Eles são um aliado na hora de fazer pesquisas, ajudam a nos manter conectado com outras pessoas e agregam conhecimento na vida de milhares, mas podem ser uma distração, especialmente para crianças e adolescentes em idade escolar. Em um mundo cada vez mais conectado, em que eles têm acesso cada vez mais cedo à tecnologias, o debate sobre o uso dos aparelhos em sala de aula pouco a pouco tornou-se mais urgente e importante, e essas conversas tendem a aumentar cada vez mais, segundo especialistas.
A pesquisa TIC Educação 2023 — divulgada em 6 de agosto de 2024 — mostra que em 64% das escolas de ensino fundamental e médio do Brasil, existem regras sobre o uso do telefone, especialmente aquelas que envolvem o uso dos aparelhos apenas em determinados espaços e horários, como em recreios e intervalos entre as aulas.
Do recorte de escolas que constam no levantamento, 28% dos estabelecimentos do país restringem por completo o uso do celular. Ao todo, foram ouvidas 3.001 escolas de ensino fundamental e médio públicas (municipais, estaduais e federais) e particulares, entre os meses de agosto de 2023 e abril de 2024, por todo o Brasil.
Debate
Para Daniela Costa, coordenadora da pesquisa — divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) —, o debate sobre o tempo de tela também tem contribuído para aumentar a discussão entre pais, responsáveis, educadores e estudantes sobre como equilibrar o uso de tecnologias com a realização de atividades off-line.
"É possível que a implementação de regras para uso do dispositivo pelos alunos cresça, uma vez que há um debate aberto na sociedade sobre a necessidade de refletir sobre formas de garantir o bem-estar e a segurança dos alunos no uso de tecnologias digitais", pontuou Daniela.
A especialista salienta ainda que o debate ressurgiu após um grande crescimento no uso das tecnologias durante o período da pandemia de covid-19 e que, por isso, houve a necessidade de encontrar alternativas para as diversas atividades que deixaram de ser realizadas de forma presencial, especialmente as atividades educacionais.
"A maior disseminação do uso desses recursos foi acompanhada também pelo crescimento na percepção de que as tecnologias poderiam representar riscos ao bem-estar dos indivíduos, especialmente crianças e adolescentes, por conta desse período do desenvolvimento cognitivo e psicossocial ser crucial para a sua formação", destacou.
Para Geraldo Eustáquio Moreira, professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (PPGE/UnB), existem pontos negativos e pontos positivos sobre o uso do celular em sala de aula.
Entre os pontos positivos estão o fácil acesso à informação, o uso dos celulares para atividades pedagógicas, a inclusão de alunos com deficiências e a utilização de inteligência artificial e programação, que podem dar mais dinamismo às aulas.
Contudo, o especialista ressalta os lados negativos do uso. Um deles é a perda de tempo da aula, pedindo que os alunos guardem os aparelhos. Há também a exclusão de alunos que não têm os aparelhos, o cyberbullying — que é um debate extremamente atual ao se discutir celulares em sala de aula — e a falta da socialização.
"A escola é um local de socialização com os estudantes da mesma idade, e o celular já tira isso em casa e no convívio com a família, porque muitas vezes o pai, a mãe e a criança estão cada um com um celular. Então, na escola, que é um lugar de ambientação, a tecnologia, nesse caso o celular, está propiciando esse distanciamento", justifica o professor.
Projeto
O Colégio Marista João Paulo II percebeu que muitos alunos da instituição usavam os celulares com frequência na escola e que isso afetava a concentração deles em sala de aula. Foi a partir disso que surgiu o Projeto Mente Presente, em que os alunos deixam os celulares na caixinha antes do início da primeira aula do dia e o recebem de volta durante um dos intervalos entre as aulas, para depois colocá-los na caixinha até o final do dia letivo.
O primeiro passo foi um projeto piloto envolvendo alunos dos sextos e sétimos anos e, depois que se provou eficaz, foi expandido para todos os anos desde o sexto ano do ensino fundamental até o terceiro do ensino médio. Os pais e responsáveis dos alunos também participaram da discussão sobre a medida, decidindo pela implementação.
Segundo Luiz Gustavo Mendes, diretor-geral da instituição, a ideia da medida é melhorar o foco dos alunos. "Dentro da sala de aula, os alunos não têm mais contato com o celular porque só o fato de o celular estar próximo pode tirar a concentração do estudante", explica. Ele acrescenta que estudos comprovam que o uso do celular pode desconcentrar o estudante e que o tempo para recuperar a concentração é de 23 minutos. "Se a aula é de 50 minutos, até que ele retome o nível de concentração, o aluno perde a aula".
O diretor frisa ainda que a restrição do uso dos aparelhos não significa o abandono de aparelhos tecnológicos na instituição. "É muito importante para a formação dos estudantes o uso da tecnologia para fins pedagógicos. Nós não estamos tirando a tecnologia da sala de aula e sim limitando o uso do celular."
Boa recepção
De acordo com Luiz, os alunos receberam bem a nova prática da escola, no geral. "No primeiro momento, houve uma estranheza e começamos com a caixinha de forma voluntária, mas na hora que foi obrigatório, todos foram seguindo. Em quase um ano de projeto, nós tivemos uma ou duas situações de transtorno pequeno, então foi bem aceito por todos os estudantes", lembrou o educador.
Para o professor Rômulo Dumell, que leciona geografia na unidade, a medida fez com que os próprios estudantes percebessem que a restrição pode otimizar a concentração na aula. "A gente tem percebido ao longo do processo que os alunos vêm se conscientizando e percebendo o quanto é positivo para a aprendizagem, principalmente para os estudantes do terceiro ano, que estão em uma caminhada de vestibular, Enem e PAS", destacou o professor.
Heloá Mendes, de 17 anos, é aluna do terceiro ano do ensino médio e quer estudar medicina veterinária na universidade. Ela revela que, a princípio, ela e os colegas precisaram se acostumar com a ideia, mas que vê, hoje, que a medida se tornou uma experiência boa.
"Pelo menos, para mim, melhorou muito o meu desempenho, não tinha nem a opção de me distrair com esse eletrônico porque ele estava guardado, então o desempenho melhorou, o foco nas aulas melhorou também, porque querendo ou não tinha mais essa distração", destacou a estudante.
Aliada
A secretária de Educação do Distrito Federal (SEE-DF), Hélvia Paranaguá, reforça a importância do uso consciente e orientado do celular como ferramenta pedagógica nas salas de aula e destaca que os aparelhos podem se tornar um recurso valioso no enriquecimento do processo de ensino e aprendizagem, já que promove práticas interativas e acessíveis.
"Contudo, é essencial lembrar que o uso desses dispositivos sem a supervisão adequada do professor é proibido, garantindo, assim, um ambiente educacional focado e produtivo. A tecnologia, quando bem direcionada, potencializa o interesse dos alunos e facilita o acesso a materiais de qualidade, sem substituir o papel insubstituível do professor e do livro didático", destacou.
O uso da tecnologia, inclusive, é uma das competências listadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que norteia a educação básica no país, e segundo o texto, os alunos devem "compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
Luísa Mel Barreto, de 17 anos, também está entre os alunos que participam do Projeto Mente Presente. Ela conta que, apesar de ter sido um pouco assustador no começo, os alunos perceberam, no processo, que a medida foi fundamental para prestarem mais atenção nas aulas. "A nossa geração é muito conectada na tecnologia, então foi uma forma de conseguir prestar mais atenção nas aulas e também para a gente poder socializar mesmo como turma e como sala de aula", destacou.
A mãe da estudante, Clécia Barreto, 46, destaca que. depois da restrição dos aparelhos, ela percebeu mudanças no comportamento da filha em relação ao uso da tecnologia, inclusive em casa. "Houve uma influência em casa e ocorreu essa movimentação diferente dela, e acho que foi reflexo do que foi ensinado e combinado em sala de aula e acabou vindo pra casa também, porque ela está mais sociável em casa, fica menos dentro do quarto, menos em frente às telas e tem mais convivência", frisa.
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