A inteligência artificial (IA) pode ajudar a transformar a educação em um ambiente prático, personalizado e assertivo — e a tendência é que ela se torne cada vez mais comum nas salas de aula nos próximos anos. No entanto, nem todas as escolas têm a estrutura necessária para utilizar as ferramentas de IA, sobretudo no Brasil, marcado por desigualdades sociais e econômicas. Neste sentido, cientistas vêm estudando as possibilidades para levar a tecnologia a diversos lugares por meio da inteligência artificial desplugada.
"Para definir IA desplugada, eu falaria primeiro em termos de computação desplugada, que é proposta por meio de um estudo de lógica computacional sem utilizar um computador de fato. As atividades são lúdicas e não precisam de muito recurso financeiro", explica João Pilla, formado em ciências exatas pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do artigo A influência dos fundamentos da Inteligência Artificial (IA) no processo de aprendizagem em ciências da natureza.
"A IA desplugada segue a mesma linha de atividades. Por exemplo, a utilização de jogos e simulações em grupos sobre tomada de decisão, algoritmos desenvolvidos em papel e práticas que trabalham o raciocínio lógico", complementa.
Pilla, orientado pelo educador da USP Herbert Alexandre João e pelo professor de física Rogério Vargas, ministrou uma disciplina eletiva em uma escola estadual de ensino integral entre agosto e dezembro de 2022. Ele introduziu os conceitos de inteligência artificial para as crianças que não tinham contato com nenhuma ferramenta computacional.
O cenário de desconhecimento tecnológico não é raro, especialmente na rede pública de ensino. Em 2022, o Brasil ainda tinha 9,5 mil escolas sem conexão com a internet, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Seis estados brasileiros tinham, inclusive, mais de 10% das escolas sem acesso à rede: Acre (46%), Amazonas (40,9%), Roraima (36,1%), Pará (27,9%), Amapá (27,5%) e Maranhão (11,9%).
Entre as escolas com conexão à rede, apenas 11% têm internet na velocidade tida como adequada pela Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), do governo federal. O levantamento foi realizado com um medidor de qualidade de conexão em 32.379 instituições públicas com mais de 50 alunos no principal turno. Conforme o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), somente 3.640 unidades tinham internet com velocidade de download igual ou superior a 1 Megabyte por segundo (Mbps), que é o referencial da Enec.
Na prática
O presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação, Seiji Isotani, vem desenvolvendo ferramentas que podem ser utilizadas com pouca conexão para auxiliar professores com a dinâmica em sala de aula. Foi ele, inclusive, quem desenvolveu o conceito de "inteligência artificial desplugada".
"O que conseguimos fazer é repensar como desenhamos essas tecnologias de inteligência artificial para que elas possam ser utilizadas em ambientes sem acesso à internet ou com acesso em baixa qualidade e com um único dispositivo compartilhado. Desenvolvemos, então, uma ferramenta para ajudar os estudantes a escreverem melhor, que precisa de internet em algum momento, mas não o tempo todo", explica (leia a entrevista completa na página 26).
Segundo Seiji, os alunos que estão trabalhando a escrita fazem uma redação no papel e alguém da escola — que tenha um celular que tire fotos — registra o trabalho numa fotografia e sobe no aplicativo. A IA, então, processa as informações da redação e retorna uma espécie de painel de informações para o professor, com dados sobre as maiores dificuldades dos alunos, como escrita formal, coesão e fuga ao tema.
"O grande desafio é repensar e redesenhar as tecnologias de IA para atender a população que não tem acesso aos recursos. Nesse contexto, o Brasil é uma potência. Somos uma potência na construção de tecnologias de inteligência social para serem utilizadas em ambientes com restrição de recursos", ressalta Isotani.
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