Já se passaram mais de nove meses desde que, em 11 de março, o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) decretou a suspensão das “atividades educacionais em todas as escolas, universidades e faculdades, das redes de ensino pública e privada”. Desde então, o cenário da pandemia mudou significativamente a forma de ensinar e aprender no DF.
Professores, gestores e alunos acostumados à educação presencial tiveram que se reinventar também na educação superior. Neste fim de ano, em que terminam os períodos letivos, a comunidade acadêmica olha em retrospecto para entender os pontos que careceram de atenção e os ganhos do período.
O especialista em educação e tecnologia Alfredo Freitas avalia que a transição do modelo presencial para o remoto no DF não foi uniforme. “Algumas instituições entenderam, em março, que a situação do coronavírus não duraria 14 dias ou um mês. Então, investiram mais em tecnologia e conseguiram ter uma reação rápida”, afirma.
Alfredo considera que as instituições particulares foram mais céleres. O especialista explica que a resposta das instituições públicas foi lenta por esperar uma decisão unificada do governo, o que atrasou e gerou uma defasagem em relação às outras.
Ele também afirma que a experiência deste ano permitiu visualizar que é possível ter uma educação superior via internet de qualidade. “O ensino presencial não é bom por si só. É bom porque as instituições têm um trabalho com os professores, método de ensino adequado e processo de avaliação voltado para a excelência acadêmica. Tudo isso pode ser feito via internet”, expõe.
Na UnB, somente o 1° semestre foi realizado em 2020
Na Universidade de Brasília (UnB), a suspensão das aulas presenciais ocorreu em 12 de março, a partir de decisão do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe). Uma pesquisa social e suporte tecnológico à comunidade acadêmica precederam a retomada on-line, que ocorreu em 17 de agosto. As aulas do primeiro semestre terminaram na última sexta (18/12).
O estudante do 4° semestre de psicologia da UnB José Ítalo Gomes, 20 anos, elenca dificuldades, como a ansiedade de alunos por estarem se dividindo entre atividades domésticas e da universidade, além de problemas de conexão à internet. Portanto, julga que adaptações serão necessárias.
“Acredito que a principal mudança para o próximo semestre deva ser uma redução do número de avaliações. Tenho a sensação de que muitos docentes, por pensarem que estávamos em casa com um tempo maior, aumentaram a quantidade de provas. Além disso, é necessária uma mudança quanto ao método de aferição de presença”, opina.
A suspensão das atividades presenciais também atrasou a formatura de estudantes, como Tathiana Ferreira, 25, do 10° semestre de medicina veterinária. Neste ano, ela conseguiu fazer somente três dias de estágio final no Hospital Veterinário da UnB, o que a impede de se formar.
A formatura, antes prevista para junho de 2020, permanece sem data. “Eu me sinto desmotivada. Estava tão perto de me formar e foi um ano, de certa forma, perdido. Eu entendo que, no começo, não tinha muito o que fazer, mas sinto que, agora, poderiam estar tentando contornar o problema”, lamenta.
O professor de ciência política da UnB Lúcio Rennó destaca que o ensino remoto é a única alternativa hoje. O docente ressalta que não houve perda de conteúdo e ocorreu "um aprendizado sobre o uso das novas tecnologias e de autonomia dos estudantes". O professor destaca que, antes do próximo semestre, é preciso avaliar qual perfil trancou mais as disciplinas e o quantitativo de estudantes não concluintes ou que tiveram resultados aquém do esperado.
O segundo semestre de 2020 começará em 1º de janeiro de 2021. Por meio de nota, a UnB ressaltou que o primeiro semestre deste ano foi o primeiro da história da universidade feito em modo remoto e o classificou como "muito produtivo".
Dados do Decanato de Ensino de Graduação (DEG) mostram que cada estudante fez uma média de 4,5 disciplinas; em semestres anteriores, a média era de 4,9. “No Aprender 3, a principal plataforma de ensino e aprendizagem on-line da UnB, foram criados 6 mil ambientes virtuais, para 3.530 disciplinas. Os acessos diários chegaram a 20 mil, com 2.000 acessos simultâneos”, observou.
IFB retomou o modelo on-line e está no 2° semestre de 2020
No Instituto Federal de Brasília (IFB), a suspensão das aulas chegou ao fim em 3 de agosto. O primeiro semestre letivo remoto se estendeu até 6 de novembro e, agora, está em curso o segundo semestre de 2020, que deve ser concluído em 26 de março de 2021. A instituição também forneceu auxílio tecnológico para os estudantes.
Izabela Prado, 24, estudante do 7° semestre de física ressalta que as aulas on-line renderam bons frutos. “Eu estudei mais que em qualquer outro semestre”, pondera. Ela vê necessidade na adaptação do currículo. “Nosso curso é pensado para ser presencial e está acontecendo de uma forma a distância”, lembra.
A professora Sandra Branchine, da área de hospitalidade e lazer, destaca que "foi um período difícil tanto para alunos quanto para professores", pois tiveram de sair da zona de conforto e se reinventar.
Por meio de nota, a reitora do IFB, Luciana Massukado, conta que a retomada presencial ou híbrida no ano letivo de 2021, programada para ter início em maio, ainda está em discussão. “Por enquanto, a posição do IFB é continuar de forma remota enquanto trabalhamos, inclusive na busca de mais recursos junto ao governo federal, para adaptarmos nossas instalações para uma volta segura para todos.”
Nas particulares, aulas presenciais seguem mantidas para prática em saúde
Diretor e assessor especial da Presidência do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos Particulares do Ensino Superior do Distrito Federal (Sindepes/DF), Thiago Gomes, ressalta que a entidade se mantém a favor da manutenção de aulas práticas presenciais na área da saúde, por exemplo, dos cursos de medicina, odontologia, fisioterapia e enfermagem, como foi em 2020.
“O ensino remoto síncrono emergencial está funcionando com excelência, não há prejuízo na qualidade do conteúdo. Os professores estão atuando com muita competência, os alunos estão colhendo muitos frutos”, acredita.
A professora do curso de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB) Camilla Sara Gonçalves ressalta que a pandemia acelerou o processo de transformação digital. “A gente percebeu uma reconfiguração do modo de ensinar e de aprender”, afirma.
A professora destaca que houve ganhos, por exemplo, por permitir a participação de convidados de todo o mundo nas aulas. O processo aumentou a autonomia e a flexibilidade dos alunos para aprender. “São competências muito esperadas no mercado e são tendências para o próximo ano”, considera.
Laura Vendruscolo, 19, estudante do 4° semestre de relações internacionais da UCB, destacou que as aulas foram adaptadas ao ambiente virtual, com uma melhor distribuição dos conteúdos e das atividades extraclasse no segundo semestre. “Nesse aspecto, percebi uma evolução que permitiu que os alunos tivessem melhor desempenho.”
A estudante considera que desafios tecnológicos e de aprendizagem merecem maior atenção, bem como cansaço físico, mental e emocional. “Alguns colegas tiveram muitas dificuldades em acompanhar o semestre devido à piora dos quadros de ansiedade e depressão, bem como de déficit de atenção”, relata.
Professor de publicidade do Centro Universitário Iesb e da UCB, Fernando Alves conta que a adaptação foi mais fácil devido ao fato de ambas as instituições já terem uma plataforma para o ensino on-line
“A didática do on-line é totalmente diferente. Não é a mesma sinergia de uma aula presencial. Então, é necessário saber como interagir com a turma e saber como fazê-la participar para que a aula seja realmente produtiva”, percebe.
*Estagiário sob a supervisão da editora Ana Sá