A versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) cravou mais um recorde em número de abstenções: 68,1% de faltas. A ausência de mais da metade dos inscritos se juntou ao registro de falhas técnicas nos computadores utilizados, o que rendeu críticas ao plano de expansão do modelo até 2026.
Na edição de 2020, o Enem Digital consiste em uma aplicação-piloto, ou seja, um teste com número limitado de candidatos. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) planeja uma implantação progressiva, com previsão de consolidação do modelo em cinco anos.
A autarquia justifica que haverá economia com a impressão, ganho para o meio ambiente e possibilidade de utilização de novos tipos de questões, com vídeos, infográficos e até com a lógica de games, além de tornar possível aplicar o Enem em mais municípios.
A coordenadora do comitê distrital da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Catarina de Almeida Santos, ressalta que não há problema em aplicar o Enem Digital para aqueles que optem por fazer essa versão, mas considera que o plano de expansão até 2026 pode criar uma barreira a determinados estudantes e criar exclusão.
Catarina ressalta que o discurso da modernização não leva em conta a falta de inclusão tecnológica dos estudantes. “Grande parte dos candidatos ao Enem não estão habituados (ao modelo). Então, quando você pensa em fazer essa prova para todo mundo de forma digital, você cria mais uma barreira de exclusão, e nós já temos várias”, ressalta.
“Nós temos uma série de elementos que precisamos resolver antes de pensar numa avaliação dessa natureza, como verificar se as nossas escolas têm equipamentos tecnológicos disponíveis, se os alunos estão habituados a fazer atividades e processos de avaliação nessa plataforma, arranjar maneiras de ter sistemas que não ficassem travando e, assim, não adicionassem uma tensão a mais”, afirma
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), ela considera a aplicação do Enem digital ou impresso neste momento um equívoco, pois expõe os inscritos ao risco de contaminação. Também ressalta que, por ser um modelo de teste, não poderia ser aplicado em um ano de pandemia, levando em conta as altas taxas de abstenção. “Não é uma questão simples você mudar um mecanismo desse num país que não tem inclusão tecnológica.”
Ubes considera as falhas resultado da falta de planejamento
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundarista (Ubes), Rozana Barroso, considera que a tecnologia pode ser uma grande aliada para a educação, mas ressalta que as falhas do Enem Digital são fruto de falta de investimento e planejamento. “É inadmissível um estudante ir fazer a prova, esperar três horas dentro de uma sala fechada e receber a informação de que o computador não funcionou e precisa voltar para casa”, diz.
“Muitos estudantes foram impedidos de realizar a prova porque o computador não funcionou ou o sistema não funcionou. E tantos outros nos relataram que conseguiram começar a realizar as provas apenas às 15h”, afirma. Ela também destaca a desigualdade que o processo pode gerar com a expansão do modelo.
Segundo ela, a escola pública precisa acompanhar o desenvolvimento da tecnologia. Por enquanto, em geral, as escolas públicas têm quadro negro e giz. As que contam com salas de informatica, têm computadores que não funcionam. "Isso tudo precisa vir com um projeto de reestruturação das nossas escolas”, sugere.
Alunos relatam experiências positivas e negativas
Neste domingo (31/1), eram esperadas mais de 93 mil pessoas para realizarem o exame nos 1.028 locais de prova. Só no Distrito Federal eram esperados 3.764 inscritos. No entanto, na capital federal, o contingente de faltas chegou a 62,5%.
Em certas localidades, porém, alunos foram impedidos de realizar o Enem pro problemas técnicos. É o caso dos inscritos alocados na Universidade Católica de Brasília (UCB). O técnico de enfermagem Rafael Sousa, 19 anos, estima que ficou na unidade por duas horas até ser informado de que a prova não seria aplicada.
“A coordenadora em sala disse que deveríamos ligar assim que saíssemos do local de prova e explicar o ocorrido naquela tarde na UCB, porém o número fornecido não estava em horário de funcionamento no dia, tentei contato hoje (1º/2) sem sucesso”, conta.
Rafael destaca que também foi orientado que deveria comparecer ao segundo dia de prova no próximo domingo (7/1). “O que era para ser apenas sete dias para o fim do Enem 2020 para mim se tornou um mês de atraso”, lamenta.
O estudante do 1° semestre de letras da Universidade de Brasília Macaulay Ribeiro da Silva, 19, considera que o sistema do Inep deixou a desejar. Ele, que também estava na UCB neste domingo (31/1), relata que, às 13h30, os aplicadores disseram para esperar para que todas as salas pudessem começar ao mesmo tempo.
“Achei que seria coisa rápida, mas não foi. Passou uma hora e perguntei qual era o problema de fato”, relata. Ele afirma que foi informado de um problema no sistema geral da instituição que só se normalizou depois das 15h30. “Até então, eu acreditava que poderia acontecer a prova, mas, às 16h, nos avisaram sobre o cancelamento, sendo necessário a buscar a reaplicação”, descreve.
Para alguns, a experiência foi positiva. Caso de Marcelo Henrique, 20, que fez provas no Centro Universitário de Brasília (Ceub). Ele avalia que, de modo geral, o exame foi muito bom e não teve problema algum. “Do lado de fora, havia aglomeração, não houve uma sinalização ou alguém para controlar o distanciamento social. Apenas ao entrar que tinha uma verificação de temperatura e álcool em gel”, destaca.
Segundo o estudante, os computadores eram de ótima qualidade e o programa tinha um bom suporte e dava liberdade para marcar e rasurar na prova. A única crítica de Marcelo é quanto ao espaço em que estava sentado ser estreito.
Reaplicação garantida, segundo o Inep
Procurado, o Inep informou que o número exato de locais com problemas de aplicação ainda será apurado. Também informou que os candidatos que não puderam fazer as provas neste domingo por problemas técnicos dos computadores podem solicitar a participação na reaplicação impressa dos dias 23 e 24 de fevereiro. Os candidatos terão de 8 de fevereiro até 12 de fevereiro para solicitar a participação na Página do Participante.
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*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa