Reforma pedagógica

Ceub faz reforma pedagógica sem consultar alunos e professores

Devido à reforma, a professora Simone Roballo foi desligada por não concordar com a forma como o centrou universitário introduziu as mudanças

João Carlos Magalhães*
postado em 18/03/2021 21:01 / atualizado em 18/03/2021 21:10
 (crédito: Arquivo UniCeub - 30/1/16 )
(crédito: Arquivo UniCeub - 30/1/16 )

O Centro Universitário de Brasília (Ceub) executou, no início deste semestre, uma reforma pedagógica que modificou a carga horária das aulas ofertadas. As medidas, que passam a valer a partir das turmas de calouros de 2021, geraram insatisfação em parte da comunidade discente e docente, que não foi consultada antes da mudança.

O desagrado da comunidade acadêmica resultou inclusive na demissão da ex-coordenadora de psicologia da instituição Simone Roballo. A reforma pedagógica muda a grade curricular dos alunos que ingressaram na instituição a partir deste ano, com exceção do curso de medicina.

Até o fim do ano passado, o Ceub oferecia matérias com 30, 45 e 75 horas. Com a mudança, todas as matérias passarão a ser de 75 horas. Para os veteranos, as três modalidades de carga horária continuarão valendo até que se formem.

Dentre as 75 horas estipuladas pelo centro de ensino em contrato para cada disciplina, 60 horas serão presenciais e 15 horas devem ser cumpridas obrigatoriamente a distância. Professores consultados pelo Eu, Estudante não concordam com a mudança, que implica em encaixar matérias de 75 horas em 60 horas.

Outro fator que tornou a medida mais impopular dentro da instituição foi a projeção salarial dos professores. Com a mudança, a expectativa é de que os salários do corpo docente tenham diminuição que pode chegar a 20%. 

O Ceub afirma, em nota, que a reforma acompanha as novas tendências de mercado da educação. “É preciso esclarecer que as mudanças propostas estão alinhadas com a reformulação na educação, modernizando as ferramentas e didáticas e transformando o ensino em algo cada vez mais atraente”, argumentou o centro universitário.

Manifestação de alunos gera demissão

A primeira organização de alunos a se manifestar contra a mudança foi o Centro Acadêmico de Psicologia do Ceub (Capsi). Em uma publicação em uma rede social, estudantes do Capsi postaram sobre a reforma pedagógica. Confira:

Quando o Ceub apresentou a reforma, a então coordenadora do curso de psicologia, Simone Roballo, à frente da faculdade há 18 anos, não concordou com as novas diretrizes.

“A plataforma é rasa, os conteúdos são de ensino médio. Quando eu vi aquilo, eu não concordei, mesmo assim, continuei fazendo meu trabalho e chamei os professores do primeiro semestre (período que seria afetado) e começamos a planejar a matéria”, lembra.

Em 4 de março, Simone chamou todos os professores para uma reunião de colegiado. Como prevê o regimento da instituição, os docentes precisam aprovar as diretrizes da matéria. O regimento também determina que um representante discente precisa estar presente na reunião. O aluno participante era Bruno Cobucci, presidente do Capsi.

“Quando eu mostrei como as matérias ficariam, os professores ficaram resistentes. E, de fato, tinham motivo. Na prática, essa mudança representa a diminuição de sete dias de aula no semestre”, diz. Bruno percebeu a resistência dos professores para aprovar as cinco disciplinas e, quando a reunião acabou, divulgou a novidade aos alunos, o que gerou insatisfação.

Em 5 de março, pela manhã, a professora Simone Roballo recebeu uma ligação da reitoria do Ceub, ciente da mobilização do corpo discente, e pediu para que a coordenadora ajudasse a controlar a situação. “Eu não tive coragem de pedir para eles pararem. Porque é uma indignação legítima dos estudantes. Se eles estivessem inventando, eu chamaria e falaria que as manifestações eram inverdades, mas não era o caso”, recorda Simone.

“O centro universitário, então, concluiu que eu estava, de alguma forma, ajudando na organização dos alunos e optou pelo desligamento”, relata. No Dia da Mulher, 8 de março, Simone foi desligada da empresa. O Ceub preferiu não se manifestar quanto ao ocorrido.

A demissão de Simone abalou professores da instituição, e há até mesmo docentes que cogitam pedir demissão. Dentro da cadeira de psicologia, o afastamento da ex-coordenadora foi visto como uma tentativa de precarização do ensino, além de uma perda muito grande para a instituição.

“Eu não acho que a educação mediada por tecnologia seja um problema. Mas, para firmar novas diretrizes para o curso, a instituição precisava debater com os professores as melhores maneiras e, em conjunto, a gente tomaria uma decisão que fosse boa para os alunos. O centro universitário não pensou neles”, avalia Simone.

Para a ex-coordenadora, a reforma é um pretexto para uma mudança nas finanças da instituição. "Eu não tenho dúvidas de que essa mudança não é nem um pouco pedagógica e muito financeira”.

Capsi se posicionou contra a reforma

O presidente do Capsi, Bruno Cobucci, afirma que o real interesse da instituição é diminuir o salário dos professores. "Essa reforma não foi pedagógica em nenhum sentido. Eles estão tratando a educação como um produto. Se tivesse interesse em melhora pedagógica, o Ceub teria comunicado e discutido com os professores”, afirma.

Quanto à demissão de Simone, Bruno lembrou que a professora era muito importante no curso: “Ela está no Ceub faz 18 anos. Nós estamos revoltados com a demissão e muito chateados”.

Bruno Cobucci, aluno de psicologia, estava presente na reunião em que professores manifestaram preocupação quanto ao novo método usado nas disciplinas de primeiro semestre
Bruno Cobucci, aluno de psicologia, estava presente na reunião em que professores manifestaram preocupação quanto ao novo método usado nas disciplinas de primeiro semestre (foto: Arquivo Pessoal )

A vice-presidente do Capsi, Fernanda Guerra, recorda que Simone participou de outras reformas pedagógicas. “A professora não concordou com essa mudança porque ela vai prejudicar o ensino e não favorecer”, justifica.

Fernanda ainda diz que, embora as aulas tenham menos horas presenciais e os professores, redução salarial, as mensalidades seguiram as mesmas. “Os preços do curso seguem os mesmos, mesmo com a redução de carga presencial”, diz. A carta-manifesto feita pelos alunos do Capsi contra a reforma pedagógica recebeu 1.558 assinaturas.

DCE ainda avaliará as mudanças

Em nota, o Diretório Central de Estudantes (DCE) Mova-se do Ceub afirmou que ainda está no processo de avaliar as mudanças. "Tivemos uma reunião com a professora responsável pela reforma e ficou combinado que o DCE participará de reuniões com as coordenações e com os representantes do primeiro semestre (que são os alunos que serão impactados) para acompanhar de perto a repercussão das mudanças e dar sugestões", informou a agremiação por meio de nota.

O DCE diz que se posiciona de forma favorável a mudanças que melhorem a qualidade dos estudos. Por enquanto, ainda falta informação para saber se essas alterações serão ou não positivas. O diretório lembrou ainda que os centros acadêmicos se posicionaram de diferentes maneiras quanto à reforma. “Temos cursos que são favoráveis à mudança e outros que não são, como no caso de psicologia.”

O Centro Acadêmico de Ciências Biológicas (Cabio) pretende avaliar o conteúdo disponibilizado pela plataforma do Ceub. “O material on-line disponibilizado terá sua avaliação de qualidade feita pelos estudantes durante este semestre”, afirmou o Cabio em nota. O Cabio constata que “ainda é cedo para dizer se as mudanças vão ser benéficas para o ensino, estamos atentos aos nossos alunos”.

Professor é contra a mudança e teme esvaziamento dos cursos

Um professor da instituição que não quis se identificar não concordou com a reforma pedagógica como foi feita. Para ele, uma instituição de ensino superior é espaço para debates. Assim, mudanças feitas sem consultar corpos docente e discente podem diminuir a qualidade de cursos.

Assim, um centro universitário "simplesmente aplicar uma reforma pedagógica sem consultar ninguém” acaba sendo uma mudança “atropelada”. Para ele, o Ceub não entende a decisão que tomou. 

O educador não critica a educação mediada por tecnologia proposta. “O processo educacional está sujeito a alteração e evolução e isso é bom, mas a tecnologia não trabalha sozinha e os professores precisam estar inseridos nesse processo”, lembra.

Outro ponto que assusta o professor é a diminuição salarial dos docentes. “Ninguém foi avisado e o salário de alguns professores teve redução. Isso é uma desvalorização evidente do trabalhador, uma desvalorização da nossa profissão atestada pelo Ceub”, lamenta.

Confira nota do Ceub sobre a reforma pedagógica na íntegra

Nota de esclarecimento

O Centro Universitário de Brasília é uma instituição que está no mercado educacional há mais de 50 anos e sempre primou pela qualidade dos seus cursos, em todas as áreas e modalidades ofertadas. O Ceub entende que o mundo vive um processo de transformação muito veloz, e o momento de pandemia exige novos posicionamentos e mudança de paradigmas, sobretudo na educação.

Desta forma, o novo modelo acadêmico adotado pelo Ceub é baseado em matrizes por competência, aplicado exclusivamente às turmas de calouros do 1º semestre (exceto para o curso de medicina), tendo início agora em 2021.

É preciso esclarecer que as mudanças propostas estão alinhadas com a reformulação na educação, modernizando as ferramentas e didáticas e transformando o ensino em algo cada vez mais atraente. Esse novo modelo possibilita que o estudante tenha um primeiro contato com os temas estudados no período, por meio das Unidades de Aprendizagem, permitindo ao professor maior fluidez no seu planejamento inicial e diferentes caminhos para que o estudante adquira as competências e habilidades vinculadas a cada disciplina.

As disciplinas continuarão predominantemente com carga horária de 75 horas. No entanto, a instituição tem uma nova e mais moderna estratégia de ensino, em que 60 horas ocorrerão presencialmente e as demais 15 horas serão ministradas por meio do uso de mediação de recursos tecnológicos, contribuindo para um processo de aprendizagem mais veloz e eficaz.

O Ceub vem realizando um trabalho coletivo, por meio de gestão colaborativa, onde todas as ferramentas necessárias estão sendo oferecidas para que o estudante seja protagonista do seu processo de aprendizagem. Esse apoio também está sendo oferecido para o corpo docente, através de capacitações e oficinas para discutir e pensar as melhores estratégias para a implementação do novo modelo acadêmico.

Desse modo, é garantida flexibilidade curricular para aproximar o estudante da comunidade e da prática profissional em todos os cursos de graduação, dentre outros aspectos relevantes para a formação do futuro profissional.

É importante lembrar que o novo modelo acadêmico não será aplicado para os veteranos, respeitando portanto, o que foi estabelecido em contrato quando da renovação de matrícula para prestação de serviços educacionais pelo Centro Universitário de Brasília.”

 

*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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