Após uma diretora de escola viralizar ao atacar a escolha do governo federal pelo livro O avesso da pele como leitura obrigatória para alunos do ensino médio, o professor de Literatura Brasileira da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Simões Pilati fez um balanço diferente da obra. O especialista considera que palavrões não justificam censura a uma obra para estudantes — como alegado pela educadora.
"É um absurdo proibir uma obra baseado em qualquer princípio rasteiro e conservador de moralidade. O que deve ser levado em conta para se selecionar um texto, além da qualidade dele, é a pertinência do texto e a sua conexão profunda com a verdade da vida, que é contraditória por si só", afirma ao Correio.
O avesso da pele, obra do professor Jeferson Tenório, foi publicado em 2020 e explora as complexas relações raciais no Brasil, bem como a relação entre violência e negritude. O livro retrata a história de Pedro, que, após a morte do pai, morto em uma abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado de sua família e refazer os caminhos do genitor.
Em 2021, a obra recebeu o Prêmio Jabuti, a maior premiação nacional da literatura, na categoria Romance Literário. "O livro de Jefferson Tenório é uma das excelentes obras da nossa literatura contemporânea, seja pela forma corajosa e complexa com enfrenta temas sociais que estruturam nossa sociedade, tais como a pobreza e o racismo, seja pela capacidade compositora do autor, que evidencia muito talento na construção do enredo e na configuração das personagens", considera Pilati.
De acordo com o professor, o uso de obras didáticas em sala de aula permite o aprofundamento de conteúdos, a expressividade dos estudantes e o desenvolvimento de empatia com os personagens. "Ler literatura é uma espécie de vivência imprescindível para o adensamento da nossa percepção de realidade. A leitura de obra de alta qualidade é um direito de todo jovem brasileiro. Se isso não acontecer na escola (especialmente na escola pública) dificilmente ocorrerá em outros âmbitos da vida social", acrescenta o especialista.
Entenda o caso
No final da última semana, uma diretora de uma escola em Santa Cruz do Sul (cidade a 150 km de Porto Alegre), publicou um vídeo nas redes sociais em que julga a obra O avesso da pele inadequada para alunos de ensino médio. A principal crítica foi feita à linguagem do livro, definida por ela como de "baixo nível". "Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação dos nossos estudantes e não pela vulgaridade", afirmou.
A diretora acrescentou que nenhum dos profissionais que trabalha na escola escolheu a obra. "Desconheço o critério de escolha por parte do governo, só penso que deveriam analisar antes, para depois enviar para as escolas trabalharem".
Nas redes sociais, a diretora foi acusada de censura. "Infelizmente há muito risco de retrocesso na educação brasileira e esse é um exemplo claro disso. Na verdade o que a diretora deseja é reprimir as possibilidades de desenvolvimento de pensamento crítico por parte dos estudantes", comenta o professor da UnB.
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