Estudante de serviço social da Universidade de Brasília (UnB), Maria das Graças Sousa Santos, 65 anos, não tem um computador para seguir os estudos. O semestre, que começa nesta segunda-feira (1°/2), seria o último antes de se formar, no entanto, ela teme que o sonho seja atrasado.
O notebook antigo de Gracinha, como é chamada pelas amigas de curso, estragou em um temporal, enquanto carregava, em dezembro do ano passado. A baiana de Salvador (BA) tentou consertar a máquina, mas um técnico cobrou R$ 1.500, acima do que ela poderia pagar com a atual condição.
Quando as aulas eram presenciais, Gracinha fazia doces para vender no Instituto Central de Ciências (ICC) Sul do câmpus Darcy Ribeiro. “De dia, eu vendia meus bolos; à noite, eu estudava”, lembra. “Agora com todos em casa, devido à pandemia de covid-19, eu não tenho como ganhar esse dinheiro e arrumar meu computador”, desabafa.
Gracinha recorda que sempre teve o sonho de prestar vestibular. “Eu queria fazer a prova, mas a vida com filhos e trabalho é muito difícil.” Quando ela teve a oportunidade, em 2014, aos 58 anos, fez a seleção e conquistou uma das vagas para o curso de serviço social. “É muito bom ajudar as pessoas”, justifica sobre a escolha da profissão.
Mesmo com a preocupação para concluir a graduação, ela brinca: "Agora, para terminar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) até abril, só se eu for o Lewis Hamilton”. Os capítulos já escritos por ela estavam salvos no computador queimado.
Pandemia foi um desafio a mais
Em agosto, quando as atividades da UnB, suspensas desde março, retomaram de maneira on-line, Gracinha tinha apenas um telefone para assistir às aulas. Com ele, não conseguiria acompanhar bem os conteúdos ministrados, portanto, contou com a ajuda de colegas para adquirir um computador.
Em um primeiro momento, a estudante pediu ajuda para uma amiga que iniciou a graduação com ela. A intenção era pegar uma máquina emprestada, mas Patrícia Brito, 41, professora da Secretaria de Educação, disse que seria muito difícil entregar.
“Eu moro em Ceilândia e a Gracinha, em São Sebastião. Como a gente ia fazer isso?”, explica Patrícia. Assim, a professora ligou para outras colegas de turma, que organizaram uma vaquinha com o objetivo de comprar um notebook.
“Eu liguei para nossas colegas. A gente foi juntando dinheiro, divulgando nas redes sociais e conseguiu comprar”, lembra Patrícia. Na época, as amigas arrecadaram R$ 1.500, o suficiente para compra do computador.
A estudante tentou receber o benefício que a UnB disponibilizou para alunos carentes comprarem um notebook, mas que não conseguiu. “Eu só tive direito a um chip de internet”, recorda. A entrega de chips faz parte de projeto idealizado pelo Ministério da Educação (MEC).
A Universidade de Brasília, no entanto, informou que a estudante não pleiteou auxílio de inclusão digital no ano passado. Uma pesquisa de 2020, feita pela própria instituição, mostrou que 6% dos estudantes da UnB não têm equipamento eletrônico e 30% precisam de apoio para ter melhor acesso à internet.
O edital (referente a este semestre) para pedido de auxílio-emergencial de apoio à inclusão digital está aberto até sexta-feira (5/2). Gracinha vai tentar o benefício. “Seja como for, eu não tenho alternativa. As aulas começaram hoje. Tenho que esperar as coisas acontecerem.”
Ela precisou aprender a usar o computador com a pandemia
No semestre passado, após conseguir comprar um computador com a ajuda de colegas, veio outro desafio: Gracinha teria que aprender a manusear o notebook. Para isso, a estudante de 65 anos recebeu ajuda do neto, Raphael Leopolldo, 23, estudante de ciência da computação na UnB.
Superado o problema, encontrou um novo contratempo, que foi a dificuldade de se adaptar às aulas remotas. Para ela, o ensino a distância foi desgastante. “A casa não é grande, não tem como cada um ficar em um espaço. Aí tem um cachorro que late, um problema que ocorre. Foi muito difícil aprender em casa no ano passado”, diz Gracinha, que mora com a filha e o neto.
“Sinto saudade da biblioteca, de estudar naquele silêncio, escrever com calma. Aqui em casa, isso é impossível”, desabafa. Apesar disso, orgulha-se dos integrantes do lar: “Aqui somos todos estudantes!”.
Gracinha batalhou para fazer faculdade
Mulher, preta e periférica, como se descreve, Maria das Graças foi cozinheira e auxiliar de enfermagem. Ela morou três anos na Suíça, onde foi babá. “Eu fui auxiliar de enfermagem por muito anos, entrei no curso de serviço social porque queria continuar ajudando", diz.
Aos poucos, Gracinha foi concluindo os semestres e já são sete anos de caminhada. Finalmente neste ano, ela apresentará o TCC, mas até o momento conta apenas com o telefone para as aulas.
Aos 65 anos, a estudante pretende exercer a profissão na qual vai se formar. “Eu não sei se o mercado de trabalho vai me absorver, mas eu pretendo trabalhar, sim”, afirma.
Quer ajudar?
Quem se interessar por apoiar Gracinha para que ela possa terminar o curso, pode entrar em contato com a filha dela, Ítala de Sousa, pelo telefone: (61) 99143-0283.
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa