Decisão

Aluna obtém, na Justiça, transferência entre federais após maternidade

Ana Luísa Guedes recebeu decisão favorável para que transfira a graduação de medicina após ter precisado trancar o curso para se dedicar aos cuidados da filha, Lara

Mateus Salomão*
postado em 14/05/2021 20:28 / atualizado em 14/05/2021 20:49
 (crédito: Lídice Souza / Reprodução)
(crédito: Lídice Souza / Reprodução)

Moradora do Distrito Federal garante na Justiça a transferência de curso entre instituições federais para não abrir mão dos estudos por ser mãe. Ana Luísa Guedes de França e Silva, 23 anos, era estudante de medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), mas precisou trancar o curso em razão de não ter condições de criar a filha sem o auxílio de familiares.

A decisão do desembargador Carlos Pires Brandão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região acolheu pedido da jovem para que tivesse a matrícula viabilizada na Universidade Federal de Goiás (UFG), também na graduação de medicina. A previsão, segundo a estudante, é de que o próximo semestre letivo na UFG comece em julho.

Natural de Goiânia (GO), residia em Brasília até antes de iniciar a graduação no estado do Rio de Janeiro. Pela gravidez não planejada, precisou retornar à Capital Federal, onde residem seus pais, para o nascimento e início de cuidados de sua filha, Lara. De acordo com a decisão, Ana residia sozinha no Rio de Janeiro, dedicava-se aos estudos em tempo integral, não tendo condições de manter seu sustento e da recém-nascida.


Era inviável terminar o curso sem a rede de apoio, conta a estudante

Com a transferência para a capital goiana, poderá contar com os cuidados sua avó, tornando-se possível dar continuidade aos estudos de medicina. “Fiquei muito feliz, especialmente, porque não tinha nenhuma expectativa de que daria, de fato, certo”, conta a estudante Ana Luísa Guedes.

“Foi muito bom receber a decisão, que representa a possibilidade de concluir minha graduação na área médica, que eu escolhi para minha vida e batalhei muito para conseguir a vaga em uma universidade pública”, observa.

Ana lembra que, se não fosse essa decisão, teria de abdicar da vaga na federal e do curso de medicina. Ela conta que não havia mais possibilidade de conseguir retornar a Niterói e concluir a graduação, tanto por motivos financeiros quanto psicológicos. “Era inviável terminar meu curso sem uma rede de apoio sólida por perto, como é com a minha família”, afirma.

Na decisão, o desembargador federal observa que não há regra na legislação que ampare ou proíba o acolhimento do pedido. Assim, a decisão, como lembrou o magistrado nos autos, foi baseada nos “princípios constitucionais que tratam do ensino, da busca pela igualdade de condições entre os gêneros na sociedade e sob o aspecto de proteção à família.”


Ana espera que a decisão impacte outra mães a retornarem aos estudos

O desembargador justifica que a possibilidade de continuar os estudos com a segurança de saber que a filha estará sob os cuidados da bisavó, “é situação que inequivocamente garante um melhor rendimento nos estudos e no futuro exercício da profissão sem que esteja demonstrado efetivo prejuízo para a instituição de ensino que venha a receber a estudante”.

Segundo a estudante, a possibilidade da transferência abre inúmeras portas. “Ela viabiliza de tantas formas que eu consiga de fato me formar e ter a Lara do meu lado, enquanto exerço o meu maternal pertinho dela, do jeito que tem que ser”, observa.

Além disso, Ana também pensa em como a decisão pode impactar outras mães que abdicaram da formação educacional porque não tinham condições de continuar o curso, por quaisquer motivos. “Querendo ou não, boa parte das obrigações sempre recai sobre a mulher, e é muito gratificante ser ouvida, ser acolhida e ter alguém que olhe para nós não só como mães, mas como mulheres que têm um sonho, que querem ser bem-sucedidas não só na maternidade, mas também no âmbito profissional”

Ela diz que espero que isso possa ser “a luz no fim do túnel e fonte de esperanças” para tantas outras mulheres que passaram, passam ou vão passar pela mesma situação. “Eu só consegui chegar onde eu estou hoje por conta da minha rede de apoio. Seja minha família ou meus amigos, foi tudo por conta deles. E eu espero poder ser essa rede de apoio para outras pessoas, assim como foram para mim”, conta.

A jovem está iniciando o terceiro ano da graduação. Quanto ao início das aulas na UFG em julho, ela ainda não sabe se haverá alguma mudança na etapa devido ao aproveitamento das disciplinas. Procurada para comentar a decisão e o início das aulas da jovem na universidade, a UFG não havia respondido até o fechamento desta matéria.

Advogados ressaltam compreensão do Tribunal sobre o caso

Cuidaram da ação os advogados Eduardo Sánchez e João Pedro Mello. O primeiro reforça que a decisão é inédita na Justiça brasileira. “É um importante avanço na garantia dos direitos fundamentais à proteção da maternidade e à educação, bem como significa essencial progresso na promoção da igualdade de gênero”, afirma.

O advogado lembra que a imposição da escolha entre exercer a maternidade ou prosseguir nos estudos viola os direitos fundamentais das estudantes que se tornam mães durante a graduação, o que dificulta seu desenvolvimento pessoal e profissional.

João Pedro considera que a decisão mostra uma evolução na compreensão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sobre a amplitude da proteção da maternidade na Constituição. Além disso, pontua que a decisão pode permitir que outras mulheres consigam não apenas decisões semelhantes, mas também outras medidas judiciais para ajudar a conciliar educação e maternidade.

*Estagiário sob a supervisão da editora Ana Sá

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação