
Demorou 16 anos, mas Otavio Augusto Mota finalmente reencontrou o pai. É assim que o jovem de 25 anos descreve o que não se trata de um encontro físico, ou nem mesmo em um mundo espiritual, mas no resgate da memória de quem foi seu progenitor.
Carlos Mota ajudou a traçar a história da educação no Distrito Federal. Em 2008, aos 44 anos, o educador foi morto após tentar combater o tráfico na escola em que era diretor. Hoje, o Centro de Ensino Fundamental Lago Oeste leva seu nome: Centro Educacional (CED) Prof. Carlos Ramos Mota.
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Agora, o professor é imortalizado em documentário produzido pelo filho e jornalista recém-formado, Otavio. “Eu acredito que a memória é o bem mais precioso que a gente carrega na vida”, conta. O jovem, que tinha apenas oito anos quando sofreu a perda, diz ter menos memórias do que gostaria do pai.
Ele se lembra dos passeios na garupa da moto, da família reunida para ouvir o pai contar histórias de suspense e de querer ouvir o causo até o final, apesar do medo, e de Carlos dizer “por hoje é só”. Ele também se lembra das horas que antecederam a tragédia, em 20 de junho de 2008. Naquele dia, o pai foi buscá-lo na escola e pediu que ele ficasse comportado, pois havia passado o dia todo com dor de cabeça.
Em analogia feita por Otavio, ele diz que conhecia as peças, fragmentos da vida do pai, mas não conseguia visualizar o quebra-cabeça. “Eu tinha oito anos, então eu carreguei a angústia de não saber quem meu pai era”, conta. “Esse trabalho vem tanto do meu luto quanto da minha curiosidade”.
O documentário Carlos Mota - entre arquivos e lembranças resgata a trajetória do professor, com relatos de amigos, familiares e recortes de vídeos do próprio homenageado. A história passa por momentos da vida pessoal e da carreira de Carlos, descrito como um educador à frente do seu tempo que acreditava na educação como ferramenta de transformação social. Segue então até o crime, com os responsáveis pela investigação e cobertura jornalística da época.
Memória dos educadores
Mas a missão do jornalista vai além de retratar Carlos como pai e indivíduo. Otavio conta que o maior desafio do trabalho foi entender como retratar e preservar a memória de educadores e educadoras. “Conversei com alunos de sexta e sétima série que não tiveram nenhum contato com o professor, só sabiam que o nome da escola era Carlos Mota”, relata. “A minha primeira sensação foi um pouco de tristeza assim, poxa, acho que é sempre legal a gente saber o lugar que a gente tá pisando”.
Em 2009, começou a tramitar o Projeto de Lei 191/2009, a Lei Carlos Mota. A proposta de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS) previa medidas protetivas em caso de violência contra professores. A norma, no entanto, se arrastou pelas casas legislativas até ser arquivada no fim da legislatura de 2018.
A intenção de Otavio é trazer a pauta de novo para o debate público. Segundo Otavio, a proposta já chegou ao senador, que recebeu o jovem no gabinete dele e falou sobre a possibilidade de desarquivar o PL.
Caso Carlos Mota
A morte de Carlos Mota, em 2008, chocou o Distrito Federal e escancarou a violência vivida pelos educadores no país. O então diretor foi morto na casa onde morava, no Lago Oeste, a mando de pessoas envolvidas com o tráfico no local.
Quatro homens foram presos pelo crime, entre eles, dois ex-alunos e um aluno da instituição. Investigação descobriu que o mandante do crime, Gilson de Oliveira, foi expulso da escola por Carlos após descobrir que ele atuava como traficante nas dependências da unidade.
