Júlia Mano*
Nesta quarta-feira (31/3), por meio de postagens nas redes sociais oficiais, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ressaltou a lisura do processo de correção das provas de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020.
De acordo com a autarquia, os textos podem passar por até quatro corretores, que foram avaliados em um processo seletivo rigoroso e são capacitados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Além disso, o Inep frisa que “o processo é acompanhado em todas as suas etapas e segue rigorosamente os critérios estabelecidos pelo Inep”.
A postagem também afirma que os profissionais selecionados para realizar as correções correspondem aos critérios de formação inicial, que consistem em ter graduação em letras e linguística, e formação continuada. Para desempenhar as funções de supervisor e subcoordenador precisa-se ter, no mínimo, mestrado.
Desde a disponibilização dos resultados para consulta individual, na segunda-feira (29/3) os inscritos utilizam as redes sociais para reclamar de erro na correção das redações. Os estudantes alegam que o resultado final não condiz com o esperado diante da preparação para o exame, ou que houve erro no sistema do Inep, trocando os resultados.
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Inconformados, os participantes levantaram no Twitter a hashtag #REVISAODAREDAÇÃO que até o fechamento desta matéria tinha cerca de 17,9 mil publicações. Além disso, estudantes também criaram um abaixo-assinado na plataforma Charge.org, em que pedem a revisão da prova. Até o fechamento da matéria, acumulava mais de 3 mil assinaturas.
Inscritos relatam insatisfação com a nota
A vestibulanda Bruna Perpétuo, 20 anos, de Ipatinga (MG), também se manifestou pelas redes sociais. “Mantendo o mesmo modelo que eu utilizava no cursinho e que utilizei no Enem de 2019, com algumas melhorias a mais, perdi 100 pontos no Enem 2020 sem nenhuma justificativa plausível”, desabafa. “Não é prepotência da minha parte”, diz.
A estudante tirou 860 na redação, mas esperava uma nota superior a 900. Ela ressalta que alguns candidatos garantiram resultados menores, chegando a receber nota abaixo de 500 pontos. “Mas, em decorrência dos meus estudos e esforço no dia da realização da prova, eu tenho plena convicção que a minha nota não é essa”, afirma.
“Não acho que o erro tenha sido dos corretores e, sim, no sistema, pois o mesmo vem apresentando falhas desde o dia do lançamento das notas. Pela quantidade de reclamações nas postagens no Instagram do Inep, acredito que houve um erro no lançamento das notas”, pondera Bruna.
A estudante Amanda* (que adota nome fictício, pois optou por não se identificar), 20, da cidade de Tubarão, localizada no interior de Santa Catarina, também suspeita de falha do sistema do Inep. Com nota de 860, ela estava confiante que garantiria uma nota 960, tendo como base as obtidas nas edições anteriores do exame.
“Em 2020 me preparei com o melhor curso pré-vestibular, foquei na redação e evolui muito com relação aos últimos anos. Finalmente, entendi como realmente funciona a estrutura e correção do Enem e fui para a prova com a certeza de que tiraria a nota necessária”, conta a jovem.
Bruna e Amanda* tentam conseguir uma vaga no curso de medicina de universidades federais de Minas Gerais e da região Sul, respectivamente. Ambas consideram que apesar da nota ser alta, pode comprometer a aprovação.
Entenda a o método de correção
A atribuída à redação no Enem varia entre zero e mil pontos. Os critérios de avaliação estão previstos na Cartilha de Redação de 2020 que o Inep disponibilizou aos candidatos. Segundo o documento, a correção é feita seguindo cinco competências e para cada uma delas é atribuída uma nota de zero a 200.
A correção é feita por, pelo menos, dois avaliadores. Se ocorrer a diferença superior a 100 pontos na nota final ou se as notas de qualquer uma das competências divergirem em mais 80 pontos, a redação é enviada a um terceiro corretor. Fica a cargo do novo corretor dar outra nota e é feita média aritmética entre a nota total do terceiro avaliador e a que mais se aproxima da dele.
Se acontecer de a nota do terceiro corretor não se aproximar de nenhuma outra, dessa vez, a redação é corrigida por uma banca composta por três corretores, que é formada pelo supervisor e mais dois auxiliares. Eles atribuem a nota final do participante e as anteriores são descartadas.
A professora de redação do cursinho pré-vestibular Exatas Samarah Souza afirma que é muito difícil ocorrer erro na correção da redação do Enem, justamente pelo uso de dois, no mínimo corretores para a avaliação.
Enem reforça método com dois corretores
A professora de redação do Colégio Sigma Sarah Benites também tem a mesma percepção. Ela ainda compara ao Cespe (atual Cebraspe): “ (Na banca) existe a possibilidade de você pedir recurso porque a sua redação é corrigida por um único profissional. Então, quando a sua redação é corrigida por uma única pessoa existe a possibilidade de, às vezes, elas se equivocarem e cometerem um erro”, exemplifica. “Já no Enem, a sua redação é corrigida por pelo menos dois corretores”.
“Existe também o critério de compreensão da proposta e ele é avaliado em três competências, basta olhar a grade específica de correção que o Inep publica. Nessa grade, diz assim: que se a pessoa fugir parcialmente do tema, ela vai perder nota em três competências, competência 2, competência 3 e na competência 5”, completa Samarah.
A professora Samarah também afirma que quando existe fuga parcial do tema o aluno pode perder até 480 pontos. “O tema tem quatro pilares: o estigma associado às doenças mentais no Brasil. Então, tinha que falar de tudo isso. Eu percebi que muita gente esqueceu de falar do estigma, então, não adianta nada, vai perder nota por fuga parcial do tema”.
Samarah também explica que um outro ponto que os participantes têm o costume de esquecer de abordar no texto é focar no Brasil e, por isso, acabam perdendo nota. “Se a pessoa se esquecer de um pilar do tema, que também foi Brasil, ela perde nota”, observa. “E, na cartilha eles deixam muito claro que não adianta só mencionar na introdução. Não adianta eu mencionar o tema todo e, no desenvolvimento, eu não desenvolver o Brasil”, completa.
“Eu acho que eles perderam nota por isso daí. É muito difícil a nota do Enem estar errada, porque a correção é muito bem organizada”, pondera. “Esse tema foi difícil mesmo e também acredito que, por causa da pandemia, muita gente ficou sem aula e acabou perdendo algumas informações importantes como essa da compreensão da proposta”, finaliza a professora Samarah.
Cartilha do participante lista regras
O documento é publicado todos os anos. Nele estão presentes todas as orientações que o participante precisa saber para escrever a redação no dia do exame. Além disso, é informado ao inscrito como vai ser avaliado o texto dele, os critérios e exemplos de redações que foram nota mil na edição passada.
Para acessar a cartilha do Enem de 2020, clique aqui.
Até o fechamento da matéria o Inep não se manifestou acerca das alegações de falha no sistema e possíveis erros na correção das redações. Também tentamos contato, mas não obtivemos retorno do Instituto.
*Estudante da UnB sob a supervisão da editora Ana Sá
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