Ana Maria Freitas, 64 anos, é uma das 16.289 candidatas idosas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020. Pelo sonho de cursar medicina, ela se matriculou num curso pré-vestibular há nove anos.
Tenta agora o Enem pela quinta vez em São Paulo, onde mora. Jornalista e cientista social, Ana Maria tem duas graduações no currículo, mas ainda deseja conquistar a terceira, em medicina.
Pondera que só participou da prova no último domingo (17/1), durante a pandemia, porque a sala estava vazia e bem ventilada, portanto se sentiu segura. Para este domingo (24/1), o segundo dia de testes, a resolução será a mesma. “Eu vou fazer a prova e, se tiver tumultuado, eu volto. Não vou arriscar a vida”, pontua.
Para ela, a prova de humanas foi mais difícil do que esperava, mesmo sendo a área de domínio da aposentada. Para as provas de matemática e ciências da natureza, Ana Maria está “rezando muito” para se sair bem, pois são as áreas em que mais tem dificuldade.
Casada, mãe de três filhos e avó de uma neta, Ana Maria também tem receio quanto à TRI (teoria de resposta ao item), método de correção do Enem. “Meu maior medo é TRI, porque posso ter errado coisa básica e comprometer minha nota”, diz.
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Escolha do curso surgiu após doença do filho
Ana Maria se formou em jornalismo e ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e conta que, desde muito cedo, sabia que queria ser jornalista pelo fato de o pai ler muito jornal e ela ter adquirido esse hábito. A faculdade em ciências sociais veio logo depois, para complementar a formação. Depois de anos trabalhando com o jornalismo, ela descobriu que queria ser médica.
“Um belo dia passei na porta do cursinho, há nove anos, e me inscrevi”, conta a paulistana. A escolha do curso veio da mudança de rotina que a família sofreu. Em 1980, ela teve um filho que, três anos depois, foi diagnosticado com polineuropatia, distúrbio simultâneo de diversos nervos periféricos no organismo.
“Passei a frequentar hospital com regularidade absurda, ia todos os dias. Então, comecei a estudar sobre a doença e a ficar interessada”, explica. Ana Maria trabalhava como jornalista na época e sempre fazia sugestões de pautas sobre saúde. “Eu brincava que ia a congressos médicos muito mais que os próprios médicos, porque ia fazer cobertura.”
Estudar on-line foi uma surpresa
Antes da pandemia, Ana Maria frequentava o cursinho em São Paulo no período noturno. “Eu ia religiosamente todos os dias. Era a minha melhor atividade”, compartilha. Porém, com a pandemia, o ensino a distância foi imposto, o que trouxe um modelo diferente de aprendizado para Ana Maria e novos desafios.
Logo no início do isolamento, a escola disponibilizou módulos gravados, contudo nos últimos meses passou a fazer aulas síncronas com os alunos. “Só agora que estou pegando o jeito das aulas, porque 2020 não foi fácil”, observa.
Arquivo Pessoal - Ana Maria Freitas tem 64 anos e está prestando o Enem pela 5ª vez
O saber não se perde
E a idade não é empecilho para Ana Maria continuar em busca da vaga para cursar medicina: “na pior das hipóteses, eu morro sabendo. Enquanto eu estou bem de saúde, não há motivo para parar”. A aposentada reflete que tem muito para oferecer para a medicina, seja em hospital, seja na área de pesquisa.
Apesar de não estar muito esperançosa para que a provação finalmente venha este ano, Ana Maria ressalta que não vai desistir e que o principal ensinamento que quer deixar para os filhos e netos é que todo estudo vale a pena.
“Sou economicamente privilegiada, porque pago para fazer cursinho, mas os bens que eu tenho eles podem ir embora a qualquer momento. Agora o conhecimento não. Eu estou preparada para continuar a vida por muitos anos e quero fazer medicina, porque acho que ainda tenho muito a doar para a sociedade”, afirma.
“Minha irmã já falecida era enfermeira e sinto que eu estaria dando sequência ao aprendizado dela”, reflete. O objetivo de Ana Maria é estudar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mas não descarta outros vestibulares de medicina.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa