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Ciência

Pesquisadores de Brasília participam de projeto na Antártica

Grupo de professores e alunos da Universidade Católica de Brasília estuda musgos no continente gelado. Pesquisa pode render matéria-prima para novos medicamentos

Um grupo de pesquisadores da Universidade Católica de Brasília (UCB) está desenvolvendo projeto de pesquisa no Programa Antártico Brasileiro (Proantar). O projeto, denominado Briotech, tem como objetivo estudar a flora do continente gelado, em especial os musgos presentes na vegetação, e assim encontrar métodos para inserir o uso das briófitas na fabricação de medicamentos.

O professor Marcelo Ramada é o coordenador da Operação Antártica 40 (Operantar XL), da qual ele e a equipe ficarão em missão até 15 de fevereiro. Mesmo com as adversidades, ele conta que está orgulhoso: “A gente abriu mão de várias coisas para estar isolado antes de poder entrar no navio. Então, é um sentimento de muita gratidão por todas as pessoas envolvidas no processo para estarmos aqui e também poder estar nesse ambiente único. É tocante estar na Antártica, a grandeza daqui é surreal”.

O foco da pesquisa é entender a composição genética dos musgos antárticos, que são pequenas plantas, e como eles sobrevivem em um ambiente hostil, com frio intenso, umidade relativa baixa, muito vento, entre outras características inóspitas. “De forma resumida, a gente entende como esses musgos sobrevivem a essas condições, e analisa como essas moléculas, que eles produzem para sobreviver, podem ser utilizadas para a aplicação na nossa sociedade”, afirma Marcelo Ramada.

 

Arquivo pessoal - Professor Marcelo Ramada (D) coordena a Operação Antártica 40 no continente gelado

O Proantar é o responsável pela promoção de pesquisas científicas na região antártica, e o Briotech é uma dessas iniciativas. O projeto brasiliense é coordenado e executado pela Marinha do Brasil, por intermédio da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm), realizando apoio logístico e ambiental, em parceria dos Ministérios da Defesa (MD); das Relações Exteriores (MRE); da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); do Meio Ambiente (MMA); do Turismo (MTur), da Educação e do Desporto (MEC); representantes da Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP/MAPA) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A pesquisa é conduzida na Estação Comandante Ferraz, base brasileira no continente. O complexo foi inaugurado em 2020 pela Marinha do Brasil depois do incêndio que destruiu a base anterior há oito anos.

Os estudos sobre briófitas são pouco explorados mundialmente, com menos de 10 genomas sequenciados. “O Genoma é o DNA total de uma célula, onde contém toda a informação de um ser vivo, e como existem menos de 10 sequenciados, a gente pensa: ‘Há um espaço muito grande para se explorar’, e só de musgos a Antártica tem 116 espécies”, diz o professor Marcelo Ramada.

A existência de poucas publicações sobre essa espécie de plantas, não é por falta de interesse no tema, mas sim pela dificuldade de trabalhar. O principal obstáculo é a pouca quantidade de musgo final, porque ao coletá-lo, normalmente, é encontrado bastante sedimento (areia, terra, rochas), e ao retirá-los a parcela de musgo restante é pequena para fazer uma extração e assim realizar estudos.

Pandemia vs Pesquisa

 

Para retornar às pesquisas, que estavam suspensas durante os últimos dois anos por conta da covid-19, sem ter o risco de contaminação, os pesquisadores ficaram de quarentena em um navio perto da base, totalizando uma viagem de 26 dias até a Antártica.

A pesquisa sofreu muito com a pandemia e a alta do dólar, por isso os pesquisadores criaram uma vaquinha on-line para arrecadar fundos e conseguir dar continuidade ao projeto. “Com o aumento do dólar, e pensando numa situação que poderia ficar crítica, a gente resolveu engajar a comunidade civil como uma forma de sair um pouco da caixa, dos ambientes nos quais os pesquisadores normalmente estão acostumados a buscar recursos para sua pesquisa. Então, foi bem interessante que a gente viu que é algo que funciona e, talvez, é uma possível saída para situações na qual isso se torna uma necessidade imperativa. Felizmente para nós ela não era uma necessidade imperativa, mas complemento que seria muito bem-vindo, afinal a gente precisa de bastante complemento na ciência”, relata o coordenador da Operação Antártica 40.

”A pandemia impactou fortemente a pesquisa, tanto no que diz respeito à questão dos custos, por conta do dólar, quanto pelo tempo que a gente teve de restrição de ir para o laboratório no Brasil. Então, por mais que nós coletamos material e conseguimos avançar algumas coisas, o avanço foi tímido comparado com o que a gente gostaria de ter feito nesse período. Acredito que nós poderíamos ter atingido mais numa condição normal, mas considerando a pandemia, me sinto satisfeito”, avalia.

A vida no continente gelado

Arquivo Pessoal - A biotecnologista Laura Pereira: feliz por participar do projeto

O projeto Briotech marca a segunda passagem do biólogo Stephan Machado Dohms, 30 anos, à Antártica. Durante a experiência anterior, não representava o projeto. Ele conta que visitar o continente gelado é uma experiência desafiadora e “não é uma simples ida ao parque”. “Por conta das condições extremas, como o frio e o vento, quem pauta as regras é a natureza, portanto, não há como ultrapassar os limites que o próprio ambiente coloca”, ele conta.

“Apesar de estarmos longe das nossas famílias, cada um de nós compõe uma outra família, a família antártica. Todos, sem exceção, dão a sua parcela de contribuição para fazer a pesquisa brasileira na Antártica uma realidade. Tenho orgulho de estar fazendo parte disso”, enfatiza o biólogo Stephan.

O ano de 2022 marca a primeira vez que a biotecnologista Ana Laura Pereira Lourenço, 26, participa do projeto e conta com ânimo que o projeto é uma experiência enriquecedora tanto no âmbito profissional quanto no pessoal. “Estar num lugar como a Antártica é algo único. A paisagem é diferente, os animais, o clima.”

Mas a experiência não conta apenas com momentos felizes, a mesma diz que apesar de todo o ganho positivo é difícil estar no continente gelado porque não é simples se adaptar a rotina do local. “Então, não é turismo, é trabalho mesmo. Mesmo sendo trabalho, é uma coisa que a gente ama fazer”, afirma Ana Laura.

A biotecnologista conta que um dos obstáculos para se adaptar foi a quantidade de luminosidade no local: “Aqui, não chega a escurecer completamente, fica um pouco mais escuro lá às 23h ou meia-noite, mas depois já começa a clarear. Meu corpo sentiu um pouco por conta dessa claridade excessiva”.

“Além disso, a gente tem contato o tempo todo com diversos outros projetos. Então, eu estou convivendo diariamente com pesquisadores de diferentes áreas. Isso é muito bacana, porque abre nossos horizontes para entender outras coisas que não da nossa área de pesquisa. Isso faz com que a gente possa ter uma visão melhor do todo. A gente pode acabar aplicando isso dentro do nosso próprio projeto“, enfatiza.

Mesmo no Brasil, a pesquisadora continuará contribuindo com o projeto. “A pesquisa não ocorre só aqui (Antártica). A gente faz uma parte dela aqui e leva o material para o Brasil e continua trabalhando, até a gente ter oportunidade de voltar”, explica Ana Laura.

Os dois pesquisadores compartilham experiências importantes, como a convivência com pessoas de instituições e áreas diferentes. Segundo Stephan, a Antártica é um lugar para fazer amigos de longa data: “É sempre uma oportunidade para aprender sobre outras áreas das quais não estamos tão habituados como meteorologia, geologia, oceanografia e etc. Além disso, as próprias experiências de cada um no continente gelado”, diz o biólogo.

Relação com as forças armadas

Arquivo Pessoal - Pesquisadores trabalham na Estação Comadante Ferraz, base brasileira inaugurada em 2020, depois do incêndio há 8 anos

A logística do Proantar é coordenada pela Marinha do Brasil, mas existe uma grande participação dos pesquisadores e militares no processo.

Como as mudanças climáticas são repentinas, o planejamento deve ser feito cuidadosamente. “Aqui muda muito o tempo todo. Em duas horas você pode sair de um céu lindo com sol para neve ou chuva de granizo na sua cabeça com muito vento. Então, quando temos tempos bons, ventos fracos, a gente sai e vai fazer a coleta, seja aqui na região de acesso à pé ou de quadriciclo, ou talvez para regiões que a gente tem que sair de bote, porque é para outra ilha, baía, enseada e a gente precisa atravessar o mar, normalmente aqui está entre 0º e 1º”, afirma o coordenador.

Entre as acomodações da estação, os residentes têm áreas de lazer como academia, mesa de pingue-pongue, biblioteca e sala de estar. O convívio entre o grupo de militares e os pesquisadores é saudável, e conta com algumas divisões de serviços, dentre elas é bom ressaltar a limpeza e auxílio na cozinha.

  • Rancho: auxiliar do cozinheiro e do refeitório.
  • BCE: limpar sala de estar, corredor, sala de pingue-pongue e banheiros da sala.

“Não importa se você é aluno de graduação, doutorado, ou chefe da estação, todo mundo tem que colaborar na limpeza coletiva, isso é muito bacana e une as pessoas”, diz Marcelo.

Quem pode participar?

Para participar do projeto, os candidatos passam por uma avaliação para ver se os alunos estão preparados para estar no ambiente. Além de interesse, envolvimento com o projeto, experiência. Entre outros pontos que os pesquisadores consideram importantes para colaborar na pesquisa.

Para o coordenador, os interessados em participar do projeto devem encará-lo como uma missão. Uma vez que todos estão representando o Brasil no continente antártico perante a comunidade internacional e comunidade científica internacional, mas sem perder o brilho nos olhos, porque irão existir momentos para se deslumbrar com o habitat.

A seleção de participantes não se dá exclusivamente para discentes da Universidade Católica de Brasília, estudantes de outras instituições podem participar do processo seletivo, basta entrar em contato pelo site do programa ou redes sociais.

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá