SOCIEDADE

MEC atropela reitoria e substitui procurador-chefe da Unifesp

Em desrespeito à autonomia das universidades federais, ministro da Educação faz alterações na cúpula da Unifesp. Milton Ribeiro disse que instituições não "podem se tornar comitê político de um partido, nem de direita e muito menos de esquerda"

Fábio Grecchi
Gabriela Chabalgoity*
postado em 12/08/2021 06:00
 (crédito: Alex Reipert/DCI-Unifesp)
(crédito: Alex Reipert/DCI-Unifesp)

O Ministério da Educação (MEC) atropelou a autonomia administrativa das universidades federais, prevista no Artigo 207 da Constituição Federal, e trocou o procurador-chefe na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) à revelia da reitoria. Alessander Jannuci substituirá Murilo Giordan Santos, que estava no cargo desde junho de 2020. A instituição, porém, só soube da troca com a publicação do ato no Diário Oficial da União (DOU), de 4 de agosto — cujas portarias foram assinadas pelo ministro Milton Ribeiro.

A Unifesp afirmou que só soube da substituição com a publicação no DOU. “Não era de conhecimento da reitoria da Unifesp tal movimentação, não tendo havido solicitação ou concordância da reitoria da Unifesp para tal substituição, como previsto pela instrução normativa da AGU de 1998”, observou a nota da instituição.

Já o Conselho Universitário da instituição publicou nota no site, ontem, criticando a decisão do MEC e cobra que a pasta “siga os ritos previstos, promovendo resposta e atendimento ao caso com urgência, com a anulação dos atos de exoneração e nomeação do procurador-chefe da Unifesp, a fim de preservar a legalidade, legitimidade e segurança jurídica do processo, resguardando assim a garantia constitucional da autonomia universitária”.

Posições políticas
Nos bastidores da Unifesp, comenta-se que a intervenção se deu por conta das posições políticas de Giordan Santos. A iniciativa partiu do próprio ministro Milton Ribeiro e contou com o amparo da Advocacia-Geral da União (AGU), pois, de acordo com a Normativa nº 5, de 1998, a sujeição do nome do advogado público para a chefia da Procuradoria junto à universidade ou fundação pública deve ser feita pelo reitor, que é o dirigente máximo da instituição.

A alteração vem à tona um dia depois de o ministro afirmar, em entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, que respeita a posição ideológica dos gestores universitários, desde que o reitor de uma entidade pública não seja “esquerdista” ou “lulista”. “Tenho pelo menos uns 20 a 25 reitores com que converso plenamente. Dez deles eu trouxe para visitar o presidente da República. Não digo que precise ser bolsonarista, mas não pode ser esquerdista, lulista. As universidades federais não podem se tornar comitê político de um partido, nem de direita e muito menos de esquerda”, salientou.

Lista desrespeitada

O MEC, no atual governo, tem sido alvo de críticas de instituições acadêmicas, pois o presidente Jair Bolsonaro nomeou, mais de uma vez, reitores não escolhidos pela comunidade e pelos conselhos universitários. Em setembro do ano passado, ele escolheu o terceiro colocado da consulta pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para a reitoria. E, em novembro, nomeou novamente o terceiro colocado da lista tríplice para o comando da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Maria Caramez Carlotto, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), explicou que essa intervenção não é uma ação inédita. “Desde o governo Michel Temer, o governo federal tem ensaiado intervenções nas universidades de diferentes maneiras, mas a principal é a questão da escolha do reitor. O presidente demora muito para escolher o primeiro colocado ou escolhendo o segundo e terceiro colocados de lista tríplice. Essa forma de intervenção é permitida por lei. A gente reclama, é um mecanismo de pressão, mas é praxe”, explicou.

Ela aponta, ainda, que mais de 30% de todo o sistema federal atualmente é composto por reitores que eram segundos ou terceiros colocados na lista tríplice, ou que tinham sido nomeados interventores. “O governo Bolsonaro foi além. Ele fez tudo isso em dois anos. O quanto pode intervir, interveio. Esse mecanismo, em geral, atinge universidades menores, porque as grandes têm muito poder de reação. O governo Bolsonaro ameaçou intervir na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e não conseguiu. Esse é o caso da Unifesp, que é uma universidade muito grande. Ele vai enfrentar muita pressão”, previu a professora.

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

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