Defesa da Universidade

Estudantes e sindicatos organizam mobilizações contra cortes na UFRJ

Frente Parlamentar Mista de Educação se colocou à disposição para ajudar a universidade e busca solucionar problema orçamentário da educação junto ao governo federal

Gabriella Castro*
Júlia Mano*
postado em 13/05/2021 15:43
 (crédito: Agatha Cristiny Bastos/ Arquivo Pessoal)
(crédito: Agatha Cristiny Bastos/ Arquivo Pessoal)

O corte substantivo no orçamento da educação afetou as universidades federais e, principalmente, a UFRJ. A instituição que tem nove hospitais universitários e passou a obter mais de 100 leitos para atender pacientes com covid-19 na pandemia, irá sofrer redução de testes de coronavírus, redução de atendimento, falta de pagamento dos profissionais de limpeza geral e hospitalar, corte nas bolsas acadêmicas, verbas de CNPQ, insumos para pesquisa e compras de equipamento para TI. E, é claro, que isso afeta diretamente a vida dos estudantes que passaram a se movimentar contra todo o desapoio que a universidade está tendo por parte do governo federal.

 

 

 

 

 

 

Os estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro estão organizando um ato que vai ocorrer, no dia 14 de maio, em frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), que fica no Largo do São Francisco, centro da cidade carioca. Além disso, a Associação de Pós-Graduandos (APG UFRJ) fez um abaixo-assinado na plataforma Charge.org que tem o objetivo de defender a universidade e pressionar o Ministério da Educação (MEC) e o Congresso Nacional, até o momento mais de 137 mil pessoas assinaram a lista.

 

 

 

 

O que os estudantes da UFRJ tem a dizer

Desde o momento em que a reitoria trouxe a público a situação da universidade carioca, o corpo discente vem se manifestando pelas redes sociais com o intuito de evitar o fechamento. A preocupação permeia desde os estudantes que estão no fim da graduação até os que acabaram de ingressar na Universidade Federal do Rio de Janeiro, como Isabelle Brittes da Silva, 19 anos, do primeiro semestre de fisioterapia. “O boicote do Governo Federal à faculdade tem me deixado cada vez mais apreensiva, como estamos vendo, não é de hoje que o dinheiro destinado à UFRJ tem sido reduzido, mas chegou a um ponto que ninguém imaginava.”

 

Milena Monegalha, 18, estudante do segundo semestre de letras, também diz que ficou triste e preocupada com a informação divulgada. “Eu primeiro me senti impotente e fraca, vendo isso acontecer com várias universidades do país. Mas senti mais raiva, porque é incrível como a educação é menosprezada no Brasil”, desabafa.

 

O estudante do segundo semestre de psicologia, Felipe Janã Laucas de Campos, 19, também se mostrou indignado com a situação. “Não parece real que uma instituição do tamanho e importância que tem a UFRJ esteja em risco de fechamento logo no momento em que a ciência se mostra tão fundamental para a sociedade”, manifesta-se.

 

A presidente do Centro Acadêmico de Farmácia (CAFar), Agatha Cristiny Bastos, 22, afirma que recebeu a notícia sobre a situação da universidade com espanto e insatisfação. Ela também destacou a conjuntura da instituição em 2017, ano que ingressou, com o atual problema. “Naquele ano, salários foram atrasados, parte dos terceirizados foram demitidos, havia possibilidade do fechamento do Restaurante Universitário e que a faculdade funcionasse até setembro. Este ano, observamos uma situação semelhante, mas de maneira pior, está cada vez mais difícil manter uma universidade pública funcionando”, declara.


Agatha não vai poder estar presente no ato, mas afirma que os estudantes de farmácia estarão representados por outros membros do Centro Acadêmico
Agatha não vai poder estar presente no ato, mas afirma que os estudantes de farmácia estarão representados por outros membros do Centro Acadêmico (foto: Arquivo Pessoal)

 

A representante dos estudantes de farmácia reitera as declarações que a reitora Denise Freitas deu até o momento, principalmente sobre a decisão do Governo Federal em fazer os cortes no orçamento da educação. Ela ressalta o aumento numérico do corpo estudantil e a atuação que a universidade teve no último ano frente ao combate da pandemia de covid-19.

 

A estudante do primeiro semestre do mesmo curso de Agatha, Hellen Viana, também enfatiza o desempenho da instituição no enfrentamento do coronavírus. “Ela criou máscaras com tecidos tecnológicos, alunos voluntários criaram um tipo de álcool em gel que é usado na própria faculdade e pesquisadores descobriram as novas cepas. Teve a soroterapia que usaram no tratamento da doença, além da democratização de testes para as pessoas que não tinham condição de pagar”, expõe.

 

Hellen é de Campos dos Goytacazes (RJ) e vai para a capital para participar da manifestação
Hellen é de Campos dos Goytacazes (RJ) e vai para a capital para participar da manifestação (foto: Arquivo pessoal)

 

Hellen também ressalta outros méritos da UFRJ, como o destaque nacional que tem como instituição de ensino superior, o impacto com as pesquisas desenvolvidas, espaços vinculados a ela como o museu e os hospitais, além do número de pessoas ligadas à instituição. “Outro caso muito importante também é que a UFRJ foi uma das poucas universidades que criou o auxílio inclusão digital para o ensino remoto”, conta.

 

Além disso, a estudante avalia que se houvesse maiores investimentos na universidade carioca ela estaria melhor posicionada em rankings mundiais que examinam a qualidade das instituições de ensino superior. Somado a isso, Hellen afirma que os cortes orçamentários prejudicam a UFRJ em alcançar um maior potencial.

 

“De acordo com a Constituição de 1988, a educação é dever e responsabilidade do Estado. A partir do momento que ela não é promovida para a população, quer dizer que o Governo está pecando diante da nossa Constituição”, finaliza.

 

A estudante do sétimo semestre de serviço social, Meire Helen da Silva Reis, 23, está com a formatura prevista para 2022, e recebeu a notícia por meio de uma colega. “Senti como se o meu sonho estivesse virando um pesadelo”. Ela saiu da cidade de Indaiatuba (SP) para fazer a graduação no Rio.

 

 "Se a universidade fechar tenho a sensação de que meu sonho será interrompido", desabafa.
"Se a universidade fechar tenho a sensação de que meu sonho será interrompido", desabafa. (foto: Arquivo pessoal)

 

Meire Helen ingressou na instituição em 2017. Ela é a primeira da família a entrar em uma universidade pública e destaca que durante a graduação descobriu a importância da pesquisa e extensão — que é dois, dos três pilares dessas instituições brasileiras. A estudante conta que, além dos amigos, a UFRJ proporcionou experiências como conhecer estudantes intercambistas e aprender inglês por meio do programa Idiomas Sem Fronteiras (ISF).

 

A graduanda também conta que, ao longo da graduação, percebeu impactos no funcionamento da Universidade Federal do Rio devido aos orçamentos. “No campus Praia Vermelha, o serviço de limpeza externa foi reduzido drasticamente desde o segundo semestre de 2019 e a interna também. Presenciei o pessoal da segurança varrendo e limpando as áreas externas do campus”, expõe.

 

Ela afirma que ao observar essa situação, questionou aos funcionários o motivo de eles estarem fazendo um serviço que não era de responsabilidade deles. “Eles me contaram que não havia mais o pessoal da limpeza externa no campus e, para a segurança deles, eles mesmos limpavam”. “Ao anoitecer, apareciam ratos e, por causa do lixo acumulado, aumentou a infestação. Um dos seguranças falou que um colega de trabalho havia sido mordido por um rato por conta do lixo acumulado perto das guaritas”.

 

A aluna de serviço social também contou que presenciou uma lâmpada cair do teto perto de uma colega durante uma aula, outra estudante cair de uma das carteiras e se machucar por causa do estado do assento e professores comprarem materiais de papelaria para poder dar as aulas. Ela também destacou o estado de conservação dos prédios do curso, pois segundo ela a verba para a manutenção é insuficiente.

 

Outro estudante que evidência o problema na infraestrutura dos espaços da UFRJ é Fábio Paiva, 21, aluno do sexto semestre de relações internacionais e diretor de comunicação do Diretório Central dos Estudantes (DCE). “Os incêndios que a UFRJ vem sofrendo nos últimos tempos é fruto da política de desmonte do ensino público federal imposta pelo governo Bolsonaro. Na mesma medida que os cortes aumentam, aumenta-se os incêndios, não por incapacidade de gestão dos patrimônios, mas por falta de investimentos”, denuncia.

 


Fábio é membro do Diretório Acadêmico Central da UFRJ e afirma que os estudantes estão bastante engajados para o ato de sexta
Fábio é membro do Diretório Acadêmico Central da UFRJ e afirma que os estudantes estão bastante engajados para o ato de sexta (foto: Arquivo pessoal)

 

O estudante afirma que a divulgação da situação da universidade pela reitoria foi fundamental para abrir a possibilidade de ter a retomada de investimentos por parte do governo federal na educação. Somado a isso, Fábio diz que os discentes que poderão ser mais atingidos são os da assistência estudantil por causa dos cortes.

 


“Estamos girando todos os nossos esforços para construir uma ampla jornada de lutas em defesa das universidades. Nesta sexta (14/5), teremos um ato, em frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Centro do Rio, para pressionarmos as autoridades e trazermos o conjunto da sociedade civil para o nosso lado em defesa das universidades que são patrimônios públicos inestimáveis”. Além disso, a entidade dos estudantes também fez na noite da última quarta-feira (12), de forma virtual, uma plenária geral para organizarem o ato.

 

Dos estudantes entrevistados, além de Fábio, estará presente no ato a aluna Hellen Viana de farmácia. Ela não está na capital do estado, mas vai para o Rio somente para participar da manifestação. No entanto, todos eles estão apoiando o ato e engajados com as campanhas virtuais.

 

Andes organiza paralisação em defesa da educação pública


O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, juntamente com outras entidades da educação, está organizando uma paralisação nacional em 19 de maio. De acordo com a diretora do sindicato, a mobilização tem o intuito de pedir por mais orçamento e condições sanitárias garantidas para o retorno.

 

A presidente aponta que esse movimento é um dia “em que a gente possa dizer que respeitar a educação pública é manter as instituições com dignidade no seu funcionamento, com dignidade para condições sanitárias, para os professores, para os estudantes e para os técnicos.”

 

“Não basta dizer que é essencial, com discursos vazios. Tem que fazer da educação essencial. É garantir orçamento público para que ela possa funcionar da melhor forma, com condições sanitárias que preservem a vida”, ressalta. Para a dirigente, a aprovação do Projeto de Lei nº 5595, que reconhece aulas presenciais como serviço essencial, na Câmara, vai na contramão da redução orçamentária.

 

Ela ainda afirma que as instituições federais têm sofrido ataques políticos e ideológicos durante o governo Bolsonaro. De acordo com o Andes, 23 instituições de ensino estão sob gestão de “interventores”, reitores nomeados pelo presidente que não foram os mais votados ou não estavam na lista tríplice.

 

Frente Parlamentar Mista de Educação em apoio às universidades


Na segunda-feira (10/5), o presidente do conjunto, deputado federal Israel Batista (PV-DF), sinalizou que a frente parlamentar está à disposição da universidade carioca para ajudá-la. O apoio foi divulgado pelas redes sociais do deputado.

 

 

Em entrevista ao Correio, o presidente da frente afirmou que está à disposição de todas as instituições de ensino superior público pelo fato de que os repasses do Governo Federal à educação como um todo sofreram cortes em comparação a 2020. O deputado exemplificou com a situação da Universidade de Brasília (UnB), que teve os recursos para investimentos reduzidos em 100%.

 

O parlamentar afirmou que a frente deve pressionar o Congresso Nacional para que o valor de R$ 152,2 milhões previsto para ser destinado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e que precisa da aprovação do legislativo seja tratado com agilidade. Além disso, o deputado disse que vai solicitar ao governo federal que no próximo Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) seja feita alteração nos recursos a serem repassados da União para a educação.

 

“Telefonei para o gabinete da ministra (da secretaria de Governo) Flávia Arruda para ver se a gente conseguia negociar uma solução, não apenas pro caso da UFRJ, mas para o caso das universidades, institutos federais que estão nessa situação de cortes”, declara. Além da ministra, a FPME está conversando com interlocutores do governo.

 

O deputado também ressaltou que a maioria dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aumentou os investimentos de educação, outros mantiveram o mesmo nível e o Brasil foi o único a fazer cortes. O bloco é formado por 36 nações como membros, mais cinco parceiros-chaves, sendo um deles o Brasil.

 

“Eles disseram que não têm dinheiro, mas, logo depois dos cortes, percebemos que os recursos que foram tirados da educação e alocados em outras áreas do Governo, como, por exemplo, defesa”, afirma. “Então, no momento em que nós temos o aumento da evasão escolar, não é o momento de cortar a educação pra comprar armamentos ou para colocar esse recurso em emendas parlamentares, nós vamos buscar corrigir isso no próximo PLN”.

 

Entidades estudantis lutam pela reposição do orçamento por meio de PLN

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, afirmou que a entidade espera recomposição do orçamento de universidades e institutos por meio de PLN. Segundo ele, a UNE tem denunciado essa situação de restrição orçamentária desde setembro do ano passado, quando o governo enviou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) ao Congresso.

 

Na ocasião, a UNE afirma que pressionou deputados e se reuniu com a presidenta da Comissão Mista de Orçamento (CMO). ”A situação é de fato insustentável e nós vamos nos mobilizar, vamos nos mobilizar na UFRJ e no Brasil inteiro para impedir que isso continue”, afirma Iago.

 

Entenda o problema orçamentário

De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o valor previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 destinado às despesas discricionárias nas universidades federais sofreu corte de R$ 1.000.943.150 em relação a 2020, queda de 18,16%.

 

Essas despesas se referem a gastos de manutenção, como energia e água. Também afeta o investimento em pesquisas acadêmicas e em programas de assistência estudantil.

 

Em nota publicada em 3 de março, a Andifes ressaltou a importância das universidades federais para a pesquisa. “A pandemia pode acabar. O vírus não. Portanto temos que agir e nos precaver. Pelo menos três universidades federais estão desenvolvendo vacinas nacionais contra a covid-19. No conjunto, há mais de 1.200 projetos de pesquisas nas diversas áreas do conhecimento em andamento, com expectativa de ampliação desse número”, alertou.

 

Entre as instituições que produzem imunizantes contra a covid-19, está a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que estuda a produção a S-UFRJvac.

 

*Estagiárias sob a supervisão da editora Ana Sá e subeditora Ana Luisa Araujo

  • Agatha não vai poder estar presente no ato, mas afirma que os estudantes de farmácia estarão representados por outros membros do Centro Acadêmico
    Agatha não vai poder estar presente no ato, mas afirma que os estudantes de farmácia estarão representados por outros membros do Centro Acadêmico Foto: Arquivo Pessoal
  • Fábio é membro do Diretório Acadêmico Central da UFRJ e afirma que os estudantes estão bastante engajados para o ato de sexta
    Fábio é membro do Diretório Acadêmico Central da UFRJ e afirma que os estudantes estão bastante engajados para o ato de sexta Foto: Arquivo pessoal
  • "Se a universidade fechar tenho a sensação de que meu sonho será interrompido", desabafa. Foto: Arquivo pessoal
  • Hellen é de Campos dos Goytacazes (RJ) e vai para a capital para participar da manifestação
    Hellen é de Campos dos Goytacazes (RJ) e vai para a capital para participar da manifestação Foto: Arquivo pessoal
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação