Betina von Staa*
O governo deve ou não proibir celulares nas escolas? Argumentos acalorados para todos os lados não faltam. Será que cabe ao governo determinar algo assim? Será que, ao proibir tecnologia nas escolas, estamos retrocedendo? Os professores conseguem ter controle sobre suas aulas se a imposição não vier de fora? Os pais estão fazendo sua parte com relação à educação sobre o uso saudável do celular?
Não falta motivo para debater e polarizar, e as redes sociais devem estar achando essa discussão ótima, pois está rendendo likes, tráfego, tempo de conexão e tudo que se gosta para monetizar serviços sem que o usuário perceba que está pagando por ele, com tempo e atenção.
O problema é que, no caso dos celulares, temos que avaliar a situação em camadas, e identificar, a cada passo, sobre o que estamos discutindo. Celulares são equipamentos. Em princípio, não fazem mal a ninguém. No entanto, trazem aplicativos dos mais variados — redes sociais, bets (aplicativos de apostas), plataformas de notícias, de vídeos, de compras e tudo o que a criatividade humana tem sido capaz de inventar. Esses apps gostam de receber atenção: mandam notificações, barulhinhos, “tremidinhas”, foguinhos, e, se você não responder a ele, ou pior, ao amigo ansioso que “precisa de uma resposta agora”, você pode fica ansioso ou ser mal-interpretado.
As pessoas atendem chamados no celular durante refeições, consultas médicas, aulas, trabalho, (no cinema e no teatro tem que desligar), no meio da conversa com o amigo ou com a namorada, na festa, depois de ter ido dormir. E se não estão com o celular à mão, ficam nervosas, pois já pensam que devem estar perdendo algo. E quem está por perto – o amigo, a namorada, a professora, o colega, fica com aquela cara de pastel, esperando o outro atender algo mais urgente do que aquele momento presencial.
Vamos, então, às responsabilidades de cada um nessa história: As famílias precisam educar seus filhos de que há momentos para usar o celular e momentos para não usar. Mas quem orientou essas famílias? A tecnologia com as notificações e impulsionamentos chegaram a elas sem que tivessem pedido, e tanto adultos quanto idosos, adolescentes e crianças se veem atraídos pelos aplicativos. Não entendem por que estão ansiosos, irritadiços, com menos tempo de qualidade uns com os outros.
Ou seja, não dá para colocar toda a responsabilidade sobre o bom uso dos aplicativos que circulam nos celulares sobre as famílias. E na escola? Mesmo com os celulares guardados, cada vibração que chame a atenção do aluno corta a sua atenção sobre o que está acontecendo na aula. Se um professor proíbe sozinho, ele é chato e antiquado. Se a escola proíbe, está andando para trás. Se o governo proíbe, é radical.
E quando nós vamos ter as atividades significativas e de cunho educativo com tecnologia? Sim, elas podem ocorrer em dispositivos próprios para este fim, com combinados, por exemplo. O fato é que não importa o que um aluno esteja fazendo: se receber uma notificação externa, sua atenção vai, sim, para o espaço.
Bom senso é bom, sempre. Fazer os combinados na família e na escola é bom, sempre. Mas não podemos nos iludir que o bom senso vai resolver a situação. Os aplicativos de hoje são como carros sem regras de trânsito e equipamentos de segurança. Além da atenção que eles consomem por que foram programados para isso, permitem que crianças acessem tudo que é proibido na televisão, no cinema, no teatro. O controle do tipo de propaganda permitida ou proibida, de acordo com o meio, horário e classificação etária não existe no mundo dos aplicativos e das redes sociais.
O conteúdo que faz mal para a saúde mental, muitas vezes, nem foi postado para fazer mal, mas simplesmente faz. Uma foto inocente de uma amiga pode gerar mal-estar na outra. E, de que forma, família e professor terão para entender e controlar um tempo recomendável de férias de uma rede social ou de um app para tratar a ansiedade de uma criança?
O fato é que não vamos conseguir controlar as redes sociais e os aplicativos com as estratégias antigas conhecidas de bom senso e de controle de tempo de uso ou do tipo de conteúdo que se disponibiliza para diferentes públicos. É necessário regular os próprios aplicativos: seus algoritmos, sua forma de impulsionar e notificar, os horários que eles mesmos devem “se colocar em silêncio”, que tenham formas para bloquear quando são consumidos por crianças, e muitas outras questões.
E isso não será feito pelas famílias, professores, nem pelo governo que proíbe, mas sim, pelo governo que regula. Assim como os carros, os indivíduos só conseguem usar o cinto de segurança, não dirigir — se tiver bebido — ou não usar um carro — se não tiver habilitação —, porque são regidos por regras previstas em lei. Para que cintos de segurança retráteis e airbags aparecessem em todos os carros, antes foram criadas regulações legais. E isso se aplica até aos semáforos, foram instalados mas para que fossem respeitados, foi necessária a legislação.
Não vamos confiar somente no bom senso para usar as novas tecnologias com segurança. Isso é covardia com o cidadão. Precisamos de leis que gerem segurança dos algoritmos. E para criar uma sociedade que exija isso dos seus legisladores, é preciso, sim, e também ensinar como essas tecnologias funcionam na escola!
*Betina von Staa é educadora, doutora em linguística aplicada, mestra em análise do discurso e fundadora da BvStaa, consultoria para o desenvolvimento de aprendizagem híbrida e digital.
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