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Educação

Candidata não consegue estudar na USP por ter feito homeschooling

Justiça negou requerimento do MP, advogado do caso entra com novo pedido na justiça nesta terça-feira (27)

Elisa de Oliveira Flemer, 17 anos, passou em engenharia civil na Universidade de São Paulo (USP). Não bastasse isso, a menina ainda foi a quinta colocada. Mas, o que era motivo de alegria, logo virou uma frustração. Por ter estudado no formato homeschooling, e não ter documentos que comprovasse sua formação no ensino médio, ela não pôde se matricular.


Junto à mãe, Elisa recorreu ao Ministério Público e deu entrada em um pedido de liminar que garantisse a inscrição dela na universidade, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido.


Telemaco Marrace, advogado do caso, entrou com um Mandado de Segurança, para conseguir que o Estado de São Paulo organizasse um exame de proficiência no intuito de Elisa suprir o ensino médio, o que é permitido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mas, eles não conseguiram.

Arquivo pessoal - Alexandre Magno foi assessor jurídico da Aned durante dez anos


“Estou entrando nesta terça (27) com um novo Mandado de Segurança em Sorocaba com pedido diferente: nesse pedido requeiro que a USP assegure e a deixe cursar a vaga, enquanto ela faz o ensino médio na modalidade EJA. Ou que ela possa ser classificada numa escola onde possa ir para a terceira série do E.M e cursar somente um ano”, explica.


Dessa forma, a estudante ficaria com ensino médio completo. “De acordo com o art. 47 da LDB: “Os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração de seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino”. justifica Telemaco, o advogado do caso. “Foi isso que pedimos e continuaremos a pedir. A LDB assegura esse direito, é lei federal”, finaliza.

Famílias educadoras

Alexandre Magno Fernandes Moreira, 45 anos, é advogado e foi durante dez anos assessor jurídico da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). Segundo ele, é fundamental a importância e a possibilidade de cada família poder escolher a melhor maneira de educar os filhos. O ex-assessor que hoje é membro, afirma que é importante tratar cada filho de acordo com suas particularidades, talentos e deficiências, se houver.


“O Código Civil diz que cabe aos pais dirigir a educação dos filhos. Mas, o que a gente vê, na verdade, são os pais querendo delegar de forma total a educação dos filhos para a escola.” De acordo com Alexandre, além de ser ilegal, essa decisão prejudica as crianças, que ficam com uma falta de “disciplina, educação e valores necessários” para o desenvolvimento.


Famílias educadoras dão instrução, segundo o advogado. Essa é a falta que a educação tradicional tem, para ele. “A instrução que tradicionalmente a escola dá é apenas um pedaço da educação. O que a educação domiciliar faz é trazer para si [família] a coordenação da instrução dos filhos. Isso significa que os pais estão diretamente envolvidos na transmissão das informações e podem ou não receber ajuda de terceiros. É muito comum que pais que educam em casa tenham algum tipo de auxílio”, pontua.


Ao ser questionado sobre os problemas sociais que Elisa poderia enfrentar, Alexandre diz que existe um “mito” sobre essa questão quando o assunto é homeschooling. “Uma pessoa socializa em qualquer lugar, onde duas ou mais pessoas estejam convivendo. Crianças e adolescentes educados em casa não estão em cárcere privado. Elas estão no mundo, na vizinhança, na igreja, no clube, em todos os lugares de convivência.Então, uma pessoa que é educada em casa, não vai ter nenhum tipo de fobia social ou problema na universidade”, explica.

Escolha de Elisa


Elisa, neste momento, tenta usar os “cinco minutos de fama”, como ela mesma define, da melhor maneira. A menina explica, durante entrevista, que a proporção que o caso tomou não era nada do que ela esperava, ela falou com a imprensa local da cidade em que mora, Sorocaba (SP), com a intenção de sensibilizar a juíza do caso.

Reprodução/ Instagram - Elisa diz que a intenção não é fazer com que todos estudem em casa


“Nunca usei rede social direito”, diz a garota que acumula quase 4.000 seguidores em uma de suas redes sociais. “Estou até agora tentando responder todo mundo, tenho preocupação em não generalizar, em falar as coisas certas, expor os problemas que a educação tradicional têm”.


Sobre o homeschooling, Elisa diz que a opção foi dela, e que demorou muito tempo até convencer a mãe. Assumiu os riscos desde o início, inclusive o de não conseguir um certificado de conclusão do ensino médio — documento que impediu a menina de entrar na universidade.


Elisa diz que sempre quis engenharia da computação, mas que preferiu garantir a nota no SISU para os cursos que ela tinha mais certeza, por isso optou por civil. Apesar de estar vivendo numa incerteza, a estudante é otimista e durante esse processo conseguiu falar sobre educação domiciliar para pessoas que ainda não tinham tanto conhecimento sobre o assunto e fazê-las questionar a educação convencional.


Com a repercussão do caso, surgiram chances para a estudante. “Consegui oportunidades de fazer dois cursos de uma faculdade americana online, são duas classes de uma faculdade de engenharia, e já vão contar como créditos para o curso que irei fazer no futuro”.


Além disso, Elisa está esperando receber a resposta de 4 universidades americanas, ela acha que pelo menos para uma ela passa para o curso de engenharia.


“O objetivo nunca é fechar as escolas, o ensino regular não é pra todo mundo, assim como o homeschooling também não”.

O não-reconhecimento do ensino superior

O professor José Ivaldo Araújo de Lucena, pedagogo e mestre em educação, explica que o grande problema está na falta de regulamentação para que haja algum nível de reconhecimento público desse período de formação.


“Segundo o STF, a Constituição Brasileira não proíbe a educação domiciliar, mas, para que possa ser garantido o direito aos pais, é necessário haver uma legislação própria. A escola formal pública ou privada, ao final de cada ciclo, emite um certificado e histórico escolar que é reconhecido publicamente e aceito pelas instituições de ensino superior. No caso do homeschooling não há documentação comprobatória, haja vista ser uma experiência de educação ainda incipiente no Brasil”, afirma.


Entretanto, a saída que o mestre em educação encontra é a que a estudante busca hoje. “A solução para a referida estudante, a título de alternativa imediata, haja vista a falta de legislação pertinente, seria a busca de uma liminar na justiça que garanta a vaga da estudante até que as autoridades educacionais possam indicar alguma avaliação que libere o certificado”.


Ele ainda diz que a aprovação na USP, que é uma das melhores universidades públicas do Brasil, é uma evidência de que Elisa está apta para ingressar no ensino superior.

A opinião de Ismael Rocha, doutor em Educação, é um pouco diferente. O diretor acadêmico do Iteduc (Institute of Technology and Education) acredita que o homeschooling é uma forma válida de estudo entretanto, a escola traz para a criança, o jovem e o adolescente uma série de outros ganhos e aprendizados que vão além da matemática, língua portuguesa ou história.

"A escola exerce um papel fundamental de ensinar a autonomia. Como é que o menino que está em casa o tempo todo vai trabalhar essa construção da autonomia? Se ele já é autônomo? Se ele já é único? Se ele já está isolado? Ele não está vendo e não está envolvido com outras pessoas. O autoconhecimento, o relacionamento com o outro, a mediação de conflitos, a capacidade de solucionar, a empatia, a confiança, a autonomia, a criatividade são competências presentes no dia a dia que a escola produz", afirma.

Para o especialista no assunto, o aspecto fundamental nessa história está ligado à capacidade de se socializar, de olhar para o outro e de construir com ele um relacionamento que seja positivo. Segundo Rocha, o grande problema do ensino domiciliar é não permitir que a criança entenda emocionalmente que ela divide o mundo com outras pessoas.