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) vindo do Instituto de Artes, Hugo Rodas foi vítima de um acidente vascular cerebral e de metástase de um câncer contra o qual lutava há três anos. A atriz Adriana Mariz, que atuou em produções dirigida por Hugo Rodas, descreve os principais fatos que marcaram sua trajetória no teatro ao lado do diretor.


“Hugo querido, a primeira vez que te vi tinha 14 anos de idade. Foi na Pracinha 21 de Abril, num ato de protesto contra a política cultural do GDF, no final dos anos 1970. Você chegou com o seu amado grupo Pitú, de torso nu e calças brancas bufantes, a cabeleira negra e um rosto forte inesquecível, tocando tambor com uma fúria que só você tinha. Vociferado e lindo, como um deus grego, um Dioniso alado, pairando sobre nossas cabeças. Aquela visão me acompanha ainda hoje, quando penso em você.

Anos depois, tive o privilégio, a honra e a alegria de ser dirigida e trabalhar no teatro com você. Meu mestre querido e amado de todos nós, que ficamos órfãos da sua genialidade, do seu talento, da sua potência humana criadora, da sua loucura sacro-profana e do seu imenso amor.

E o que você mais teimava em nos ensinar era a ter verdade. Verdade cênica – em cada gesto, em cada olhar, em cada fala; e presença. E não é exatamente isso que a vida teima também em nos ensinar? Verdade e presença, coerência.

Você, Huguito, tinha o dom do olhar – de ver dentro, entre, além. Você via e apontava coisas em mim – como pessoa e como atriz, que eu nem suspeitava que tinha, e as quais só pude perceber através do espelho que você, com fúria e sem piedade nem pieguice, mas com generosidade extrema me oferecia.

Você metia medo. E esse medo era o medo de me descobrir medíocre, canastrona, sem verdade. Mas, para além das terras sombrias do medo, você nos levava às alturas, ao melhor de nossa arte – ali, onde arde a chama, onde o coração do artista transborda de emoção verdadeira, numa louca alquimia que, ao tocar o coração da plateia oferece um instante de êxtase, de fruição, de sentimento verdadeiro. Verdade e presença. Isso é a sua cara.

Só tenho a te agradecer, bebê (era assim que carinhosamente nos chamávamos um ao outro), por tantas lindas, loucas, emocionantes e divertidas aventuras que vivi ao seu lado.

Guerreiro querido, você nos ensinou a não ter cansaço, a não dar desculpas. Quando adoeceu, nem assim você se entregou a lamúrias, ao desânimo, ao medo. Pelo contrário. Ressurgiu ainda mais forte, mais bravo, criando belos trabalhos, formando nova geração de artistas, trabalhando incansavelmente.

Hugo Rodas amado, você era o nosso melhor avatar. Nosso Dioniso. Um orixá. Com a força, a beleza, a potência e a raridade de uma estrela maior, que cruza o céu no infinito azul, e segue, reluzente, a reger os astros, os coros dos anjos e das potestades, a encantar os seres divinos, mas sem se intimidar com eles. E daqui debaixo ainda ouviremos sua voz a trovejar, em seu inconfundível portunhol: “Pero já está mal!!”

Bravo Huguito!

Siga em paz, na luz e com muito amor. Te amo. Ternamente. Eternamente.”