O uso da inteligência artificial no ensino básico é uma realidade. Apesar do surgimento de novas ferramentas, como o ChatGPT, há anos o avanço na tecnologia está impulsionando transformações tanto na gestão escolar quanto no processo de ensino e aprendizado dos alunos.
O diretor da Swiss International School (SIS), Henrick Oprea, avalia que as escolas devem apresentar um currículo de Tecnologia da Informação (TI) diversificado, que se integre às disciplinas tradicionais do currículo estudantil. "É necessário ensinar os alunos a utilizarem as ferramentas tecnológicas de forma adequada e a receberem um retorno de professores e da instituição sobre como usá-las para agregar à formação acadêmica."
A escola está presente no Brasil, na Alemanha e na Suíça, e oferece educação bilíngue e interligada com a tecnologia desde a educação infantil até o ensino médio. Desde a educação infantil, os alunos exploram as áreas de tecnologia digital, programação e mídia, bem como comunicação e segurança eletrônica.
Na avaliação do diretor, a inteligência artificial (IA) pode ser uma ferramenta poderosa para aprimorar a educação em todos os níveis, desde o ensino fundamental até o ensino superior. Por exemplo, ela pode ajudar a personalizar o aprendizado para cada aluno, fornecendo recomendações de conteúdo com base nas habilidades e nos interesses individuais.
"A inteligência artificial pode ser um pilar da aprendizagem e a palavra-chave para isso é a intencionalidade", comenta Oprea. "Às vezes, você precisa de cinco horas para estudar matemática e de uma hora para história; outra pessoa, o inverso, mas a escola tradicional ainda pensa no mesmo tempo para cada pessoa. É necessário estudar as competências, e a inteligência artificial vem para ajudar a gente nessa mudança de paradigma."
Futuro
A advogada Jussara Berlie, 46 anos, é mãe da Helena, 10, e entende que, como a tecnologia já está inserida na vida das pessoas, o fato de a escola oferecer essa formação é essencial. "Quando penso no futuro da minha filha é muito provável que a tecnologia tenha um papel importante. Por isso, ela aprender sobre programação, inteligência artificial e novas tecnologias na escola é fundamental para o seu crescimento individual e profissional", avalia.
Uma das preocupações de Jussara é que a filha aprenda de forma mais completa sobre segurança nas redes. "É importante um aprendizado consciente, seguro e responsável. Por isso, gosto muito de como a escola aborda não simplesmente programação, ou como usar determinados sites, mas, também a importância de ter senhas seguras e de como usar as redes de forma agregadora."
Um guia para a nova realidade
Este ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou o Guia para o uso da IA generativa na Educação, com o intuito de balizar a política educacional dos países nesse quesito e garantir que o uso dessas novas tecnologias não perca o ser humano como objetivo central.
O documento destaca as assimetrias resultantes do acesso desigual à criação, controle e acesso a modelos de inteligência artificial generativa, e orienta que os utilizadores desenvolvam uma capacidade crítica face às orientações, valores, padrões culturais e costumes sociais incorporados aos modelos de inteligência artificial generativa, para evitar a propagação de deep fakes e a polarização.
A recomendação do guia é de que as tecnologias envolvendo inteligência artificial não sejam utilizadas por menores de 13 anos. Dentre as diversas medidas propostas pelo documento, a Unesco indica ainda que os governos instituam políticas ou planos específicos para o uso da IA no contexto educacional; que busquem promover a inclusão, a equidade, a diversidade linguística e cultural; protejam o livre arbítrio; desenvolvam competências novas nos alunos; capacitem educadores; promovam ideias plurais; e analisem as implicações do uso de IA por um longo prazo.
Prós e contras
A coordenadora de Educação da Unesco Brasil, Rebeca Otero, acrescenta que o guia mostra pontos positivos e negativos dessa nova realidade. “Entre os aspectos positivos é de que a tecnologia é uma ferramenta excelente e possibilita a informação chegar mais rápido e para mais pessoas. Promovendo assim, um aumento na qualidade das discussões que ocorrem dentro e fora da sala de aula.”
“Mas o relatório também traz algumas preocupações, principalmente quando ela é utilizada para fins não pedagógicos. Com essa rapidez, ela também tem o poder de afastar o estudante do assunto. Se ele está com celular dentro da sala de aula olhando as redes sociais ou mandando WhatsApp para alguém, muito provavelmente está perdendo alguma informação que estava sendo passada”, complemente Otero.
Rebeca também reconhece que ainda não é possível fazer análises completas sobre o impacto da IA nas escolas e na vida das pessoas. “Nós temos dificuldade de mensurar, porque a tecnologia muda muito rapidamente. Quando você está analisando o impacto de uma determinada tecnologia, já existe outra”, lembra. Por isso, um dos principais temas no relatório é a ética.
“Ainda não é possível avaliar, e acho que só com o tempo vamos conseguir entender os impactos. É tudo muito novo e ainda não sabemos exatamente quais serão os impactos que vamos ter no campo educacional. Vão haver sempre pontos positivos e negativos. A ideia é sempre tentar minimizar os ruins”, conclui a representante da Unesco.
Os cuidados necessários
O uso de inteligência artificial generativa tem sido debatido por especialistas no segmento educacional, que ponderam se ela coloca em xeque a autenticidade do conteúdo e a absorção do conhecimento quando utilizada por crianças e adolescentes para ajudá-los a fazer tarefas de casa, trabalhos escolares ou até nos níveis mais avançados, como trabalhos de conclusão de curso nas faculdades e MBAs.
"Os educadores precisam deixar explícito aos estudantes que o plágio continuará inadmissível. O conteúdo pesquisado no ChatGPT deve servir apenas como base para a organização do trabalho final, que deverá ser produzido como um projeto autoral de cada aluno. É preciso que o aluno compreenda que, caso haja a insistência em fazer o famoso 'copia e cola', há meios para descobrir. No entanto, esse também é um terreno pouco explorado e ainda sob névoa", destaca Luciana Allan, cofundadora e diretora técnica do Instituto Crescer.
Ainda incerto
Em janeiro, a Open AI disponibilizou no site oficial da plataforma uma ferramenta que pretendia identificar se determinado texto havia sido escrito ou não por inteligência artificial, mas a baixa precisão das informações fez com que a plataforma fosse desativada.
"Portanto, não tem muita escapatória, não tem milagre: o grande trabalho analítico ainda está nas mãos do professor humano, que precisará de perspicácia, preparo e trabalho duro para conseguir identificar se o aluno construiu ali um conteúdo autoral ou se valeu de falácias argumentativas geradas por inteligência artificial", destaca a especialista.
"Conhecer o aluno de forma profunda, criando também oportunidades ao longo do ano de ele se comunicar e se expressar para mitigar esse problema é importante, visto que o professor terá mais claro o que ele pensa e como se expressa, o que poderá ser comparado à sua produção escrita", finaliza Luciana. (HD)