Em menos de um mês, o pesquisador e doutor em ciências mecânicas da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Fragelli receberá reconhecimento, em premiação nacional, do trabalho desenvolvido com universitários durante anos. A Eight, metodologia criada para tornar o aluno um agente do ensino, é o motivo da homenagem.
A metodologia de ensino brasiliense que tem como objetivo potencializar o aprendizado do aluno e engajá-lo nas práticas educacionais, principalmente no modelo de aulas remotas, conquistou o primeiro lugar da 24ª edição do Prêmio Top Educacional Mário Palmério, da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). O método foi escolhido entre 120 projetos inscritos na competição e receberá o valor de R$ 15 mil durante a cerimônia de premiação do evento, em 3 de agosto.
Para atingir o objetivo, o método divide as aulas previstas no semestre escolar em conteúdos dados pelo educador e atividades pensadas, produzidas e apresentadas pelo aluno, junto aos outros colegas de turma. Além disso, durante as aulas com o professor, atividades gamificadas serão aplicadas para ajudá-lo a aprender o conteúdo de forma simples, mas pertinente.
“É um prêmio concorrido e, em 2016, eu recebi menção honrosa com outra iniciativa. Quando soube que fiquei em primeiro lugar, não acreditei. É uma satisfação gigantesca, ainda mais porque o método será explicado passo a passo em uma revista científica da instituição e mais pessoas o conhecerão”, conta o professor.
Desenvolvida em 2018, a metodologia Eight é um estilo de ensino aplicado por professores que desejam driblar a falta de participação de alunos nas disciplinas em que ministram aulas, assim como tornar mais prazeroso a área de ensino que o aluno cursa. Fragelli — que também é autor do método Trezentos, considerada a melhor metodologia de apoio ao aluno no país em 2015 — percebeu a necessidade de criar uma nova forma de ensino para proporcionar uma experiência marcante aos alunos de uma disciplina introdutória do curso de engenharia.
“No primeiro semestre de 2018 foi a primeira vez que estava à frente de uma disciplina para calouros e percebi que a maioria eram enfadonhas, monótonas, compostas por palestras, algo entediante para o aluno que acabou de entrar no curso que ele sempre quis”, lembra. “E não deveria ser assim, o aluno deve se deslumbrar com a área que ele escolheu, para aprender da área e estar preparado para o restante do curso. Por isso, meu objetivo era despertar a paixão no estudante e cuidar melhor dele”, revela Ricardo.
Em janeiro, o professor participou do podcast Luz aos Fatos, do Correio, e falou sobre aprendizagem colaborativa. Confira o episódio:
Protagonismo e paixão na sala de aula
Talk shows com professores e personalidades da área, vídeos e palestras no estilo Ted Talks sobre o assunto visto na matéria são algumas das missões que os alunos precisam cumprir no Eight. “Em vez de palestras em que só uma pessoa fala, os alunos organizam um talk show com quatro pessoas, duas já com experiência na área e outras duas estudantes veteranos do curso. Elas responderão a questionamentos do público presente no evento mas, principalmente, de pessoas fora da disciplina, que gravam vídeos com as perguntas”, detalha.
“Os alunos se dedicam tanto que, no último semestre, tivemos vídeos até de um astronauta da Nasa”, comemora Fragelli. Há ainda a produção de projetos de intervenção na comunidade ou na instituição de ensino, nos quais os alunos vão até ONGs ou projetos sociais e identificam um problema a ser resolvido a partir da conversa com as pessoas do local. Eles produzem a solução e compartilham com os colegas. Ele ainda afirma que todos os projetos são, obrigatoriamente, cedidos para as instituições e são feitos para funcionarem mesmo sem a presença dos alunos no local.
Em tempos de aulas virtuais e distanciamento, o método, além de proporcionar engajamento e motivação para aprender o conteúdo previsto na matéria, demonstrou ser uma grande ferramenta para suprir as necessidades sociais dos alunos.
“Sempre colho depoimentos após os semestres e durante a pandemia os alunos contaram que a matéria que fizeram, que foi aplicada a metodologia Eight, foi a única que os tirou da solidão e os motivou a estudar. As atividades, sempre coletivas, dão a sensação de estarem no câmpus e criarem laços que são quase impossíveis de fazer em aulas virtualmente em aulas comuns”, conta Ricardo. Desde a volta às aulas da UnB após o início da pandemia, o método tem sido utilizado, mas adaptado: todas as atividades são virtuais e continuaram a ser tão eficientes como eram no modelo presencial.
“A Eight é um desafio também para professores que por vezes ficam com total controle do conteúdo das aulas. Se nós planejamos, sabemos que dará certo, mas se não estamos envolvidos, a não ser tirando dúvidas, não sabemos o que ocorrerá”, diz. “Mas sempre dá certo! Se você der uma gota de liberdade para os estudantes, eles vão te dar um oceano de criatividade”, resume o professor.
A fórmula entre fornecer protagonismo aos alunos e oferecer suporte para eles mesmos aprenderem marcou Isabella Carneiro, 21 anos, aluna do 7º semestre de engenharia de software na UnB Gama. Ela participou da primeira turma em que Ricardo aplicou a metodologia Eight e afirma que foi a melhor forma de ser recebida na universidade. Depois de três anos, ela diz que sentiu falta de mais prática em outras matérias e acredita que o método se encaixaria nas demais disciplinas do curso. “Nunca mais vi nada igual. É algo único e com certeza caberia em outras disciplinas. A metodologia é muito benéfica para os estudantes e com certeza impactaria o aprendizado dos alunos em outras universidades e cursos”, pontua.
Saiba Mais
Aprender para ensinar
O encerramento das disciplinas ministradas com a Eight é feito por um último evento em que os alunos produzem uma espécie de Ted Talks onde eles têm até oito minutos para expor ao público o que o conteúdo aprendido na disciplina contribuiu para as vidas deles. “O fechamento é essencial. A coisa mais importante em aprender é passar para frente”, frisa Ricardo.
É por este motivo que o professor não demorou em levar o método para outros educadores. Nos últimos seis semestres, Ricardo aplicou a metodologia na disciplina Introdução à Engenharia na UnB Gama e auxiliou a mulher, a professora e doutora em ciências da saúde, Thaís Fragelli, a replicar o estilo de ensino na Faculdade de Ciências da Saúde, na UnB.
O teste foi feito no segundo semestre de 2018 e os educadores constataram maior engajamento dos alunos e o desenvolvimento de competências necessárias ao curso. “No início da disciplina, pedi para os alunos se autoavaliarem sobre competências e responsabilidades previstas pela OMS. Uma delas, por exemplo, era planejamento de ação educativa em saúde, onde a maioria colocou baixa habilidade”, conta Thaís Fragelli.
“Já no fim do curso, após todos fazerem as atividades propostas pela metodologia, pedi para refazerem a avaliação e as competências cresceram 180%, ou seja, eles adquiriram competências com o método”, relata Thaís. Para a professora, os dados revelam o maior benefício da metodologia, a de ser replicável para outros cursos e áreas. “Apliquei o mesmo protocolo criado pelo Ricardo, só que os temas vistos eram o de saúde. Vimos que qualquer professor pode aplicá-lo e beneficiar os alunos”, completa.
Em 2019, Ricardo formou gratuitamente cerca de 16 professores de todo o país que se interessaram na metodologia, inclusive educadores do ensino médio. “Muitos se interessaram mas eu queria algo mais enxuto para acompanhar. O resultado foi o mesmo daqui: empolgação, surpresa e felicidade em ver outra forma de ensinar”, conta. Agora, o professor quer levar o método para outros países e promover interações entre alunos brasileiros e estrangeiros. “Penso em ajudá-los a ter a experiência de planejar e desenvolver atividades com pessoas de outro país. Será fantástico”, anseia.