CULTURA AFRO

Aula no terreiro: projeto leva estudantes para visitar comunidade de candomblé

A iniciativa Ogbon Mimo, destinada a alunos da rede pública, busca promover o respeito à diversidade e desconstruir preconceitos. O Correio mostra como foi a experiência dos estudantes do CEM 2 de Planaltina, que foram ao Ilê Odé Axé Opo Inle

Júlia Giusti*
Eduardo Vanuncio
postado em 01/06/2024 06:00
O produtor do projeto, Renato Gomes (segundo da esquerda para a direita) com a equipe de organização do Ogbon Mimo -  (crédito: Alexsandra Moreira — @iyalerifotografia)
O produtor do projeto, Renato Gomes (segundo da esquerda para a direita) com a equipe de organização do Ogbon Mimo - (crédito: Alexsandra Moreira — @iyalerifotografia)

Alunos do Centro de Ensino Médio (CEM) 2 de Planaltina viveram uma experiência de contato com a arte e a cultura afro-brasileira na última terça-feira. Por meio do projeto Ogbon Mimo — Sabedoria Sagrada, 68 estudantes da escola participaram de uma visita guiada à casa de candomblé Ilê Odé Axé Opo Inle, em Planaltina.

Em uma espécie de tour dividido em estações, os visitantes aprenderam sobre os orixás, os instrumentos musicais e a culinária da comunidade, e apreciaram fotos, quadros, desenhos e peças artesanais de países africanos. A ideia é promover o respeito à diversidade e desconstruir preconceitos e combater a intolerância religiosa. A iniciativa conta com apoio da Fundação Palmares e do Ministério da Cultura, em sintonia com a Lei nº 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.

O Babakekere (pai pequeno, o segundo na hierarquia da casa) e produtor do projeto, Renato Gomes, explica que a iniciativa surgiu como forma de apresentar aos estudantes o universo do terreiro de candomblé, quebrando barreiras por meio da vivência. A comunidade já realizava visitas às escolas, levando conhecimento sobre a cultura e as religiões africanas, mas sentiu necessidade de expandir para a experiência prática. "É diferente a gente ir às escolas de os alunos estarem dentro do território. Além da parte da religiosidade, tem a história, a cultura e a influência da música africana na construção do Brasil", destaca.

Entre os aspectos centrais para a comunidade do terreiro, estão a culinária e a música. "Tudo o que fazemos é em volta da cozinha, envolve alimentação, porque é o mais importante na nossa religião. A musicalidade caminha junto com a culinária, e tudo termina em festa, com a história dos orixás sendo contada por meio da música e da dança", compartilha. Ele acrescenta que os costumes da comunidade buscam estabelecer uma relação harmoniosa com os orixás e promover a integração entre as pessoas, sem distinção: "A casa de candomblé acolhe as pessoas, não escolhe, vivemos como uma família", enfatiza Renato.

  • A culinária é um dos aspectos mais importantes para a comunidade. Na foto, o preparo do acarajé no Ilê Odé Axé Opo Inle
    A culinária é um dos aspectos mais importantes para a comunidade. Na foto, o preparo do acarajé no Ilê Odé Axé Opo Inle Eduardo Vanuncio/CB/D.A Press
  • Acervo da casa é rico em peças de arte que mostram o universo africano no Ilê Odé Axé Opo Inle
    Acervo da casa é rico em peças de arte que mostram o universo africano no Ilê Odé Axé Opo Inle Eduardo Vanuncio/CB/D.A Press
  • Tailane dos Santos gostou da visita ao Ilê Odé Axé Opo Inle por ser uma experiência diferente
    Tailane dos Santos gostou da visita ao Ilê Odé Axé Opo Inle por ser uma experiência diferente Eduardo Vanuncio/CB/D.A Press
  • Gabriel Oliveira entende a importância do respeito às religiões e achou a visita ao Ilê Odé Axé Opo Inle interessante
    Gabriel Oliveira entende a importância do respeito às religiões e achou a visita ao Ilê Odé Axé Opo Inle interessante Eduardo Vanuncio/CB/D.A Press
  • Artefatos tradicionais da cultura africana fazem parte do acervo do Ilê Odé Axé Opo Inle
    Artefatos tradicionais da cultura africana fazem parte do acervo do Ilê Odé Axé Opo Inle Júlia Giusti/ CB
  • Projeto Ilê Odé Axé Opo Inle ensinando sobre a cultura africana aos alunos do CEM 2 de Planaltina
    Projeto Ilê Odé Axé Opo Inle ensinando sobre a cultura africana aos alunos do CEM 2 de Planaltina Júlia Giusti/CB/D.A Press
  • A musicalidade é um elemento muito marcante na cultura da comunidade. Na foto, o agbê
    A musicalidade é um elemento muito marcante na cultura da comunidade. Na foto, o agbê Alexsandra Moreira (@iyalerifotografia)
  • Representações dos orixás fazem parte da proposta. Na foto, Ogum
    Representações dos orixás fazem parte da proposta. Na foto, Ogum Alexsandra Moreira (@iyalerifotografia)
  • Membros da comunidade interpretam os orixás. Na foto, Odé
    Membros da comunidade interpretam os orixás. Na foto, Odé Alexsandra Moreira (@iyalerifotografia)
  • Renato Gomes (segundo da esquerda para a direita) com a equipe de organização do projeto Ogbon Mimo
    Renato Gomes (segundo da esquerda para a direita) com a equipe de organização do projeto Ogbon Mimo Alexsandra Moreira — @iyalerifotografia
  • Exposição de fotos no Ilê Odé Axé Opo Inle
    Exposição de fotos no Ilê Odé Axé Opo Inle Alexsandra Moreira (@iyalerifotografia)
  • A culinária é um dos aspectos mais importantes para a comunidade
    A culinária é um dos aspectos mais importantes para a comunidade Alexsandra Moreira (@iyalerifotografia)

Respeito

Elias Viana, Ojú Ilê (anfitrião da casa) e produtor do projeto, complementa que a iniciativa busca combater a desinformação e o preconceito enraizados na sociedade, com a intenção de promover o respeito e a diversidade religiosa.

"A proposta é desmistificar a demonização sobre as religiões de matriz africana. Quando os estudantes chegam aqui, recebem um banho de informações, de cultura, no que diz respeito à contribuição da África na construção da sociedade brasileira. A gente entende que as pessoas têm o direito de escolher suas religiões, levando em consideração que o país é laico, então o nosso projeto trabalha nessa perspectiva", enfatiza.

Um fato que chamou a atenção dos organizadores foi que o interesse dos alunos em conhecer a comunidade aumentou à medida que as visitas da escola foram acontecendo. "Nas duas turmas que vieram antes, a média foi em torno de 40 alunos. Agora, o número aumentou para 68. Então, a gente percebe que está tendo uma divulgação na escola e na família daqueles que já fizeram a visita", aponta Elias Viana.

Durante o tour, os estudantes tiveram contato com a história dos povos africanos, a escravidão no Brasil e os significados de artefatos e de costumes dessas populações. Além das palestras, eles foram conduzidos às casas sagradas, cada uma representando um orixá, que foi interpretado por membros da comunidade. Também conheceram a arte e a culinária, por meio de exposições e da degustação de pratos típicos, como acarajé e manjar. Por fim, os estudantes participaram da apresentação do grupo de percussão Afoxé Omo Ayó.

Experiência

O produtor Elias Viana procurou professores de história, sociologia e artes, que se dispuseram a acolher a proposta.

Danilo Monteiro, que leciona sociologia no CEM 2 de Planaltina, trabalha questões étnico- raciais com os alunos e viu, no Ogbon Mimo, uma oportunidade de continuar o aprendizado. "O terreiro representa uma pequena África dentro do Brasil. Achei muito interessante que os pais também deram liberdade para eles fazerem a visita, porque a gente sabe que há uma demonização das religiões de matriz africana. Então, nada melhor do que conhecer pela vivência para quebrar os estereótipos e preconceitos", ressalta.

Tailane dos Santos, de 18 anos, considerou a experiência muito proveitosa. "Já visitei outras comunidades africanas, mas eram da umbanda. Em um terreiro de candomblé, é a primeira vez. Foi algo novo. O que mais gostei foi aprender sobre os orixás", diz.

Assim como Tailane, Gabriel Oliveira, 18, também havia visitado um terreiro antes. Mesmo assim, para ele, foi inovador, "muito interessante e diferente". Após as explicações da comunidade, ele sentencia: "É muito importante não falar mal das religiões, sem antes conhecê-las".

As visitam prosseguem até 11 de junho.

Saiba mais

A casa

» O Ilê Odé Axé Opo Inle (Casa do Caçador cuja Força provém de Inle) é uma comunidade tradicional de matriz africana da nação iorubá, fundada em 1996. Com cerca de 150 membros, é uma das maiores do Distrito Federal e Entorno.

Legislação

» O Estado laico no Brasil foi estabelecido na Constituição de 1891, determinando a não interferência estatal em assuntos religiosos. Na Constituição de 1988, a liberdade religiosa foi garantida no artigo 5°. Em 2003, a Lei nº 10.639 determinou a obrigatoriedade do ensino da história e na cultura afro-brasileira nas escolas. Apesar da legislação, o Disque 100 — canal de ouvidoria de violações aos direitos humanos — recebeu, em 2023, mais de 2 mil denúncias relacionadas à intolerância religiosa, representando um aumento de 80% em comparação a 2022. Segundo o canal, as religiões de matriz africana são as mais afetadas por esse tipo de violência.

*Estagiários sob a supervisão de Malcia Afonso

 

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