Independente das discussões ideológicas que recentemente têm despontado nos bastidores da realização do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), as artes costumam refletir a dinâmica social contemporânea ou mesmo buscar painéis do passado que expliquem o presente. Informação e entretenimento podem enriquecer argumentos dos que almejam o ensino superior. Temas diversos, correlatos ou que passam despercebidos pelos especialistas em Educação, despontam entre os filmes exibidos na cidade. Mesmo filmes bastante apoiados na ficção, como é o caso de A crônica francesa (de Wes Anderson), que sistematiza conhecimentos, ao examinar o conteúdo de uma revista fazem a diferença na bagagem cultural de estudantes, que ainda pode ser estimulada no contato com um filme como Pixinguinha, um homem carinhoso. O Correio destaca, abaixo, alguns títulos que aliam saber e sensibilidade.
SARS-CoV-2 — O tempo da pandemia
Sete médicos e especialistas em saúde pública, sob a liderança de Paulo Chapchap, integraram a iniciativa Todos pela Saúde, que foi registrada em documentário realizado entre abril e maio de 2021. Montador de Cabra marcado para morrer (1984), Eduardo Escorel se juntou ao irmão e codiretor do longa Lauro, conhecido como diretor de fotografia de clássicos como Bye Bye Brasil (1979) para a realização. Da linha de frente em localidades problemáticas como São Paulo e Manaus até a situação de falta de equipamentos, o filme registra esforços de profissionais como Drauzio Varella e Maurício Ceschin, especialmente empenhados na condição de pacientes idosos.
Duas perguntas // Irmãos Escorel
Em que se modificou antes e depois da realização do filme, quanto ao tema da pandemia?
Lauro Escorel — A partir de 13 de março de 2020, quando nos impusemos viver o isolamento social, foi ficando clara a gravidade do quadro provocado pela pandemia entre nós. Imagens e depoimentos trazidos pelo noticiário apresentavam um quadro dramático, mas foi só a partir do momento que me envolvi com a realização do documentário que pude compreender a sua real dimensão. Isso foi se dando ao visitar Instituições de Longa Permanência para Idosos e hospitais, ao ter a oportunidade de ouvir diretamente a médicos, especialistas e profissionais da saúde, que atuaram na linha de frente junto ao vírus. Foi ficando claro como desperdiçamos a janela de tempo para nos prepararmos adequadamente para enfrentar a chegada do vírus por aqui. Também ficou evidente que a ausência de uma política coordenada de enfrentamento do vírus era causadora de milhares de mortes absolutamente desnecessárias. E por último passei a ter uma consciência maior sobre a importância de uma política de saúde pública, do fortalecimento do SUS e que a tragédia da morte de mais de 600 mil pessoas poderia ter sido menor tivesse sido outra a postura governamental diante da pandemia.
Quais as suas surpresas e descobertas, no âmbito da ciência, em relação ao coronavírus?
Eduardo Escorel — No auge da pandemia, antes de surgir o projeto do documentário, a maior surpresa para mim, em termos científicos, foi o surgimento de variantes do vírus, sugerindo a possibilidade de a crise sanitária não ter fim. A segunda foi saber que poderemos controlar a pandemia graças à vacinação em massa, mas que a Covid-19 permanecerá entre nós em forma endêmica.
8 presidente 1 juramento — A história de um tempo presente
Um estudo sobre o tráfico de influências, a percepção de espionagem internacional e infinitas denúncias de lavagem de dinheiro aparecem no registro de 35 anos de instabilidade política nacional, no filme de Carla Camurati que tem montagem concisa e isenta de Joana Ventura. Ex-diretora de cultura dos Jogos Olímpicos (2016) e artífice da retomada do cinema brasileiro (com o longa Carlota Joaquina), Camurati parte da emenda Dante de Oliveira (1983), que pleiteava as eleições diretas e a devolução do poder ao povo, para chegar a um cenário de onda populista, confiscos, uso de marketing político, panelaços, privatizações e reeleições. Esquemas de empresas envolvidas na dissolução de riquezas nacionais e descompromisso de mandatários, com posturas incompatíveis com o cargo da presidência também chamam a atenção. Um dos marcos no filme está na elaboração da Constituição de 1988, que captou "diversas ideologias misturadas", como demarcou, à época, o presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães.
Uma história de família
Com a bagagem de quase 70 filmes realizados, o diretor Werner Herzog competiu ao Festival de Cannes com o longa que parece pura ficção, mas tem fundo real. Yuichi Ishii, ator do filme, no dia a dia, é diretor de uma empresa que dispõe de atores que encenam familiares e amigos daqueles que acionarem o serviço. Inspirado em estudo de Freud, a Romance Familiar pensa em restruturar a realidade nipônica, em muito ancorada em crescimento da população de idosos. Um retrato da solidão e da falta de traquejo social está impresso no filme.
Marighella
A figura que alguns tacham de controversa do líder revolucionário de esquerda Carlos Marighella ganha a interpretação de Seu Jorge, no primeiro filme de Wagner Moura como diretor. Resistência, tortura e defesa da liberdade de expressão puxam o enfoque do longa que traz ainda atores como Bruno Gagliasso, Herson Capri, Adriana Esteves e Bella Camero. Em 1969, na Ditadura Militar, vale a lembrança de que o político sofreu emboscada e foi morto, na capital paulista, por agentes do Departamento de Ordem Política e Social.
Sobre a eternidade
Não é apenas nas salas de cinema que a sétima arte pode tocar as mentes. Para quem estiver no conforto do lar, uma opção está no streaming da Reserva Imovison que tem entre os títulos, o premiado Sobre a eternidade. A partir de cenas banais, o diretor sueco Roy Andersson (dono da trilogia Os Vivos) abraça questionamentos divinos e enfatiza o respeito e cuidado com o outro, ressaltando a vulnerabilidade do ser humano. "Quis enfatizar a beleza da existência, de se estar vivo", disse Andersson, em entrevista, no exterior. Atuante, desde os anos de 1970, com prêmios em festivais de Cannes, Veneza e Berlim, Roy Andersson, que já teve retrospectiva montada no Museu de Arte Moderna de Nova York, gosta de falar de guerra e de personagens ensimesmados. Com uma fotografia impressionante a cargo de Gergely Pálos, o longa abusa de imagens inspiradas no Estilo Funcionalista, amparado em simplicidade, por essência.
Aspectos estáticos, um colorido discreto, criação de enigmas, e intenção de harmonia estampam os fotogramas do filme, que segue a escola da Nova Objetividade, operante nos anos de 1920, na Alemanha. O pintor alemão Otto Dix inspirou a obra. Para se ter ideia da realização do filme, uma cena breve (mas marcante) obrigou à recriação de Colônia (parte da cidade foi representada em maquete), em miniatura elaborada por um mês.