Tamara Vizioli se orgulha ao falar da própria trajetória. Arquiteta e neurocientista, ela é convicta do caminho que a levou aonde está hoje: o da educação. Ainda assim, as recordações revelam desafios e dificuldades, comuns a milhões de estudantes negros no país.
“Na escola, tinha xingamentos, falavam do meu cabelo”, recorda. “Depois, eu fui para a vida adulta e não conseguia emprego, não queriam dar para uma mulher negra um emprego diferente de empregada doméstica.”
Hoje, Tamara é mãe do Miguel, de 14 anos, e acredita que essa nova geração é mais acolhedora com a diversidade, o que dá a ela a esperança de que o filho não vá encontrar as mesmas dificuldades no mercado de trabalho e na escola. Embora comemore a mudança, a arquiteta diz que ainda é perceptível a ausência de pais e estudantes negros na escola particular onde o filho estuda.
A professora Gina Vieira Ponte, fundadora do projeto Mulheres Inspiradoras, explica que a maior entrada de pessoas negras na universidade mudou o cenário educacional e socioeconômico nos últimos anos. “Durante muito tempo, a escola particular tinha uma hegemonia de pessoas brancas. Os alunos negros que estudavam eram bolsistas. Hoje, há pessoas negras que conseguem estudar, fazer mestrado, doutorado”, explica.
Essa maior ocupação exige novas políticas das escolas particulares, mas não só delas. A Lei nº 10.369, de 2003, prevê a inclusão e obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira no currículo das escolas. Ou seja, a promoção de uma educação antirracista já é lei, e agora se torna mais importante do que nunca.
Formação
Mas o que faz uma educação antirracista? Para Gina Vieira — e outros especialistas — não se trata apenas de celebrar datas como o Dia da Consciência Negra, o que ela chama de “pedagogia de eventos”, mas sim de colocar a diversidade étnico racial em todo o plano didático. Isso começa, segundo a especialista, pela formação adequada dos educadores, trabalho que ela exerce há quase dois anos, quando se aposentou da rede pública de educação do DF.
“Não é raro, durante as formações, eu ouvir de professores falas do tipo ‘eu não sei por que que você está falando isso, você está incentivando que há povos diferentes, nós somos um só povo’, então veja a lacuna na formação desses profissionais da educação”, comenta.
Felizmente, algumas coisas têm mudado. Para a professora, as unidades de ensino têm sido despertadas ou, algumas vezes, constrangidas para a necessidade de falar sobre o tema. “Acho que a gente tem avanços a comemorar, porque a gente saiu daquela situação em que o racismo já estava tão naturalizado que as pessoas sequer denunciavam”, comenta. “Hoje, quando a gente vê essas situações de racismo sendo reportadas, elas são um excelente termômetro de como a percepção das pessoas mudou, porque quando veem essas notícias, elas ficam chocadas.”
Tamara também tem percebido a mudança na escola onde o filho estuda. Durante uma palestra na instituição sobre o tema, a mãe se emocionou ao ver como o assunto ganhou holofotes e o quanto os pais dos alunos demonstraram interesse em aprender. “Mesmo que a escola tenha poucos alunos negros, ou mesmo se não tiver nenhum, o assunto precisa ser falado, porque a diversidade está aí e precisamos celebrar”, finaliza.
Escolha a escola do seu filho
O Correio deu a largada para o especial que, todos os anos, mostra essa e outras novidades do mundo da educação para ajudar os pais na importante decisão a respeito da trajetória escolar de seus filhos. O especial Escolha a escola do seu filho chega à 18ª edição com podcasts, vídeos e reportagens para ajudar na escolha. Confira no site especial, pelo link escolhaaescola.correiobraziliense.com.br e também na edição impressa e digital, no próximo domingo (15/9).
PARA LER MAIS
Você pode aprender mais com obras de diversos estilos e para todos os tipos de público. A professora Gina Vieira separou algumas indicações sobre o assunto.
Com qual penteado eu vou?
Com qual penteado eu vou?, da escritora Kiusam de Oliveira, é um livro infantil que celebra a diversidade e a beleza de cada criança. Na narrativa, os bisnetos de Seu Benedito homenageiam o bisavô escolhendo penteados para usar na festa de 100 anos dele. A autora tem ainda outras obras infantis que valorizam a beleza negra, como o livro O black power de Akim.
História preta das coisas
História preta das coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras é um livro para celebrar inventores negros em todas as épocas da história mundial, com contribuições essenciais desde o início das civilizações, como o calendário e o papiro, até as mais recentes, como a vacina contra a covid-19 da Pfizer. A autora Bárbara Carine Soares Pinheiro tem ainda uma narrativa infantil, História pretinha das coisas: as descobertas de Ori, em que Ori, uma menina de Salvador (BA), faz uma viagem pelas grandes invenções.
Dispositivo da racialidade
Uma das obras mais consagradas da filósofa Sueli Carneiro, Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser, traz uma interpretação sob uma perspectiva filosófica, de como a identidade e a intelectualidade de pessoas negras foi negada ao longo da história com os ideais de supremacia branca. A autora, um dos grandes nomes do movimento negro da atualidade, reforça a importância primordial de uma educação para as relações étnico-raciais.