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ENSINO PARTICULAR

Em crise, ensino particular pode sofrer apagão, afirmam especialistas

A criação de um novo imposto, conforme previsto pela proposta de reforma tributária do governo, pode aumentar mensalidades e extinguir bolsas do ProUni

Em tramitação no Congresso Nacional, a proposta de reforma tributária do governo federal, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), pode causar uma série de efeitos negativos para a educação particular brasileira.

Segundo nota técnica divulgada pelo Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, o novo imposto traz como consequência o aumento das mensalidades e a extinção de mais de 161 mil bolsas do ProUni, afetando cerca 6,4 milhões de estudantes do setor (75% do total de universitários).

Atualmente, a alíquota paga pelo ensino particular é de 3,65%, sendo que as instituições sem fins lucrativos são isentas. Com a criação da CBS, que substituirá os tributos do Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o percentual sobe para 12%, podendo resultar em um aumento de 6% nas mensalidades das escolas do ensino básico e 10,5% nas do ensino superior, segundo a nota técnica.

Celso Niskier, secretário executivo do Fórum e diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), explica que a reforma afeta diretamente estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Assim que a reforma foi proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a rede particular não seria muito afetada porque somente os filhos dos mais abastados estudavam lá. Isso não é verdade”, pontua.

“Nós vimos que mais de 80% dos alunos de instituições particulares são das classes C, D e E. Isso significa, para muita gente, o abandono do sonho de fazer faculdade. A reforma está sendo injusta para quem menos tem condições”, argumenta.

Educação básica também ficará mais cara

Arquivo pessoal - "A medida que o imposto cresce, é tirado de as pessoas a chance de poder investir na educação", comenta Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep).

Segundo a nota técnica do Fórum, as mensalidades das escolas de ensino básico podem aumentar em até 6%. Para Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), o impacto para esse segmento será na qualidade da educação. "O ensino de qualidade continuará existindo. O problema é que ele aumentará o preço, o que diminui a possibilidade de as pessoas que se esforçam para pagar a escola tenham condições", afirma.

Segundo ele, as instituições de ensino básico particulares pagam um terço do que arrecadam em tributos. Com a CBS, a contribuição será ainda maior. “À medida que o imposto cresce, é tirada das pessoas a chance de poder investir na educação", comenta. "Ou seja, diminui-se a qualidade de educação do povo brasileiro."

Número de vagas no ProUni pode diminuir drasticamente

Arquivo pessoal - Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)

Outro problema que tem causado preocupação é o Programa Universidade para Todos (ProUni), que converte impostos não pagos por instituições particulares em vagas para alunos de baixa renda. Atualmente, o programa atende 575.114 alunos com bolsa integral e 147.106, com benefício parcial, de 50%.

“O ProUni é um programa muito bem-sucedido que democratizou o acesso dos alunos menos favorecidos economicamente ao ensino superior. Talvez, o programa seja a única porta de entrada para esses estudantes”, defende Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES.

A partir da reforma tributária, estima-se que muitas instituições devem abandonar o programa. “O governo está tirando da base de cálculo do ProUni o PIS e o Cofin, e não colocou a CBS no lugar. Então, as instituições de ensino que ofertam essas bolsas não vão ter mais compensação tributária desses impostos e ainda vão ter que pagar 12% a mais”, diz

“O programa deixará de ser atrativo e as faculdades não vão mais ofertar essas bolsas”, afirma o diretor.

Crise financeira do setor

Segundo Celso, as instituições de ensino particular podem não resistir à reforma tributária. Ele explica que existem três “ondas de choques” que afetam o setor. A primeira seria a crise financeira que o Brasil enfrenta há cerca de cinco anos, o que ocasionou diminuição do financiamento estudantil.

A segunda onda foi desencadeada pela pandemia do novo coronavírus. “A covid-19 agravou a primeira onda porque impactou muitos estudantes que perderam os empregos e tiveram que abandonar a faculdade sem nenhuma alternativa de financiamento”, diz.

Por fim, a reforma tributária pode se caracterizar como a terceira onda da crise no setor. “As instituições vêm de uma situação complicada. Se vier mais esse impacto, vai ser difícil resistir”, pontua.

A solução é isentar a educação

Para Celso, o ideal seria que as instituições educacionais tivessem uma alíquota neutra, sem aumento de tributos. “Entendemos a importância de uma reforma e somos favoráveis. Entretanto, pedimos que a educação tenha um tratamento diferenciado. O setor tem importância social fundamental para o futuro do país”, diz.

“Nós vamos dialogar. Estamos mandando todos esses estudos para os técnicos do governo, para que eles reconsiderem a visão de que a educação particular é para a elite. Também estamos alimentando os parlamentares com essa informação”, conta. “A educação é o melhor investimento social.”

Apagão da mão de obra qualificada

Com o aumento das mensalidades e a extinção de vagas do ProUni, especialistas comentam sobre um possível “apagão da mão de boa qualificada”, interferindo diretamente no desenvolvimento do país. A longo prazo, mais de 1,5 milhão de pessoas não terão a oportunidade de ingressar no ensino superior. “Se o governo deixa de incentivar o acesso à educação superior, consequentemente, haverá prejuízo no desenvolvimento do país porque não haverá mão de obra suficiente”, afirma Sólon Caldas.

Este e os demais pontos foram comentados durante apresentação do estudo do Instituto Semesp, membro do Fórum, que apontou que cerca de 322 mil alunos perderão a chance de ingressar no ensino superior em 2021.


*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá