Ilustrações detalhadas, imagens em 3D ou até mesmo um professor vestido com macacão imitando as partes internas do corpo humano são algumas das alternativas que os docentes encontram para o ensino da anatomia. Mas o professor de biologia do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 01 de Brasília Tiago Mendonça, 39 anos foi além. Ele queria que os alunos aprendessem fazendo e, por isso, propôs que nas aulas de dissecção fossem usados origâmis. O professor adotou como experimento por serem as dobraduras de papel baratas, acessíveis e uma alternativa para não usar os animais, proibido por lei em salas de aula do ensino fundamental e médio desde 2008.
Mendonça participou de uma oficina de origâmi em 2017, promovida pela Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape), órgão da Secretaria de Educação do DF. Essa ideia não lhe saiu da cabeça. “É simplesmente apaixonante, o melhor minicurso que eu já fiz”, descreve o mestrando. “Eram aulas que não ensinavam apenas o origâmi, mas técnicas para utilizar com o origâmi.” Aquela semente foi plantada no professor e, um dia, surgiu a ideia de usar em sala de aula. Segundo ele, muitos cursos de medicina já estavam buscando formas alternativas de não usar os animais, então procurou aplicar metodologias diferentes para alunos dos 11 a 17 anos. Porém, a dissecção com o origâmi só poderia ser possível com um outro aliado: a ilustração científica.
Origâmi e ilustração científica: dupla que veio para somar
A Universidade de Brasília (UnB) é considerada uma pioneira no ramo da ilustração científica. A técnica é a intersecção entre arte e biologia para auxiliar o pesquisador a comunicar as ideias. Em 1999, o professor Marcos Ferraz, 57, doutor em imunologia nuclear, criou o Núcleo de Ilustração Científica da UnB, o primeiro entre as universidades. Ele é professor orientador do mestrado de Tiago, que está inserido no mestrado profissional em ensino de biologia em rede.
Várias revistas preferem desenhos à fotografias, devido à quantidade e fidelidade de detalhes que uma ilustração traz. “Eu posso realçar um detalhe importante para a identificação de uma espécie”, conta o doutor e professor do Instituto de Ciências Biológicas da UnB. Não só a biologia utiliza a técnica, como arqueologia, paleontologia, zoologia, botânica, entre outras áreas de estudo. “Mesmo com toda a tecnologia hoje, (a ilustração) continua sendo um instrumento importante de comunicação e divulgação científica”, completa o professor Marcos Ferraz. E no projeto, tem o poder de complementar e fazer com que os alunos explorem suas limitações. “Em vez de só fazer a dobradura do papel para fazer o bicho, a gente abre esse origâmi e aproveita aquela estrutura para os alunos fazerem a anatomia interna”, exemplifica o professor Marcos.
Para Tiago, o origâmi traz um sentido de diversão e a parte técnica fica com o desenho. “A ilustração entra para dar um propósito, um sentido de lógica”. Ele tinha receio de que os alunos encarassem as aulas como uma brincadeira sem qualquer finalidade, mas teve uma recepção melhor do que a esperada. “A ideia interessante também é passar a questão legal, porque isso envolve outras coisas”, afirma Tiago Mendonça. Por isso, mais importante do que a diversão e técnica, partes do aprendizado, é explicar para os alunos o porquê da prática com animais reais ser proibida por lei.
Método acessível, divertido e… indolor!
O artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, diz: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” é crime sujeito a detenção, de três meses a um ano, e multa. Além disso, existe a lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que restringe a utilização dos animais para instituições de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica. A legislação também criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) para formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica.
Por último, há uma jurisprudência para resguardar aqueles estudantes que se recusarem a participar de aulas práticas, de acordo com o artigo 5º, inciso oitavo da Constituição Federal de 1988.
Para o professor Tiago, a lei traz uma discussão para a sala de aula e a ética “tem que ser levada em questão”. Ele inclusive conta que os alunos desenvolvem com os origâmis o mesmo sentimento de afeto que teriam com os animais: eles ficam com dó de rasgar. Há também os estudantes que comemoram por não terem que fazer a dissecação de um peixe, por exemplo, devido ao cheiro forte.
A estudante do CEF 01, Cássia Maria, 13, não sentiu falta de dissecar um animal de verdade e ficou muito empolgada com a proposta do professor de biologia. “O objetivo do professor foi atingido com sucesso a partir do momento em que compreendemos a anatomia do animal. Sendo assim, acho que não seria necessário utilizar um animal de verdade”, argumenta a aluna do 7º ano.
Dobraduras
A prática do origâmi em sala de aula ocorre em três etapas. Na primeira, o professor dá liberdade aos alunos de fazer, geralmente, um peixe da forma como acharem melhor. Durante a segunda fase, eles também cortam e fazem a dissecção do jeito deles. Por último, o professor faz o processo de forma orientada, mostrando aos alunos as técnicas que profissionais da saúde utilizam para fazer os cortes. Depois, os alunos elaboram um relatório de atividades. Além disso, o professor mostra aos estudantes outras possibilidades com a ilustração científica. Os alunos fazem a dobradura, depois desenham e pintam a parte externa e interna do peixe.
Todo o processo é feito em duplas e o professor de biologia explica que o método serve para dar oportunidade ao aluno de fazer o peixe, dissecar, enquanto o outro faz o relatório. Posteriormente, o processo se inverte. Tiago Mendonça assegura que a execução em duplas e a metodologia de auxiliar o estudante para que ele coloque a mão na massa é benéfico para o aprendizado: “Enquanto o aluno faz ele absorve”.
Alunos como protagonistas do próprio aprendizado
O professor Tiago Mendonça aplicou a pesquisa em mais de quatro escolas. No CEF 01, instituição a qual é docente, além do Centro de Ensino Médio Setor Oeste (CENSO), Colégio Miguel Arcanjo em São Sebastião e no Zilda Arns no Itapoã. O público do ensino fundamental, segundo ele é o mais “maravilhoso” de se trabalhar, devido à curiosidade e empolgação. Alunos do ensino médio também se interessam, mas o público com maior dificuldade com certeza são os da Educação de Jovens Adultos (EJA), pois eles têm vários impasses para entender a dobradura. Mesmo assim, os estudantes participam ativamente do processo de aprendizagem e esse é o objetivo do professor. “Os professores não só ensinam, colocam você para ativamente desenvolver o assunto”, pontua Mendonça. “O estudante sai mais qualificado.”
Cássia Maria, 13 anos, acredita que o principal aprendizado que ela conseguiu com as aulas foi a questão da dedicação. Com esse valor, os estudantes podem fazer o que quiserem. “Para adquirir o conhecimento, basta ter força de vontade e empenho naquilo que você busca e que com uma simples folha de papel, um lápis e criatividade, eu posso conseguir o que quiser”, ela mostra.
Durante a pandemia, o professor não aplicou nenhuma técnica de forma remota e focou somente nos livros. O CEF não parou as atividades e buscou oferecer atividades a distância para os alunos.
Além da participação ativa no aprendizado, o professor Tiago crê que o projeto aproxima os estudantes do meio acadêmico e quebra a barreira existente, devido à iniciativa que os estudantes têm de buscarem outros origâmis e outras técnicas sem que ele demande. “Os alunos vão atrás para fazer os desenhos. Eles se desafiam e inclusive fazem melhor que o professor”, comenta o mestrando. A sequência de dobraduras de um origâmi também é benéfica para prender a atenção do aluno.
Para a biologia, o projeto trabalha habilidades motoras e a capacidade de ver e reproduzir um desenho com tantos detalhes. Segundo o professor Marcos Ferraz, a ilustração é um instrumento poderoso para o aprendizado. “Infelizmente, hoje o nosso sistema educacional é muito racional e não usa o desenho como instrumento de ensino e aprendizagem. E é um instrumento poderosíssimo”, comenta o orientador do projeto. “A gente desenha para aprender.”
O projeto de mestrado do professor Tiago busca não só mudar a metodologia de ensino em relação à anatomia dos animais, mas também a relação entre aluno e professor na sala de aula. “Essa metodologia que o professor só fica falando desestimula. O professor é mais como um maestro do que alguém que informa”, finaliza Tiago Mendonça.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá