Entrevista

Menos desigualdade trará mais educação, defende Hélvia Paranaguá

Ao CB.Poder, a secretária de Educação do DF, Hélvia Paranaguá, ao falar sobre o PNE, afirma que não se pode obter avanços no ensino sem a discussão de questões econômicas. No novo ensino médio, ela pretende manter a mesma carga horária de formação geral básica para cursos técnicos e ensino regular

Luis Fellype Rodrigues
postado em 11/07/2024 06:00
Secretária de Educação do DF, Hélvia Paranaguá, no CB.Poder -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Secretária de Educação do DF, Hélvia Paranaguá, no CB.Poder - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A Secretaria de Educação do Distrito Federal já trabalha na perspectiva de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá sancionar o novo ensino médio tal como aprovado pela Câmara dos Deputados. A afirmação foi feita pela titular da pasta, Hélvia Paranaguá, em entrevista ao CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — desta quarta-feira (10/7). Na entrevista aos jornalistas Denise Rothenburg e Carlos Alexandre de Souza, ela também falou sobre como o Plano Nacional de Educação (PNE) influenciará na redução das desigualdades e a necessidade de as equipes econômicas entrarem no debate.

Como ficará o PNE, agora com 58 metas?

A discussão sobre o plano vai começar. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) já está se posicionando, porque a política pública é implementada pelos estados. O Ministério de Educação (MEC) planejou, tivemos a Conferência Nacional de Educação (Conae), que ouviu toda a sociedade e, agora, é hora de debater dentro do Congresso. Você trouxe um assunto que é muito delicado, pois não adianta fazermos um PNE, transformá-lo em lei, e os planos estaduais não atenderem ao que está alí. A nossa discussão, agora, é que tragamos metas discutidas e que possam realmente ser implementadas.

Um dos problemas anteriores à educação é a desigualdade. Como será possível atender essas metas dada essa desigualdade?

O próprio PNE tem esse objetivo. Implementando essas metas, pretendemos diminuir essa desigualdade social. Se eu ampliar a oferta de educação infantil, a mãe da criança pode trabalhar e aumentar a renda familiar, deixando o filho em segurança na creche. Ou entramos com políticas públicas muito efetivas para que a família possa sair para geração de emprego e renda, ou vamos continuar com essa desigualdade social, que é algo que não queremos. O PNE é maravilhoso. É algo que deve acontecer, mas a economia deve estar presente, não só o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, mas todos os secretários de Planejamento, Fazenda ou Economia. A discussão deve permear pela área econômica, caso contrário, não iremos atingir as metas.

Um dos pontos que a senhora levantou é o Pé de Meia, um estímulo financeiro para que os alunos continuem no ensino médio. No caso do DF, temos um número de jovens atendidos bastante reduzido, 28 mil, mas algumas unidades da federação contam com um número muito grande, ou seja, é uma questão econômica também.

É uma questão econômica. Alguns estados já estão fazendo isso para segurar o menino no ensino médio, porque o abandono é grande. A educação de jovens e adultos (EJA) é importantíssima, porque um dia a pessoa sente a necessidade de retornar à escola para crescer profissionalmente, mas também é o nosso fracasso na educação básica porque, quando deixamos o menino sair da escola, um dia ele volta para a EJA. Hoje, a maioria dos países no mundo só tem EJA para imigrantes. Nos países de primeiro mundo existem sanções, e quem não manda o filho para a escola pode ser preso. Então, essa política é uma tentativa de evitar o abandono da escola. Parabenizo, inclusive, o ministro da Educação, Camilo Santana, e vários estados com essa iniciativa. Agora, vêm os recursos da União, que são importantes para os estados e municípios que não têm condição de arcar com esse recurso. Temos estados que têm 400 mil crianças e jovens beneficiados com o programa de renda mínima. Isso tudo faz parte de um grande programa para diminuir a desigualdade social, mas tem que ser com os pés no chão.

Temos uma conta de quanto vai custar o novo PNE?

Eu sei que ela é alta, mas acho que nem o Congresso ainda fez essa conta. Ela é alta porque quando você fala em universalizar, por exemplo, a educação infantil, há estados que ainda não universalizam porque a conta é alta, e a contratação de professores e ampliação de salas de aula geram gastos. O pacote aumenta consideravelmente, mas eu não sei o valor.

O melhor investimento que o país pode fazer para o futuro é nessa área.

Existe também essa discussão dentro do PNE, porque, hoje, acho que 6% do orçamento é aplicado na educação. Há uma discussão de aumentar isso para 10%, mas não é só aumentar, é investir bem. Precisamos investir bem o recurso público. Eu me coloco nessa culpa como secretária estadual. Esse investimento é para que chegue realmente na política educacional. Não é só ter mais dinheiro, é investi-lo bem.

Há datas para fazer essa discussão do PNE, visto que estamos em ano de eleições?

Pois é, eles falaram que a discussão é para acontecer esse ano, porque, a rigor, já houve uma emenda da senadora Dorinha Seabra (União-TO) prorrogando o atual PNE até 2025, mas temos que ter ele aprovado no ano que vem. Eu acho que esse ano não sai. Vamos ter discussões, mas a minha impressão é que não vai dar tempo, por conta do que você colocou, as eleições.

Esse sentimento seu de existir metas exequíveis também é algo compartilhado pelos outros secretários de Educação no Consed?

Cem por cento, tanto é que apresentamos a alternativa do ensino médio, por exemplo, bem diferente do que foi apresentado no início pelo MEC. Eles ouviram várias categorias, entidades classistas e sindicatos, e apresentaram um modelo. Havia um grupo querendo a revogação, mas o estrago seria muito grande, porque o novo ensino médio vem sendo implementado. É uma lei de 2017 e a implementação começou em 2019, então, seria um retrocesso. Eu brinco sempre lá na Secretaria de Educação e falo: na minha terra tem um ditado que diz que é no balanço da carroça que as abóboras se ajeitam. Só na hora da implementação é que você verá onde precisa mudar e melhorar. Então, alguns problemas foram realmente verificados, como a obrigatoriedade que queriam colocar para o espanhol. Existem estados que não têm professores, teríamos um grave problema de um descumprimento de uma disciplina obrigatória. O DF está tranquilo, porque temos espanhol como obrigatório no ensino médio, além do inglês.

Um dos pontos em destaque do novo ensino médio é a questão do ensino técnico, deve haver uma redução na carga horária da formação geral básica. A senhora ficou satisfeita com essa solução? É possível dentro da realidade do DF?

Aqui, a formação geral básica vai ser igual para todos, tanto para a educação profissional e tecnológica (EPT) quanto para o ensino médio, por causa do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Senão, o entendimento é que o estudante da EPT teria menos carga horária da formação geral básica, que é o que cai no Enem. Então, para ele ficar satisfeito só como formado na escola técnica, tudo bem, mas e se ele quiser fazer a universidade ou quiser concorrer a uma vaga? Entao, ele teria essa distorção em relação ao aluno do regular.

O que acontece hoje é que a formação geral básica ficou definida em 2.400 horas para o ensino regular e em 2.100 para o técnico. É isso?

Sim, mas essas 300 horas poderiam ser de disciplinas que eles já fazem e precisariam só ampliar a carga horária. Temos aqui o curso de EPT de técnico de enfermagem, no qual são 1.200 horas de carga horária na área específica. Na área de formação geral básica são 2.100 horas, somadas, ultrapassam as 3.300 horas. Vamos fazendo esse arranjo e vamos mexer na matriz. Hoje, isso não é um problema. É só um arranjo diante do que já vínhamos fazendo. Essa é uma discussão muito antiga. Eu estou supersatisfeita com o resultado.

Como ficou a questão do ensino médio noturno?

Entraria de forma obrigatória. O município que estiver com um estudante com essa necessidade, esse jovem tem direito. Isso inviabilizaria muito a educação, porque para um estudante eu teria que ter 13 professores nas disciplinas do ensino médio. Então, ficou para os estados e municípios estabelecerem como será esse atendimento. Aqui é por polo, temos quatro escolas polos, porque há uma procura muito pequena no DF pelo ensino médio noturno. O que normalmente acontece com o estudante de ensino médio noturno é que ele precisa trabalhar para complementar a renda em casa. Então, ele opta por uma escola regular que não tem educação em tempo integral e trabalha em algum local.

O ensino médio vai para a sanção presidencial. Há algum ponto que a senhora acha que deverá sair do texto?

A leitura que fizemos é que o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) não vetará, porque o próprio PT votou. A votação foi bem expressiva e estamos trabalhando. Chamei a turma e falei: vamos tratar o novo ensino médio da forma que foi aprovado. Não é difícil para os estados implementarem, fica bem bacana e estamos satisfeitos. Não vai existir problema.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

Veja a entrevista na íntegra

 

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