
Por Ana Paula Yazbek*, Ângela Kim* e Ana Lucia Bresciane*
Num contexto de debate intenso sobre a série Adolescência, lançada pela Netflix, não há como evitar com que nós, adultos responsáveis pelo cuidado de crianças e adolescentes, pensemos sobre formas de combate ao bullying e ao cyberbullying.
Hoje, sabemos, amparadas por pesquisas do Instituto do Cérebro, que crianças e adolescentes que sofrem bullying são mais propensas a desenvolverem depressão e ansiedade. Além disso, a Unesco aponta que vítimas de bullying na infância ou adolescência apresentam resultados escolares piores, maiores chances de abandonar os estudos após o ensino médio, além de terem mais chances de problemas futuros com drogas, transtornos alimentares, entre outras doenças.
Diante disso, queremos transformar as escolas em espaços que ajudem as crianças a alcançarem seu pleno potencial de desenvolvimento, em ambientes livres de qualquer tipo de violência. Mas como identificar quando estudantes estão em sofrimento ou com dificuldades de lidar com suas emoções?
A adolescência é uma fase desafiadora, com mudanças físicas e comportamentais. Por isso, é fundamental manter ou construir vínculos, mostrar empatia e estar abertos para o diálogo, sobretudo relacionado às transformações em curso. Assim, temos mais oportunidades de identificar mudanças na atitude dos estudantes, como aumento da irritação, queda do desempenho escolar ou sinais de isolamento, quando começam a evitar interações com professores e colegas.
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Isso porque nem sempre o sofrimento é expresso diretamente. Às vezes, ele se manifesta em atitudes, pequenos comentários ou na forma como a pessoa interage com os outros. Os sinais não verbais importam: o corpo também comunica sofrimento, como adolescentes que se machucam, usam roupas inadequadas para o clima (por exemplo, sempre muito cobertos mesmo em dias quentes) ou causam a si mesmos algum tipo de desconforto.
Todos esses elementos reforçam a importância da presença ativa dos adultos, do acompanhamento consciente e do incentivo ao pensamento crítico. Nesse sentido, professores e educadores podem ensinar, desde cedo, uma criança a identificar e nomear emoções e incômodos do dia a dia ajudando no desenvolvimento da inteligência emocional e na capacidade de lidar com frustrações e outros desafios.
O que fazer com o ambiente on-line?
O fato de a escola ser um espaço de proteção e restrição do uso do celular ajuda a criar oportunidades para interações sociais mais saudáveis. Cada vez mais, temos nos aprofundado na educação digital, ensinado crianças e adolescentes a identificarem fake news e diversos tipos de violências.
Nesse processo educativo, um dos nossos papeis é reforçar a importância de os adultos acompanharem o acesso às redes, explicando que não se trata de invasão de privacidade, mas de garantia de proteção, já que o excesso de informação em si já pode ser prejudicial. É também estimular o olhar crítico sobre os conteúdos on-line, discutindo os impactos que a tecnologia pode ter sobre as emoções e o bem-estar.
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Não há como fugir da conversa sobre como os padrões irreais de sucesso podem gerar angústia e pressão sobre a autoimagem e a identidade dos jovens. Ou da consciência sobre algoritmos, sobre como os conteúdos consumidos podem reforçar ideias prejudiciais, tornando-as aparentes como verdades absolutas.
O combate ao cyberbullying não é simples, pois além de ajudar adolescentes a se fortalecerem emocionalmente, também precisamos estimulá-los criar um ambiente digital mais seguro e respeitoso. E para isso é preciso que o contexto escolar seja um exemplo.
Escolas precisam ser ambientes colaborativos e participativos, onde as diferenças são inseridas como algo positivo, propositivo e desejável. Precisam ser espaços que não normalizam microviolências cotidianas, que estimulam a empatia.
Crianças e adolescentes precisam saber que há um adulto atento, não como um vigilante, mas como um apoio, ajudando os estudantes a compreenderem o impacto de seus atos. Mas isso acontece apenas quando os adolescentes se sentem confortáveis para expressar suas fragilidades sem medo de serem atacados. E esse é o momento para refletir sobre os motivos que levam um jovem a atacar o outro, como inseguranças pessoais, pressão social e dinâmicas de aceitação dentro dos grupos.
Estamos diante de um momento oportuno para essa conversa, entre nós adultos, profissionais da educação, e com os adolescentes. Podemos utilizar notícias ou séries como gatilhos para reflexões sobre o cyberbullying, mesmo que não tenham ocorrido na escola. Não precisamos esperar uma agressão acontecer. Podemos trabalhar para que o combate ao bullying e às violências na escola não seja um assunto tratado apenas na efeméride de 7 de abril, mas como princípio da educação.
*Especialistas do Espaço Ekoa, escola de educação infantil