Cada aluno possui aptidões diferentes, mas independentemente delas, todos podem aprender a escrever bem. Essa é a conclusão a que diferentes educadores chegam, após anos de docência em redação. "Não posso negar que exista o talento para a escrita, ou o interesse pelo português, mas essa habilidade, com certeza, pode ser desenvolvida. Vi alunos que saíram de uma condição de muita dificuldade, e hoje escrevem com segurança, estão mais que prontos para encararem uma prova de vestibular", conta Vanessa Cajá, professora de redação do Sigma.
Agatha Piovesam e João Pedro França têm 17 anos. Eles cursam o 3º ano do ensino médio na escola onde Vanessa leciona, e se preparam para encarar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ela, filha de jornalistas, cresceu rodeada de livros, se interessa por artes, temas sociais e quer cursar psicologia. Ele sonha em estudar engenharia mecatrônica fora do país e está torcendo para que o tema da redação deste ano seja inteligência artificial. Os dois alunos têm se destacado nas aulas de produção de textos da professora. A diferença entre eles está só em suas habilidades naturais.
"Meu histórico com a escrita nunca foi bom. Na redação do PAS 1 tirei 5.9 e tomei o maior susto da minha vida", conta João Pedro, referindo-se ao Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília (UnB). O estudante teve um ótimo desempenho em exatas e se saiu bem até mesmo nas questões objetivas de humanas, "mas a redação me baqueou e, depois dessa experiência, era o que me deixava mais inseguro na preparação para o Enem", diz.
Para contornar as dificuldades com a escrita, João passou a fazer redações com regularidade. "Toda semana, chego na escola com dois textos para a professora corrigir. Coitada! Deu certo, porque no PAS 2 tive uma melhora grande, tirei 8.9 na redação."
Mas a prática é fundamental também para quem gosta de escrever. Além de fazer redações toda semana, Agatha estuda estruturas narrativas e temas que podem ser abordados pelo exame. "Acho que tenho facilidade com a escrita, mas é muito diferente saber escrever e fazer uma redação do Enem, que é específica, tem um padrão. Saber expressar suas ideias facilita muito, mas saber o padrão da prova talvez seja até mais importante para uma boa nota", afirma a estudante.
Foi o que funcionou para Alinne Moura, 18 anos, que cursa o segundo período do curso de engenharia da UnB Gama. "É muito importante saber o estilo de redação do Enem. Eu sabia os critérios de cabeça. A prova tem uma pegada muito mais social e de mudança efetiva, é importante entender isso e adequar seu texto", aconselha.
Alinne tirou 940 pontos na redação, de um total de 1.000, na última edição do exame — um bom incentivo para alunos que se identificam mais com as disciplinas de exatas, como João Pedro. Segundo ela, se você criar uma fórmula e conseguir adequar seus pensamentos a ela, a redação não é muito diferente de uma questão matemática.
"Para o pessoal de exatas, minha dica é se permitir escrever livremente, sem amarras, sem inseguranças, sem atrelar a escrita à autoestima. Sentir que a escrita não é para si, afeta muito o aluno. Faça da escrita uma prática regular, embora seja dolorosa. No início, o feedback do professor pode ser ruim, mas é insistir", completa a professora Vanessa.
A fórmula do Enem
Apesar de ter similaridades com outras provas de vestibular, a redação do Enem exige um componente que não aparece com frequência em textos dissertativos: uma proposta de intervenção. "A redação do Enem está sempre conectada com a realidade, ela não trata de problemas filosóficos, ela está interessada na interpretação e no posicionamento do candidato, enquanto cidadão brasileiro, em relação ao contexto atual do país", explica a professora de português do Sigma, Analu Vargas.
Segundo a educadora, os problemas apresentados são sempre complexos e o aluno não precisa apresentar soluções para eles, mas demonstrar que consegue entender suas causas, consequências e possibilidades de intervenção por parte da sociedade e do Estado. "Não existem fórmulas mágicas para os grandes problemas do Brasil, imagine, nem os profissionais as têm. O que se espera dos alunos é que eles façam uma sugestão possível, conectada com o debate público. É preciso decidir: o que vou priorizar na minha abordagem sugestiva? E, então, trazer um raciocínio consciente e organizado", afirma.
Além da proposta interventiva, que deve respeitar os direitos humanos, é preciso estar atento às outras competências exigidas pelo exame: domínio de gramática, uso de repertório para defesa de um ponto de vista; domínio da estrutura dissertativa, com introdução, desenvolvimento e conclusão do texto cumprindo seus propósitos; e coesão.
Analu lembra que é preciso, após praticar o modelo da redação do Enem, procurar um professor para corrigir o texto e, claro, trabalhar nos erros apontados. Para suprir as lacunas de aprendizado, é importante estudar novamente a teoria, seja de gramática ou de estrutura textual.
Mas o que fazer quando a lacuna está no repertório sociocultural do aluno? "Sem dúvidas, a formação do repertório é um processo, feito ao longo da vida. Para quem está às vésperas da prova, o que dá para fazer é buscar informações, no noticiário, em obras artísticas, e também revisar esses conteúdos, organizar tudo isso na cabeça e no discurso", diz Vanessa Cajá.
Para isso, a estratégia de Beatriz Mazoni Viveiros, 17 anos, estudante do Sigma de Águas Claras, é pesquisar informações sobre os eixos temáticos do Enem, e não sobre os assuntos específicos que a redação pode trazer. "Tento organizar um repertório genérico sobre cada um dos eixos. Vou colocando algumas ideias no caderno: sobre este tema, sei disso, citaria aquilo. Por exemplo, se o tema é econômico, me vem à cabeça a Crise de 1929 ou o Plano Real. Anoto tudo e vou tentando relacionar os conhecimentos que tenho".
Beatriz também investe na leitura de livros de não-ficção, que além de oferecerem informações factuais, também ajudam na aprendizagem do gênero dissertativo. "Acho que já sabia escrever bem, mesmo antes de estudar a técnica, de forma inconsciente, por causa da leitura. Saber argumentar sobre assuntos que não domino, saber gramática, grafia de palavras. Você não sabe explicar bem porquê, mas sabe que sabe".
E para alunos que não tiveram acesso a uma educação de qualidade ou a uma maior diversidade de produtos culturais, a professora Vanessa incentiva. "isso não significa ausência de estratégia argumentativa. Não desistam dos seus sonhos, as condições não são as mesmas, mas todos têm um conjunto de conhecimento de mundo para partilhar e defender."
Conhecimento
Em nota ao Correio, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), responsável pela elaboração da prova, explicou que o participante do Enem precisa fazer uso dos conhecimentos adquiridos ao longo de toda a sua formação escolar para a produção textual. "Ou seja, o conhecimento de uma informação, um fato, uma citação ou até mesmo uma experiência vivida pode ajudar, de alguma forma, com o argumento para a discussão proposta. Em função disso, é recomendada a prática de leitura, sejam livros, jornais, revistas e outros, impressos ou digitais. Entretanto, os textos motivadores que compõem a proposta de redação trazem informações importantes sobre o direcionamento dado ao tema e ajudam os participantes na elaboração de seu projeto de texto, desde que não sejam usados como cópia."
Dicas para a hora da prova
Educadores e estudantes que tiveram um bom desempenho em edições anteriores do Enem são unânimes em destacar a importância da preparação para o candidato se sentir seguro no dia do exame. Mas ainda que tenha treinado bastante em casa e na escola, o aluno sempre terá que encarar o nervosismo e a surpresa do tema da redação, que só surgem quando se está diante da prova. O que fazer nessa hora? Confira algumas dicas de especialistas:
Conferir o tema da redação antes de começar a responder a prova objetiva olhar o enunciado do caderno de redação é a primeira coisa a se fazer quando receber a prova;
Não entrar em pânico e deixar a memória trabalhar. Em função do nervosismo, muitos alunos não conseguem se lembrar de nenhum conteúdo relacionado ao tema, em uma primeira leitura, mas isso não significa que eles não tenham essas informações de fato. Ao se concentrar em outras matérias, tendo ciência do tema da redação, a memória do aluno pode trabalhar em estado de menos pressão para relacionar obras artísticas, fatos históricos, análises políticas e outros conhecimentos sobre o assunto.
Quando isso acontecer, é importante anotar a lembrança.
Ler os textos motivadores da prova objetiva procurando informações que possam ser úteis para a redação.
Frequentemente, o exame trata, ao longo das questões objetivas, de temas correlatos ao que será cobrado na questão dissertativa;
Reservar um tempo para o rascunho “decantar” antes de passá-lo à folha de resposta. A revisão final pode ser mais efetiva se o aluno se afastar por alguns minutos do texto, rever as questões objetivas, e só então voltar para a redação.
O que os examinadores querem ler
Competência 1
Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa.
Competência 2
Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
Competência 3
Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Competência 4
Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
Competência 5
Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP)