O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com vetos, a lei que estabelece as diretrizes do Novo Ensino Médio no Brasil. A sanção foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (1º/8). As mudanças visam modernizar o currículo do ensino médio, adaptando-o às demandas contemporâneas e preparando melhor os estudantes para o ensino superior e o mercado de trabalho.
Um dos pontos mais controversos da nova lei foi vetado por Lula: o trecho que determinava que os exames de ingresso no ensino superior — como vestibulares e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — considerassem os conteúdos dos itinerários formativos além da formação geral básica. Dessa forma, os exames continuarão a cobrar apenas o conteúdo tradicional.
Na justificativa do veto, o governo argumentou que a proposta aprovada pelo Congresso Nacional contraria o interesse público e poderia comprometer a equivalência das provas, afetando as condições de isonomia nos processos seletivos e aprofundando as desigualdades de acesso ao ensino superior. Em outras palavras, a inclusão dos itinerários formativos nos exames poderia beneficiar estudantes de escolas ou de localidades mais ricas, exacerbando as disparidades já existentes no sistema educacional.
Outro dispositivo vetado foi o que fixava a mudança nos processos seletivos para o ensino superior a partir de 2027. O governo considerou que, uma vez vetado o trecho anterior, esse parágrafo perderia a função, levando à decisão de rejeitá-lo também.
A nova lei restabelece um total de 2,4 mil horas para a formação geral básica dos estudantes. As disciplinas obrigatórias para todos os anos do Ensino Médio incluem português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia). O espanhol será disciplina facultativa.
Além dessas disciplinas obrigatórias, a lei destina 600 horas aos chamados itinerários formativos,que são conjuntos de disciplinas, projetos, oficinas e outras atividades que permitem aos alunos aprofundar seus conhecimentos em áreas específicas de interesse. Cada escola deve oferecer, no mínimo, dois itinerários, exceto aquelas que já ofertem o ensino técnico.
No caso das escolas que oferecem ensino técnico, a estrutura será composta por 2,1 mil horas de disciplinas obrigatórias. Dessas, 300 podem ser destinadas a conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) relacionados à formação técnica. As demais 900 horas serão exclusivas para o ensino técnico específico do curso.
A partir do ano letivo de 2025, as escolas deverão adotar o novo modelo, o que exigirá adaptações curriculares, formação de professores e ajustes na infraestrutura escolar, para manter um nível de equidade entre escolas públicas e privadas.
Opiniões divididas
Entidades do setor educacional estão divididas quanto às mudanças. Há um grupo que critica o texto aprovado, argumentando que não atende às necessidades reais da educação básica e que pode aumentar a desigualdade entre os alunos. Em oposição, há entidades que comemoram o que consideram uma melhora na proposta original.
O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Hugo Silva, disse ao Correio que a sanção da lei do Novo Ensino Médio é uma "vitória parcial". "Acreditamos que lutamos por muito tempo para construir um Ensino Médio que tivesse mais a nossa cara, e para desmanchar esse projeto de escola que é tão desigual e que retira os nossos direitos, o nosso desejo de entrar na universidade, as nossas possibilidades e os nossos sonhos", disse o líder estudantil.
Ele destacou alguns avanços importantes garantidos pela sanção, como a manutenção das 2,4 mil horas para a formação geral básica. "Também avaliamos como positiva a retirada dos itinerários formativos dos vestibulares. Esses itinerários, na prática, serviam para precarizar a nossa escola e não formavam ninguém. Essa retirada é muito importante porque garante que o vestibular seja com disciplinas que nos fazem aprender de fato."
Aurélio da Silva, de 24 anos, professor de história do Centro de Ensino Médio 05 de Taguatinga, criticou o antigo modelo do Novo Ensino Médio. "Era um projeto que impossibilitava os alunos de terem acesso à pluralidade de ideias. Se tornam escassos o poder de argumentação do estudante e a compreensão das suas mazelas."
Ele reafirmou o potencial das escolas de fazer mais do que apenas educar. "Educação é um direito pelo qual todos devem lutar. Temos escolas de Ensino Médio com dez salas de aula, mas não têm internet. Isso impossibilita que os alunos consigam escolher seus objetivos. A escola poderia fazer mais, além de educar", completou.
Desigualdades
A proposta de reformulação do Ensino Médio começou a ser discutida em 2017. Na época, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) indicava que os alunos brasileiros terminavam o terceiro ano sabendo menos que a média de seus colegas de outros países. Com o objetivo de melhorar a aprendizagem, reduzir a evasão escolar e elevar os índices educacionais, surgiu a discussão sobre a mudança do modelo.
O Novo Ensino Médio começou a ser implementado em 2022, mesmo sem a garantia de aprovação do projeto de lei. A nova estrutura propunha um aumento do tempo das aulas diárias e a adoção do formato de escola em tempo integral. No entanto, devido à falta de definições claras sobre as mudanças, as escolas que adotaram o novo método tiveram liberdade para escolher e ofertar as disciplinas dos itinerários formativos de maneiras variadas e sem seguir uma linha comum.
Essa flexibilidade resultou em mais desigualdades sociais entre escolas públicas e particulares. Enquanto instituições privadas, com mais infraestrutura, ofereciam disciplinas como oratória, podcast, xadrez e gastronomia, algumas escolas públicas optaram por oferecer disciplinas como jardinagem, confecção de brigadeiro caseiro e RPG (sigla em inglês para um tipo de jogo em que os participantes assumem um papel, uma personagem).