Quando Carolina Soares, 34 anos, matriculou o filho na escola, não esperava que uma virada de chave fosse acontecer na vida da família antes mesmo do início do ano letivo. Faltava pouco para Miguel completar 2 anos e o atraso no desenvolvimento da fala preocupava os pais.
"Na época, minha irmã, que é professora, tentou me falar que poderia ser autismo, mas não aceitei", conta a trabalhadora autônoma. "O que eu tinha de conhecimento era o que a mídia mostrava", reconhece. Carolina, então, começou a procurar profissionais da área, que lançaram a suspeita de que o filho teria transtorno do espectro autista (TEA), e foi conversar com a escola na qual Miguel iria começar a estudar em pouco tempo.
O nervosismo inicial passou após a equipe pedagógica acolher a mãe e sugerir formas de trabalharem juntos. "Achei que eles iam dizer que não poderiam ficar com ele", relembra. Assim como Carolina, muitos pais de crianças neurodivergentes encontram dificuldade na hora de escolher uma escola que acolha o filho.
A neurodiversidade diz respeito a indivíduos que apresentam um funcionamento neurocognitivo atípico, ou seja, formas de processar informações diferentes das consideradas padrão pela sociedade. Estão dentro desse espectro uma série de condições, como transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), dislexia, discalculia, apraxia de fala e TEA.
"Ainda tem professor que pensa que educação tem a ver com o aluno que tira notas na média, que todo aluno aprende da mesma forma", comenta Augusto Galery, coordenador de Gestão Educacional do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). "Os professores precisam entender que ele tem diferentes realidades dentro da mesma sala de aula", completa.
Para o especialista, uma educação inclusiva precisa ter como foco os processos de aprendizagem, em vez de estar centrada no poder do professor e nas dinâmicas de pergunta e resposta. "Quando a gente fala em educação inclusiva, a gente fala de uma educação que está lutando para retirar barreiras a qualquer participação", aponta.
Galery destaca ainda que a escola tem um papel pedagógico, não um papel clínico. Por isso, é necessário que haja diálogo com o atendimento terapêutico e os profissionais de saúde, cada um na sua área de atuação.
Comunidade
A atenção individualizada é ponto de importância na educação inclusiva, mas, segundo o especialista do IRM, não pode substituir o espaço coletivo de sala de aula. Por isso, além de garantir o aprendizado, é necessário fazer com que essa criança se sinta parte daquele grupo. "Uma educação inclusiva potencializa a educação de todas as pessoas quando a gente consegue formar uma comunidade", ressalta. "Por isso, quando for escolher, veja se você gostaria de participar dessa escola."
A autônoma Carolina Soares percebe que o acolhimento foi fundamental para o desenvolvimento de Miguel. Hoje com quase 7 anos, o menino já não é mais a criança agitada de antes. "Na primeira semana de aula, eu o deixava na escola e ficava no estacionamento chorando", lembra. Em alguns momentos, a mãe considerou que o filho não participasse de algumas atividades coletivas, como apresentações da escola, porque isso provocava inquietação em Miguel. O pequeno, no entanto, superou essa barreira e já é capaz de interagir nessas situações.
Desde o retorno presencial, a escola se tornou um mundo de aventuras para Miguel e para Carolina, com passeios, festa do pijama, interação com os colegas de classe e a formatura do ABC, onde o menino surpreendeu a todos. "Meu sonho era meu filho falar, e foi tão rápido que na formatura ele leu o agradecimento", conta a mãe, cheia de orgulho.