João Vianney*
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), publicou estudo recente mostrando que faltam professores habilitados para a docência na educação básica em todas as regiões do país. Norte e Nordeste são as regiões com maior necessidade. As piores condições estão na Bahia e no Maranhão.
Apesar deste cenário de alerta ter sido divulgado em dezembro de 2023, em abril deste ano o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a resolução 4/2024, que, se homologada pelo MEC, inviabiliza a oferta de cursos de licenciatura pela educação a distância (EaD), agravando o problema.
O risco é iminente para aumentar o grau de apagão de professores na educação básica, pois a formação por EaD responde por 93,7% dos ingressantes nessa área no ensino privado, e por 22,2% dos calouros no ensino público.
Apagão de professores
A conclusão da análise publicada no Caderno de Estudos do INEP foi realizada a partir dos indicadores do Censo da Educação Básica de 2010 a 2021 e do Censo do Ensino Superior de 2022. O estudo diz que “os contingentes de licenciados nos períodos considerados são menores do que os das respectivas demandas total e imediata de professores em várias áreas do conhecimento nas unidades federativas”.
O artigo intitulado Carência de professores na educação básica: risco e apagão? foi escrito pelos especialistas Alvana Maria Bof, Luiz Zalaf Caseiro, e Fabiano Mundim. Os dados revelam o deficit entre a quantidade de professores necessários e o número de diplomados a cada ano que se dedicam para atuar nas disciplinas das séries finais do ensino fundamental e matérias do ensino médio.
Séries finais do ensino fundamental
O quadro mais grave está nas regiões Norte e Nordeste, onde apenas 47,4% e 46,5% dos professores que atuam nas séries finais do ensino fundamental têm formação adequada na área. Em seguida, o Centro-Oeste, com 65,8%, e as regiões Sul e Sudeste em melhor condição, com 69,9% e 70,8%, respectivamente.
Esse cenário mostra que, se o MEC restringir a oferta de licenciaturas por EaD, as regiões mais penalizadas seriam Norte e Nordeste, justo as duas que mais precisam avançar na atuação de professores com a licenciatura apropriada.
Atuação no ensino médio
Os registros para os professores com atuação no ensino médio também mostram o ranking por regiões: Nordeste com 63,4%, Norte com 66,2% e Centro-Oeste com 66,3% de atuação com professores habilitados. São as três regiões com maiores necessidades a suprir.
Em seguida, em melhores condições, porém ainda deficitárias, estão as regiões Sudeste, com 69,0%, e Sul, com 72,4%.
Como fica o apagão por disciplina?
Ao fazer a análise por disciplina ministrada, o estudo do INEP apontou que nas séries finais do Ensino Fundamental as maiores lacunas estão em literatura, onde faltam 54,5% do contingente docente com a respectiva habilitação, e artes, com falta de 51,4%.
Em seguida ficam as disciplinas de geografia e matemática, com as lacunas de 35,9% e de 34,7%, respectivamente. em ciências, a falta de professores habilitados chega a 30%.
Quando observados os componentes das séries finais do ensino fundamental e as matérias do ensino médio, as maiores carências estão em sociologia e língua estrangeira, com apenas 39,3% e 43,3% de professores habilitados em sala de aula.
Depois, vêm filosofia e física, com 53,3% e 54,0% de adequação entre a formação dos professores e a oferta em sala de aula. língua portuguesa, educação física e história são as matérias com os maiores índices de alinhamento entre formação e docência, com 85,8%, 82%, e 81,2%.
Estados em pior situação
Na comparação feita pelo Inep para verificar as carências na formação por unidade da Federação, o estudo aponta que o pior cenário da análise era para ter professores habilitados na disciplina de física, com 16 estados nessa condição.
Em seguida, veio a falta de professores habilitados para língua estrangeira (15 estados); sociologia e filosofia (11 estados); matemática (10 estados); e biologia/ciências (8 estados).
Os estados em pior condição eram a Bahia e o Maranhão, sem ter como equalizar professores habilitados para dez disciplinas. Em seguida, vieram o Amazonas (8 disciplinas), Acre e Tocantins (7 disciplinas), Pernambuco e Mato Grosso (6 disciplinas), Goiás e Santa Catarina (5 disciplinas).
MEC pode piorar o apagão
Os dados do Inep indicam claramente que a prioridade nacional a ser observada pelo CNE e pelo MEC deveria ser a de um investimento para aumentar a oferta e a taxa de conclusão nos cursos de licenciatura, e não focar na redução da oferta. Esse é o posicionamento da diretoria da Associação Brasileira de Educação a Distância, a Abed.
Os municípios mais ao interior e as regiões com maior concentração de pobreza concentram os alunos mais vulneráveis à falta de professores habilitados, revela a publicação do Inep. No entanto, desde o segundo semestre de 2023, o ministro da Educação vem se pronunciando contra a EaD. Ora ataca o crescimento da modalidade – que já é a preferida pelos calouros –, ora está contra uma suposta falta de qualidade, condição esta refutada pelos indicadores do Inep.
O paradoxo de interesse nacional é que o cenário dos discursos do MEC e do conteúdo da Resolução 4/2024 do CNE afrontam a realidade, pois os estudos do Inep mostram que já entramos em um apagão de professores na educação básica. Ou seja, a iniciativa do CNE, se assumida pelo MEC, piora o quadro que já é de falta de mestres habilitados para a docência básica.
Confira o estudo completo do Instituto aqui.
*Doutor em ciências humanas pela Ufsc, membro do comitê científico da Abed e da Hoper Educação.