"Aula dada, aula estudada". É com esse lema que a estudante Isabella Maria Lopes Leal, 10 anos, é incentivada pela mãe, a servidora pública Mariana de Lourdes Moreira Lopes Leal, a realizar os deveres de casa. Aluna do 5º ano, Isabella diz que essas tarefas ajudam a fixar os conteúdos passados pelos professores.
Em meio a uma rotina cheia de atividades complementares, tendo que conciliar os estudos com atividades físicas e culturais, além de lazer e descanso, mãe e filha não abrem mão das atividades escolares, pois elas também favorecem o fortalecimento do vínculo familiar. "Os exercícios extras instigam as crianças a 'sair da caixinha'. Sempre fui estudiosa e gosto de participar nos estudos com a minha filha. Acho importante essa troca", relata Mariana.
Para que os deveres de casa cumpram o papel de impulsionar a aprendizagem, essas tarefas devem fazer sentido para os estudantes, podendo estar relacionadas a algum contexto próximo, e também precisam ser formuladas de acordo com um propósito didático bem estabelecido — não sendo apenas uma ferramenta obrigatória para ocupar tempo dos alunos.
Se desconsideram as especificidades de cada aluno e etapa escolar, as tarefas não garantem aprendizagem e podem resultar em um efeito contrário: prejudicar os processos motivacionais e o engajamento do aluno com o conhecimento.
A coordenadora pedagógica da escola Leonardo da Vinci, Gisele Martins Turquiello, explica que a periodicidade e quantidade de tarefas para casa são definidas levando em consideração as habilidades previstas para cada ano de escolaridade.
"Os professores são orientados com relação ao envio de tarefas produtivas e significativas que deverão prever o aumento do desafio de acordo com a progressão entre os anos e a ampliação do tempo de duração, considerando o desenvolvimento da autonomia do estudante", explica a coordenadora.
"Destaco, ainda, a importância do tipo de tratamento que cada tarefa receberá (correção individual realizada pelo professor, correção coletiva comentada ou autocorreção), já que ela é um dos instrumentos de avaliação do trabalho pedagógico que está sendo desenvolvido", completa Gisele.
Por etapas
Na alfabetização, momento em que a criança desenvolve a habilidade de ler e escrever, as tarefas de casa são um recurso valioso. "Nesta fase tão crucial do processo de aquisição de uma língua escrita, a constância e a prática diária em diferentes contextos são essenciais para potencializar a aprendizagem, despertar o interesse e envolver os familiares em suas descobertas e conquistas", pontua Gisele. Nos anos seguintes, as atividades buscam atender três objetivos principais: ampliar as competências leitora e escritora, consolidar as aprendizagens e estimular o hábito de estudo.
"Em função da ampliação da autonomia e do protagonismo do estudante, nos anos finais e no ensino médio, além das tarefas de casa supracitadas, são ofertadas propostas que contemplam a formação do leitor literário, gamificação, análise, síntese, reflexão, problematização, investigação e resolução de problemas por meio de projetos", ressalta a coordenadora pedagógica.
Porém, embora seja necessário considerar as características de cada etapa escolar, há uma coisa comum que independe da idade do aluno: atividades de contraturno mais didáticas, e até mesmo lúdicas, surtem mais efeito e colaboram para a formação de autonomia e capacidade reflexiva e crítica. Em outras palavras, analisar e escrever sobre um fenômeno que pode ser observado em casa pode ser mais interessante do que fazer uma pesquisa simples na internet sobre ele, pois estimula o aluno a aplicar o conhecimento nas vivências cotidianas.
"As tarefas deverão conectar o saber do aluno, didaticamente adaptado na escola, com a vida cotidiana. Mais do que atividades de papel e lápis, é importante promover oportunidades de análises do que o aluno vive em casa. Observar as formigas em casa pode ser mais interessante do que fazer uma 'pesquisa' no Google sobre as formigas", exemplifica o psicólogo e professor Francisco José Rengifo-Herrera, da UnB.
"Situações caseiras, entrevistas com membros da família, rodas de conversa com os pais sobre algum conceito, experimentos caseiros com materiais simples e de risco zero (sempre com o acompanhamento de um adulto), observações de diversos contextos (bichos, pessoas, locais) que favoreçam a reflexão, o desenvolvimento de processos de funcionamento executivo e o controle intencional e dirigido da atenção para tarefas que promovem a autorregulação cognitiva e emocional", exemplifica o mestre em psicologia cognitiva e aprendizagem.
O que fazer?
Veja qual o papel da família, da escola e do estudante no dever de casa
- Embora os pais sejam aliados no processo, as tarefas são atribuições dos estudantes
- A família também desempenha um papel fundamental na construção da autonomia da criança ao ajudá-la a organizar uma rotina de estudos, com local e horário estabelecidos para a realização das tarefas
- É importante que o local esteja bem iluminado, silencioso e com espaço para que o estudante possa dispor cadernos, livros e demais materiais
- Uma dúvida recorrente dos pais é com relação ao erro ou às dificuldades da criança para realizar a tarefa. Nesse caso, o responsável deve sugerir a revisão das anotações e a releitura do livro e de outras fontes de estudo fornecidas na aula, deixando que a própria criança aprenda a estudar e a identificar suas dificuldades
- Se o estudante não conseguir, essa tarefa deverá ser deixada para o professor. Em caso de dúvidas, é importante os pais sempre procurarem a escola para esclarecimentos
- Mostre para a criança confiança no potencial dela para se organizar e desempenhar o papel de estudante. É fundamental motivá-la demonstrando interesse nas tarefas com gestos simples: perguntar como foi o dia na escola, o que ela está aprendendo, contar suas próprias experiências com relação aos estudos
- Tão importante quanto motivar é reconhecer e elogiar o esforço da criança para executar a tarefa
Equilíbrio necessário
Equilibrar os deveres de casa com as demais atividades da escola e demandas pessoais dos alunos é fundamental para que o processo de aprendizagem ocorra da maneira mais positiva e saudável possível. Além do acompanhamento e ajuda dos pais, o suporte da escola é importante. De acordo com Viviane Fernandes Guidacci, supervisora do Programa Da Vinci Integral, o colégio disponibiliza plantões de dúvidas e atividades de ajuste pedagógico para os alunos, "para desenvolver e potencializar a aprendizagem e autonomia para um melhor desempenho escolar".
Cabe destacar que as dificuldades que um aluno pode sentir para realizar uma tarefa de casa podem ser motivadas por uma série de fatores, como a falta de rotina ou ajuda, pouca familiaridade com um tema estudado, questões emocionais ou até mesmo por algum transtorno do neurodesenvolvimento.
O psicólogo e professor Francisco José chama a atenção para a necessidade de a escola estar atenta às especificidades, mas também considerar que a aprendizagem não é apenas um processo individual. "As escolas devem apagar a ideia de que os alunos aprendem melhor quando a competição e o individualismo são privilegiados. Na medida em que todos aprendem, cada um aprende. É necessário coletivizar os aprendizados, mas também coletivizar o que não se sabe, subsidiar quem não consegue compreender. Criar redes de apoio pode ampliar a colaboração e a empatia", diz.
Ferramenta
A coordenadora pedagógica do Leonardo da Vinci, Gisele Martins Turquiello, pontua que os professores orientam os estudantes a registrarem as tarefas de casa na agenda, além de explicarem detalhadamente cada proposta, estipulando a data de entrega e das correções. Desenvolvimento da autonomia, da resposabilidade e do senso de organização são alguns dos aspectos que as escolas almejam alcançar com as tarefas, pois elas são uma ferramenta para o estudante identificar dúvidas que deverão ser esclarecidas com o professor, além de conhecer o estilo de aprendizagem, o que permitirá traçar as melhores estratégias de acordo com o modo de aprender de cada um.
"Para o professor, tal ação funciona como uma espécie de avaliação formativa diária e fornece subsídios para reorientação do planejamento e intervenções necessárias. Ademais, a regularidade das atividades de casa também contribui para a ampliação da oralidade, da leitura de mundo e da bagagem cultural da criança", argumenta Gisele.