Lorena Rosa - Especial para o Correio
Professor da Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap) na capital, Vitor Azevedo Pereira, 41 anos, teve sua tese de doutorado citada em vários trechos do Projeto de Lei 54/2021, que instituiu o programa Pé-de-Meia, do governo federal. A contribuição do docente ressalta a importância da participação de educadores na criação de políticas públicas voltadas para áreas essenciais do país.
O projeto, criado em janeiro deste ano, prevê incentivo financeiro-educacional a estudantes de 14 a 24 anos matriculados no ensino médio regular das redes públicas, ou de 19 a 24 anos, matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA) – ambos com famílias inscritas no programa Bolsa Família. O objetivo é combater a evasão escolar, democratizar o acesso à educação básica e estimular a mobilidade social.
Participação inesperada
Ao descobrir que sua pesquisa foi usada na elaboração do projeto, Vitor, surpreso, fez questão de compartilhar com amigos e familiares nas redes sociais. “Muito feliz de ver minha pesquisa de doutorado embasando uma política pública! O programa Pé-de-Meia, do governo federal, é baseado em um conjunto de evidências sobre a efetividade de bolsas em reduzir a evasão no ensino médio”, publicou no X (antigo Twitter).
O educador já acompanhava a tramitação da pauta no Congresso enquanto produzia sua tese de doutorado. As buscas por referências começaram em 2012 e contaram com a colaboração do professor Antonio Claret Campos, que ocupou diversos cargos na administração pública e participou da implementação de outros programas sociais no Brasil. Juntos, analisaram programas como o Renda Melhor Jovem, implantado no Rio de Janeiro entre 2011 a 2016; o Poupança Jovem Piauí, vigente desde 2015; e o Cartão Escola 10, desde 2021, no estado de Alagoas.
Benefícios além da educação
Atualmente, Vitor reside no Rio de Janeiro e dá aulas híbridas – virtual e presencial – em Brasília, no Mestrado Profissional em Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas (MPAM) da Enap. Dedica-se ao estudo de assuntos relacionados à economia da educação e à avaliação do impacto de políticas públicas nacionais e internacionais.
Em entrevista exclusiva ao Correio, o professor apontou iniciativas de auxílio aos estudantes de baixa renda em países latino-americanos, como o Subsídios Condicionados a la Asistencia Escolar, em Bogotá, na Colômbia. “O modo poupança condicionada à matrícula, frequência e formação escolares é capaz de emergir um efeito magnífico ao incentivo da transferência de renda”, afirma.
O pesquisador explica ainda que os benefícios dos programas, além de serem articulados para o bem-estar dos alunos e a iniciação no mercado de trabalho, têm efeitos em outras áreas, criando, por exemplo, baixa dependência da assistência social e uma ponte com a saúde e a segurança pública. “A gente também vê evidências de outros países onde foi possível aumentar a conclusão do ensino médio, reduzir gravidez na adolescência e diminuir a criminalidade”, revela Vitor.
Nesse sentido, incentivar os estudantes a ter atenção ao contexto político e democrático resulta, da mesma forma, no aumento da participação dos jovens no processo eleitoral nacional ao término do ensino médio, sendo vantajoso também para o desenvolvimento do país.
Pé-de-Meia X realidade brasileira
Considerando o público de baixa renda, a reserva financeira prevista pela iniciativa contribui para maior confiabilidade e segurança dos alunos tanto dentro quanto fora do ambiente escolar, mobilizando novas oportunidades de explorar camadas futuras de formação.
O contato primário desses jovens com as finanças também desperta a responsabilidade pelo débito, mas, ao mesmo tempo, traz desafios em administrar os valores, devido à falta de educação financeira – cerca de 45% dos brasileiros não fazem controle financeiro, indica a última pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), de 2020.
Outra barreira na jornada de aprendizagem é o deficit de alfabetização estrutural no Brasil, que rompe o ciclo de estudos e, muitas vezes, prejudica a autoestima dos alunos pelo resto de suas vidas. Prova disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados no Censo Demográfico de 2022, apontam que das 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, 54,1% (5,2 milhões) tinham 60 anos ou mais. Portanto, existem camadas mais complexas a solucionar, incluindo as discussões sobre a nova reforma do ensino médio.
Implementação
Em fevereiro deste ano, 21 estados brasileiros já haviam aderido ao Pé-de-Meia, o que representa 78% das redes estaduais ofertantes dessa etapa de ensino. Além das redes estaduais, municipais e distrital, podem aderir instituições da rede federal, como institutos federais e universidades que também ofertam o ensino médio.
O pagamento da segunda parcela do incentivo, de R$ 200, teve início na última quinta-feira, 25 de abril. O valor é referente à frequência nas aulas de fevereiro de 2024 e será disponibilizado para os estudantes, na conta aberta pela Caixa Econômica Federal, até 3 de maio.
Diante disso, vislumbra-se a eficiência de uma política pública estratégica e colaborativa a novos ciclos pedagógicos e de vida, como fator essencial ao exercício da cidadania dos estudantes. “Gostaria, de fato, que esses alunos estivessem aumentando a produtividade e movimentando a economia brasileira”, deseja Vitor.