Para quem não teve a oportunidade de estudar ou mesmo de aprender a ler e escrever, o desafio de entrar no universo escolar é uma conquista e uma alegria. De acordo com a Secretaria de Educação (SEEDF), mais de 24,6 mil pessoas, com idades entre 15 e 90 anos, estão matriculadas nas aulas presenciais da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Distrito Federal. Na modalidade a distância, também ofertada, há 1.800 estudantes.
"Quem não sabe ler se sente cego. A leitura desenvolve, eu me sinto importante com isso", relata Francisco Teixeira Carvalho, de 81 anos. O maranhense, natural de Araioses, foi alfabetizado há cinco anos, quando começou a frequentar as aulas na EJA. "Minha vida foi complicada, perdi minha mãe com oito anos, e fui criado ao léu na casa de um e de outro. Na casa do pessoal onde morei, as crianças iam para a escola, mas eu tinha que trabalhar na roça", lamenta Francisco. O início da jornada na educação formal se deu quando ele começou a praticar esportes no centro de convivência do idoso, na Universidade Católica de Brasília (UCB). Uma de suas filhas ficou sabendo do projeto de Alfabetização Cidadã da UCB e incentivou o pai a frequentá-lo. Depois de terminar o curso equivalente ao 4º ano do ensino fundamental, Francisco passou a frequentar o Centro Educacional (CED) 02 de Taguatinga, conhecido como Centrão, onde continua estudando.
A alfabetização está muito ligada à autopercepção e à autoestima do indivíduo, na opinião de Rafaela Karas Queiroz, 34. Depois de quase duas décadas longe da sala de aula, ela retomou o ensino fundamental, em 2023, também na EJA do Centrão, mas teve de interromper os estudos até conseguir uma vaga na creche para o filho de 2 anos. O fato de ter sido tirada da escola sem completar o 5º ano é lembrado por Rafaela com sofrimento. "Como sou a mais velha, tive de ficar em casa para cuidar dos meus irmãos menores, mas eles iam à escola. Fui ficando para trás, e aquilo foi muito doloroso", diz a paranaense, com os olhos marejados.
Nascida no município de Apucarana (PR), Rafaela mudou-se para Brasília há 11 anos para viver com o atual marido, em Taguatinga Sul. Juntos, tiveram quatro filhos, e foi somente quando o caçula entrou na creche que a mãe pôde ir atrás de sua formação. A paranaense está cursando a etapa cinco do segundo segmento da EJA, equivalente ao quinto ano do ensino fundamental, e almeja fazer faculdade de criminologia. "Acho que não tem idade para terminar os estudos e realizar nossos sonhos. Acredito que vou conseguir. É uma oportunidade que estão me dando aqui", salienta.
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Docência
Professora da EJA há 30 anos, Adriana Vilas Boas, 50, leciona no Centrão e considera que a principal diferença entre o ensino convencional e a alfabetização de jovens e adultos é o emprego de uma metodologia que leva em consideração o conhecimento prévio do aluno, de forma que ele não se sinta infantilizado no processo educacional. "Precisamos aplicar nas nossas aulas algo que tenha significado para os estudantes, para se sentirem pertencentes e desejarem estar na escola", afirma a docente. "Compartilho páginas do jornal, para trabalharmos as palavras que estão nas manchetes, como 'Rio Grande do Sul', e então partirmos para a criação de sílabas", exemplifica.
Adriana pondera, no entanto, que os professores da EJA precisam ser flexíveis para manejar o ensino com a realidade de cada aluno, porque, muitas vezes, estudantes com perfis de aprendizado muito diferentes estão na mesma sala de aula. "Quando comecei, a EJA era uma escola de idosos, hoje não. Temos idosos e alunos que podem estar em idade escolar, mas não estão inseridos no ensino regular devido a vários fatores. Há muitos alunos vindos de abrigos, com transtornos psiquiátricos, deficiências intelectuais, estrangeiros que querem se alfabetizar em português etc.", elenca Adriana.
Adaptação
Os irmãos Youselene, 19, e Walky Cenatus, 16, nasceram no Haiti e moram no Brasil há três anos. Eles estudam na EJA do Centrão desde 2021, e estão avançando na alfabetização em português. "Quando meus pais saíram do Haiti, eles nos deixaram na casa da minha tia, que tem dois filhos. Todo o trabalho da casa era eu que fazia, era muito difícil para mim. Minha mãe mandava dinheiro e roupa e tínhamos que dividir", relembra Youselene.
Os pais dos jovens vieram para o Brasil há oito anos. Youselene e Walky gostam de morar no DF, embora tenham enfrentado dificuldade de adaptação, no início. A jovem tentava se comunicar com as pessoas falando o pouco que sabe de inglês. Mas não era fácil, já que ela e o irmão são fluentes em criolo e em francês, as línguas oficiais de seu país.
"O pessoal vinha falar comigo e eu não entendia nada. Para aprender português, eu ia repetindo várias vezes as palavras. Ainda não falo muito, mas entendo bem ", diz a estudante, que está cursando a terceira série do ensino médio. Seu irmão, Walky, recorda que teve muita ajuda da professora Adriana para se comunicar, quando entrou no Centrão. "Estou no quinto ano e, se passar, vou seguir para o sexto", comenta. Da escola, o que ele gosta mais são das disciplinas de português, matemática e ciências, e de jogar futebol.
"A escola faz diferença (para se adaptar), porque aqui na escola tem muita gente que me ama", observa Youselene. Para ela, o que está sendo mais difícil no Brasil é encontrar emprego, mas a jovem é ambiciosa e deseja fazer faculdade no DF. "O meu sonho é fazer faculdade de medicina", afirma. Ao que o irmão reforça: "O meu (sonho) é medicina também".