Com um ano e três meses de pandemia, diversas áreas e ações se mostraram essenciais no combate à covid-19. Uma dessas áreas foi a de pesquisa. Na Universidade de Brasília (UnB), desde o início da crise sanitária, projetos foram desenvolvidos para auxiliar as autoridades públicas. No final de 2020, pesquisadores da universidade começaram a realizar o sequenciamento genético de genomas para identificar quais as cepas do novo coronavírus circulam na capital federal.
Um dos professores à frente do projeto é Bergmann Ribeiro. Ele avalia que, no início da crise sanitária, houve uma valorização da área, mas que ainda há problemas. “Mesmo com a pandemia, não houve a sensibilidade da população de perceber que a pesquisa precisa ser algo contínuo, e não pode ser só algo da moda quando surge alguma doença”, critica.
Ele avalia que os estudos vão além do dia a dia e são essenciais para que o poder público possa pautar as ações de combate. “Só por ter projetos em andamento, é possível começar a treinar pessoas para se trabalhar na área, mesmo após a crise sanitária. E essas pessoas podem ser incorporadas ao sistema de saúde, não só do DF, mas de todo o país. O governo tem que olhar mais para os pesquisadores e ouvi-los para tomar decisões, pois são eles quem trabalham diretamente com o vírus”, complementa.
Pesquisadores do grupo Zarics, coordenado pelo professor Wildo Navegantes, atuam em estudos tanto da covid-19 como de arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. Atualmente, desenvolvem quatro projetos na Estrutural, sendo três na unidade básica de saúde da região administrativa e uma pesquisa em campo. Inicialmente, o grupo sofreu com a propagação de fake news entre os moradores, que confundiu a equipe com golpistas. No entanto, após os esclarecimentos, os profissionais voltaram a atuar com visitas nas residências, em 12 de junho.
O objetivo do grupo é entender quais os custos que a pandemia trouxe para os moradores, sejam relacionados à saúde ou socioeconômicos. “Nossa atuação em campo, que chamamos de vigilância ativa, é importante, pois vamos em busca das pessoas para fazer o diagnóstico familiar e descobrir pacientes assintomáticos”, detalha Raíssa Nogueira Brito, pesquisadora da UnB. Ela explica que, em períodos de crise sanitária, ações voltadas para doenças já conhecidas perdem eficácia. “Acreditamos que os casos de dengue, por exemplo, estejam subnotificados”, explica. Além da produção de conhecimento, os dados obtidos podem direcionar os gestores na tomada de decisão. “Com essas pesquisas, os governantes vão saber onde precisam aplicar determinadas ações de saúde pública para o controle de doenças”.
O Laboratório de NeuroVirologia Molecular, do Departamento de Farmácia da UnB, também desenvolve três ramos de pesquisas relacionadas à covid-19. O professor Enrique Argañaraz, responsável pelo projeto, explica que o foco é entender, molecularmente, a diferença de atuação entre as variantes. “Queremos começar a explorar e entender como funciona essa ação do Sars-CoV-2. Tentamos verificar como a proteína Spike se torna mais eficiente no bloqueio celular, inibindo a capacidade de saída do vírus. Isso poderia esclarecer a razão de que algumas variantes são mais infecciosas que outras”.
O professor revela que o estudo pode facilitar a produção de um medicamento aerosol para inalação nasal, que contribuiria no tratamento de infectados com a covid-19. O grupo começou os estudos no segundo semestre de 2020, e para o professor é importante que a sociedade e o governo percebam a importância da ciência no dia a dia. “A soberania de um país se mede pelo conhecimento, pela ciência e tecnologia que ele produz. Não podemos nos lembrar de fazer investimentos apenas em períodos de crises. Nem atrasar as pesquisas, pois muitos recursos que deveriam ser destinados para os estudos demoram meses para serem liberados. E meses, em uma crise sanitária, representa perda de vidas”, pontua.
Saiba Mais
Sociedade civil
Até o fim deste mês, o grupo de pesquisa Vesta finaliza a consolidação do estudo clínico das máscaras com capacidade de neutralizar o novo coronavírus. Ao longo de 65 dias, em parceria com o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), a equipe de saúde que atua na linha de frente do combate a pandemia utilizou as máscaras desenvolvidas pelo grupo. A professora Suélia Fleury Rosa explica que a equipe é multidisciplinar, composta por pesquisadores com formação em design, ciências humanas e sociais e engenharias.
“A máscara tem a inclusão de um nanofilme na camada intermediária. Nessa camada, usamos uma substância chamada quitosana — retirada da casca de crustáceos como camarões e lagostas — e isso inativa o vírus não apenas da covid-19, mas de outras variações. Nesse caso, a máscara cria uma barreira que não apenas impede o vírus de entrar, mas também não o deixa sair”, esclarece.
Em parceria com uma empresa privada, as máscaras serão comercializadas após receberem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Estamos vendo com a empresa que está licenciando o produto a possibilidade de doação das máscaras para alguns hospitais. Não apenas aqui do DF, mas de outras regiões também. A expectativa é que o preço esteja dentro da média das demais máscaras”, conta.
No entanto, para que o estudo tivesse êxito, o grupo de pesquisadores contou com a ajuda da sociedade civil. “O projeto só chegou no resultado atual devido à colaboração da sociedade. Todos os seis primeiros meses da pesquisa foram pagos pela sociedade civil, por meio das vaquinhas que fizemos pela internet”, pontua Suélia. Embora o grupo tivesse se submetido a um edital da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF), em maio de 2020, o recurso só foi liberado recentemente. A professora revela que toda a prestação de contas está disponível para a sociedade e que o objetivo é continuar aprimorando a pesquisa, obter novos resultados e, caso necessário, realizar modificações para atender os pedidos da Anvisa, após análise da agência.
Palavra de especialista
Valorização da ciência
Se não fossem os pesquisadores e cientistas estudando esse assunto (covid-19), com certeza nós não teríamos a quantidade de vacinas que já temos aprovadas. Isso só foi possível graças à ciência. Então, com toda certeza, o combate à pandemia não teria sido o mesmo se não fossem as pesquisas.
Os impactos não ficam só no campo da saúde. Se estendem para a infraestrutura, social e economia. Por isso, para dar respostas rápidas, é preciso de uma coordenação governamental que veja a ciência como uma aliada. E no Brasil, os maiores centros de pesquisa do país estão em instituições públicas. O que sentimos é que alguns países tiveram iniciativas governamentais para mobilizar e apoiar os pesquisadores e institutos. Já a comunidade científica brasileira precisa ser mais ouvida.
A gente só vai ter um desfecho da pandemia quando a ciência conseguir alcançar uma solução. A política pode fazer com que a ciência acelere o passo para chegar à solução. Assim, temos oportunidade de conseguir bons frutos.
Oto Tertuliano, professor e especialista em gestão pública do Centro Universitário de Brasília
Análise de dados
Fundada em 2017, a Sala de Situação de Saúde da UnB, coordenada por Jonas Brant e Mauro Sanchez, epidemiologistas e professores da Faculdade de Ciências da Saúde, se dedicou a adequar as análises feitas pelo projeto à pandemia do novo coronavírus. “A sala de situação consegue sistematizar o conhecimento e estabelecer uma análise de dados para a tomada de decisão dos gestores. Começamos a nos organizar quando começou a ser veiculado, em janeiro (de 2020), o risco da pandemia. Entendemos que esse surto era uma emergência de saúde pública de grande importância e começamos os planos de contingência. Inclusive, criamos uma disciplina de extensão dentro do departamento”, explica.
A sala de situação produz, semanalmente, análises de riscos de acordo com a capacidade de vigilância, estrutura dos hospitais, disponibilidade de unidades de terapias intensivas (UTIs) e o número de casos e mortes da covid-19. “No DF, a situação ainda é grave, porque a estrutura de resposta adotada é de ampliação dos leitos hospitalares, mas precisamos avançar no aumento de testagem e no bloqueio da cadeia de contágio, com uma rotina de biossegurança incorporada em toda a sociedade”, pontua. Para o professor, o cenário da pandemia provou que o investimento em ciência é fundamental.
“Nos últimos anos, a gente assistiu a falta de investimento em pesquisa no Brasil, e isso fragilizou o processo de resposta que tivemos agora (na pandemia). O baixo investimento dificulta também o engajamento entre as universidades. Vale lembrar que outros vírus podem surgir, ou até mesmo o Sars-CoV-2 desenvolver novas mutações, e por isso o investimento em ciência é o que possibilita um preparo para que a gente enfrente futuras emergências de saúde pública dessa magnitude”, finaliza.