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Abandono no ensino médio é menor em escolas públicas integrais

Análise baseada nos dados do Ideb 2023 aponta que alunos do ensino integral abandonam menos os estudos em relação aos do ensino regular. Diferença é maior nos estados de Pernambuco, Tocantins e Maranhão

Marina Rodrigues
postado em 17/08/2024 00:34 / atualizado em 02/09/2024 11:52
Ensino médio integral influencia positivamente o Ideb de escolas em todo o país -  (crédito: EBC)
Ensino médio integral influencia positivamente o Ideb de escolas em todo o país - (crédito: EBC)

No Brasil, estudantes do ensino médio de escolas integrais abandonam menos os estudos em comparação com os das escolas regulares, com índices de abandono de 3,1% e 4,3%, respectivamente. Essa diferença é ainda mais evidente nas regiões Norte e Nordeste, nas quais o abandono chega a ser três vezes maior nas escolas regulares, com destaque para os estados de Maranhão (0,9% e 3,6%), Tocantins (0,6% e 2,2%) e Pernambuco (0,5% e 1,6%). 

Os dados exclusivos, calculados pelo Instituto Sonho Grande (ISG) em parceria com o Instituto Natura, foram levantados com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2023, divulgado na quarta-feira (14/8) pelo Ministério da Educação (MEC). “Isso mostra que o modelo integral, ao oferecer um ambiente mais acolhedor e conectado às necessidades dos estudantes, faz com que os jovens permaneçam na escola e colabora para promover um aprendizado mais consistente", comenta Ana Paula Pereira, diretora-executiva do ISG.

O estudo analisou escolas propedêuticas — cujo ensino é preparatório ou introdutório — localizadas em zonas urbanas da rede estadual. As estimativas foram ponderadas a partir do número de estudantes matriculados em cada instituição de ensino na última etapa série do ensino médio, considerando apenas as escolas que tiveram taxa de participação no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) acima de 80%. No total, participaram 2.429 escolas integrais e 9.761 do ensino regular. 

“Temos bons exemplos de que um caminho possível e sólido, com bons resultados já no curto prazo, é a expansão de escolas integrais. Estados que expandiram consideravelmente conseguiram melhorar os resultados desse modelo, como Rio Grande do Norte, Alagoas, Mato Grosso e, principalmente, Paraná, que triplicou o número de escolas integrais no ensino médio nos últimos 4 anos e viu o Ideb do integral crescer 0,5 no mesmo período”, defende Ana Paula. 

São consideradas integrais as escolas que oferecem ao menos uma turma da última série do ensino médio com uma carga horária superior a 7 horas por dia, conforme o Censo Escolar 2023 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Disponibilizado em fevereiro deste ano, o Censo mostra que o número de matrículas em tempo integral da educação básica alcançou a taxa de 21%, próximo à meta do Plano Nacional de Educação (PNE) vigente, de 25%. Com maior proporção de alunos em tempo integral matriculados na rede pública, lideram Pernambuco (66,8%), Paraíba (55%) e Ceará (49,1%).

Perfil do abandono

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao ano de 2023, 9 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos não completaram o ensino médio. Observando a faixa etária, as maiores taxas de abandono foram identificadas aos 16 (16,0%), 17 (19,5%) e 18 anos (21,1%) — idade que também registrou o maior aumento em relação a 2019 (5,4 p.p.).

Antes disso, aos 15 anos (12,6%) — quando normalmente se entra no ensino médio —, o índice foi quase duas vezes maior em relação aos 14 anos (6,6%). Considerando o sexo, a taxa de abandono é de 58,1% entre os homens e de 41,9% entre as mulheres. Quanto à cor ou raça, o maior percentual foi entre pretos ou pardos (71,6%), enquanto 27,4% partiu de brancos. 

O ensino médio é a etapa com maior índice de repetência e evasão da educação básica, com 3,9% e 5,9% respectivamente. Dados do Censo Escolar apontam que 7% dos alunos do 1º ano desistiram dos estudos e 4,1% foram reprovados de 2020 a 2021. Só na rede pública, em 2022, a taxa de reprovação foi de 4,2% e a de abandono, 6,5%.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023 aponta realidade brasileira em relação ao abandono escolar no ensino médio
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023 aponta realidade brasileira em relação ao abandono escolar no ensino médio (foto: Pnad Contínua/Reprodução)

Melhor aprendizado

Nesse contexto, “podemos observar que estudantes matriculados nas escolas integrais aprenderam mais e foram mais aprovados quando comparados com os das escolas regulares. Enquanto o Ideb do EM geral foi de 4,1, o das escolas integrais de EM foi de 4,4 (0,3 a mais). Isso indica que o integral tem o potencial de alavancar a educação pública brasileira”, expõe a diretora-executiva. “Quando olhamos para os estados, os que mais se destacaram no Ideb integral são também os de maior destaque no resultado geral. Goiás e Espírito Santo possuem a melhor nota do integral (5,0) e Paraná, a segunda maior (4,7)”, pontua Ana Paula. 

A superintendente de Políticas Educacionais do Instituto Natura, Maria Slemenson, avalia ainda a trajetória das escolas entre 2019 e 2023. “Notamos que as que continuaram regulares subiram 0,1 ponto no Ideb. Já as regulares que converteram o sistema para o integral subiram 0,3, um crescimento 3x maior. Comparando os resultados de 2023 com os anos anteriores, especialmente 2019, observamos um crescimento notável no Ideb da rede pública de ensino médio, que passou de 3,9 para 4,1. Esse aumento de 0,2 ponto, aproximadamente 5%, é significativo, considerando os desafios impostos pela pandemia de covid-19”, explica.

  • Maria Slemenson, superintendente de Políticas Educacionais para o Brasil do Instituto Natura:
    Maria Slemenson, superintendente de Políticas Educacionais para o Brasil do Instituto Natura: "ensino integral auxilia em problemas estruturais do país, como insegurança alimentar e evasão escolar" Arquivo pessoal
  • Ana Paula Pereira, diretora-executiva do Instituto Sonho Grande, afirma que as escolas integrais têm o potencial de alavancar a educação pública brasileira
    Ana Paula Pereira, diretora-executiva do Instituto Sonho Grande, afirma que as escolas integrais têm o potencial de alavancar a educação pública brasileira Arquivo pessoal
 

Vulnerabilidade

Maria Slemenson afirma também que as escolas integrais estão desproporcionalmente mais presentes em áreas vulneráveis, o que, segundo a superintendente, indica um esforço significativo do país em expandir a educação integral para regiões que mais necessitam de apoio educacional. 

“Este movimento é crucial para promover maior equidade no sistema educacional brasileiro. E percebemos isso com os dados. 76% das escolas de ensino médio integral (EMI) estão presentes em áreas vulneráveis, em contexto de Índice de Nível Socioeconômico (INSE) II, III e IV. Entre as regulares, são 42%. Se olharmos a média nacional do Ideb, as escolas de EMI ficaram acima das parciais em 0,3 ponto. Mas, quando analisamos o nível socioeconômico, agrupando INSE II a IV, essa diferença chega até 0,5 ponto. Esses resultados fortalecem o potencial das escolas integrais em promover maior equidade no país”, esclarece.

As dirigentes acreditam nas escolas integrais como uma estratégia que poderia ajudar fortemente os estudantes mais vulneráveis, indicando que quem estuda nessa modalidade aprende mais do que o estudante de tempo regular, por exemplo, em língua portuguesa (4 pontos) e em matemática (6 pontos — o equivalente a um ano a mais de aprendizado). “O EMI possui casos de sucesso nacionais e internacionais e tem se mostrado uma política eficaz para garantir uma educação de qualidade. O modelo apresenta evidências para além da melhora da aprendizagem, mas também o de reduzir abandono e evasão, aumentar a empregabilidade e acesso ao ensino superior, melhorar o planejamento familiar, diminuir desigualdades de gênero e raça e até reduzir a violência”, defende Maria Slemenson.

Benefícios além da educação 

A implementação e expansão do ensino médio integral não se justifica apenas pela busca de excelência educacional, segundo as especialistas, mas como uma resposta às multifacetadas crises que o Brasil enfrenta atualmente, evidenciando a necessidade de políticas públicas que abordem de forma integrada as dimensões educacionais, econômicas e sociais.

“Os benefícios são inúmeros e vão desde a redução da chance de evasão escolar até a diminuição da taxa de homicídios entre os jovens de 15 a 17 anos, já que passam mais tempo em um ambiente seguro. O EMI em Pernambuco reduziu em até 50% as taxas de homicídios entre jovens de 15 a 17 anos. A remuneração dos estudantes do ensino integral também pode ser 10% maior ao longo da vida. Há maior chance de esses estudantes concluírem a educação básica, o que eleva o ganho total da remuneração para 15%. Portanto, seu benefício socioeconômico é seis vezes maior que o seu custo, conforme estudos do Centro de Evidências da Educação Integral (Insper)”, diz Maria Slemenson.

Além disso, em um país que enfrenta desafios econômicos persistentes, com uma parcela significativa da população vivendo abaixo da linha da pobreza — 27,5% em 2023, segundo o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) —, o EMI chega como uma solução complementar ao oferecer refeições regulares, o que garante acesso a uma alimentação adequada e contribui para a segurança alimentar dos estudantes. A implantação de escolas EMI na região Norte, por exemplo, representou, segundo os institutos, uma redução de 12,6% por dia na internação por anemia, desnutrição e suas sequelas entre jovens de 15 a 17 anos.

“Os resultados do Ideb 2023 são encorajadores e indicam que a educação integral está no caminho certo para promover maior equidade e qualidade no ensino. A análise dos dados, controlada por INSE e PIB per capita, reforça a importância de continuar investindo em políticas que beneficiem as regiões mais vulneráveis. Com estratégias bem direcionadas, é possível continuar melhorando os índices educacionais e garantir uma educação de excelência para todos os alunos no Brasil”, afirma a superintendente.  E conclui: “As unidades federativas e o governo federal têm investido na ampliação das matrículas no ensino médio integral, e esse incentivo federal é muito importante para que os estados se preocupem em expandir suas políticas públicas voltadas ao EMI”.

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