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EDUCAÇÃO

Só metade das escolas tem projetos antirracistas; menor índice em 10 anos

Os dados são de 2021. Segundo levantamento da ONG Todos pela Educação, em 2015 o índice havia chegado ao maior patamar: 75,6%. O número foi caindo desde então

No Brasil, a educação antirracista é fundamentada pela Lei de nº 10.639, sancionada em 2003, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mecanismo legal tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas instituições escolares. Entretanto, após 20 anos da implementação da legislação, projetos de enfrentamento ao racismo não são colocados em prática em uma parcela considerável das escolas.

Segundo levantamento da ONG Todos pela Educação, divulgado nesta segunda-feira (24/7), apenas metade das escolas públicas tem projetos antirracistas. Os dados são de 2021 e revelam que o país atingiu o pior índice em 10 anos. 

"Escola é ambiente de conhecimentos e saberes, mas também precisa ser espaço de acolhimento, respeito e inclusão num abraço às diversidades. Um Brasil mais tolerante e justo começa com uma Educação intencionalmente antirracista, que olhe também com atenção para as tristes injustiças que vivemos", ressalta a ONG. Os dados foram levantados com base nas respostas do questionário do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb). 

Em 2015, o índice de escolas com projetos antirracistas havia chegado ao maior patamar: 75,6%. Mas, desde então, os números foram caindo de maneira contínua. A organização Todos pela Educação avalia que essa queda pode ser explicada pelo avanço de uma pauta conservadora nos últimos anos, pelos impactos da pandemia e também pela falta de coordenação nacional no Ministério da Educação durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Reprodução/Todos pela Educação - Dados sobre educação antirracista

"Se queremos que crianças e jovens permaneçam nas escolas e consigam aprender, precisamos garantir um ambiente de maior inclusão e respeito. Há 20 anos temos a Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade da temática de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Precisamos avançar na implementação da legislação conquistada e na criação de ações que enfrentem as desigualdades no ambiente escolar. Não se pode esquecer, aliás, que a Educação tem um papel imprescindível na preparação para o exercício da cidadania e no combate intencional ao racismo estrutural”, destaca Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação.

"Como hoje é o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, deixamos duas reflexões: como a escola pode incluí-las de verdade? Como a educação pode fazê-las avançar na sociedade?", indaga a organização.

"Dados podem ser piores"

O doutor em linguística e especialista em cultura afro-brasileira, André Lúcio Bento, afirma que os dados podem ser piores e que ainda estamos "caminhando lentamente" na construção de políticas públicas de combate ao racismo. "É que muitas vezes os projetos em educação antirracista desenvolvidos nas escolas não são propriamente das escolas, mas, sim, de alguns professores isoladamente. Isso significa que a gestão e a coordenação pedagógica da escola nem sempre conhecem ou apoiam ações que são realizadas no enfrentamento ao racismo. Outra questão que ainda ocorre é a proposição de atividades, em sua maioria estereotipadas, apenas no Mês da Consciência Negra ou quando a mídia divulga os casos que nos chocam profundamente", comenta André.

Já a professora aposentada da rede pública de ensino do Distrito Federal, Gina Vieira Ponte, avalia que esses dados não surpreendem, pois nos últimos anos houve descontinuidade das políticas públicas de enfrentamento ao racismo e investimento em educação inclusiva.

"Promover uma educação antirracista significa romper com o paradigma educacional que nós temos, que é profundamente racista. Tanto o nosso currículo quanto os materiais didáticos são eurocêntricos e privilegiam uma perspectiva branca. Para a gente ter, efetivamente, uma educação antirracista, precisamos de um equilíbrio na referência que se faz aos europeus, aos indígenas, aos africanos", explica Gina.

Segundo ela, as políticas públicas para garantir a implementação da educação antirracista devem passar pela formação de professores e gestores, além da produção de materiais didáticos. A especialista também ressalta que o desenvolvimento dos projetos de enfrentamento ao racismo perpassam, muitas vezes, pela resistência das próprias escolas. "Há uma determinação e consciência política-pedagógica das próprias escolas, que mesmo diante de um apagão das políticas públicas voltadas para a educação antirracista, fincaram o pé e mantiveram seu compromisso com essa agenda, pois essa é uma obrigação de todas as instituições de ensino", pontua Gina. 

A professora ainda cita o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos como uma referência para a efetivação de uma educação que estimule a cidadania e o respeito à diversidade humana. "A escola tem o papel fundamental de formar para os valores republicanos e plurais. A escola é o espaço de fortalecimento da democracia. Fazer a defesa de uma educação antirracista é defender uma educação que fortaleça a democracia e prepare crianças e jovens para viver em um mundo diverso", conclui Gina. 

Ao Correio, o Ministério da Educação informou que tem trabalhado para mudar o cenário e reconhece que há um "longo caminho" pela frente. "A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), uma pasta que já se configura como uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e executar as políticas voltadas para a implementação da Lei 10.639/03", citou a pasta.

Confira a nota do MEC na íntegra:

O MEC tem trabalhado para modificar esse cenário desde o início da atual gestão. A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), uma pasta que já se configura como uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e executar as políticas voltadas para a implementação da Lei 10.639/03.
Além disso, foi retomada a formação de professores a partir do apoio financeiro às universidades e relançado o Programa de esenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, que fomenta a pesquisa na graduação e pós-graduação. Outra iniciativa resgatada foi a CADARA, a comissão de assessoramento do MEC formada por entes federais e sociedade civil. Ainda há um longo caminho pela frente, mas hoje a SECADI está empenhada em garantir recursos para que no próximo ano possa investir ainda mais em ações de combate ao racismo.

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