Desde o início do ano passado, quando houve uma explosão nos casos de violência em áreas escolares, a paz nas escolas se tornou uma das principais pautas de discussão na educação do Distrito Federal. Foi naquela época que a Secretaria de Educação do DF (SEE) implementou um comitê de urgência para tratar da violência na rede pública da capital. Haja vista a complexidade do problema da violência nas unidades escolares, a secretaria criou, em 20 de abril deste ano, a Comissão Permanente para a Paz nas Escolas (CPPE).
O recente ataque a uma escola de Cambé (PR), que resultou na morte de dois estudantes, dá mais força para o debate em busca de soluções para os conflitos no âmbito da educação. Érika Goulart, da CPPE, destaca que a violência é um fenômeno social, mais amplo do que os perímetros das escolas. "Por isso, tratamos, dentro das instituições, não a violência, mas estratégias para promover a cultura de paz e a convivência escolar, para então discutir violência dentro do contexto pedagógico", explica Goulart.
Uma das medidas que a comissão está tomando é um caderno, que ainda está em fase de construção, vai servir de repositório de casos de sucesso de experiências pedagógicas relacionadas à cultura de paz. "São projetos de mediação de conflitos e rodas de conversa de escolas do DF, que poderão ser adotados e adaptados em outras instituições que se identificarem com os problemas trabalhados", detalha Érika.
Além disso, a comissão dispõe de um canal direto de comunicação com as instituições. Aquelas que se encontram em situação de conflito podem entrar em contato com a comissão por meio eletrônico. A depender do caso, a CPPE pode acionar a rede de apoio, a autoridades competentes, o Centro de Referência de Assistência Social (Creas), o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Sistema de Saúde, o Ministério Público, o Conselho Tutelar ou a Delegacia da Criança e do Adolescente.
Caso de sucesso
A volta ao modo presencial na educação, após o fim de medidas restritivas ocasionadas pela pandemia, foi um momento de readaptação para toda a comunidade escolar. Educadores da rede pública revelaram ao Correio que perceberam comportamentos mais agressivos nos estudantes, o que trouxe a urgência de implementar projetos que ajudassem a mudar esse cenário.
Uma dessas iniciativas transformou a realidade das escolas do Gama, que passaram a ter encontros de Terapia Comunitária Integrativa (TCI), prática criada pelo psiquiatra brasileiro Adalberto Barreto e usada em diversos outros países. "A terapia é um momento em que os alunos podem se expressar, sem julgamentos, sem conselhos e sem sermões. Isso permite que sejam protagonistas, escutados e tenham o direito da fala", aponta Francisca Beleza, assessora pedagógica da Regional de Ensino do Gama.
A TCI pode ser aplicada em todas as faixas etárias do ensino básico, do jardim de infância ao ensino médio, e é uma prática integrativa reconhecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "É um recurso abrangente, amplo, gera bons resultados e de baixo custo. Seria impossível haver psicólogos que atendessem a todos os estudantes", analisa Beleza. "Ajuda a desenvolver o sentimento de pertencimento, dá espaço para o estudante extravasar os conflitos internos e a desenvolver inteligência emocional, o que reflete diretamente na aprendizagem", acrescenta. Hoje, a terapia é aplicada em 10 unidades escolares da região.
Sebastião Ancelmo é diretor do Centro Educacional (CED) 6 do Gama e percebe que os meninos estão mais tranquilos e abertos. "Eles chegam até a pedir para ter mais encontros", revela. Os grupos de terapia comunitária ocorrem quinzenalmente, desde o ano passado. No momento, o projeto está sendo aplicado apenas nos estudantes do ensino médio. "Escolhemos começar por eles por conta da pressão do vestibular e pelo desafio de estar fechando um ciclo. A melhora nas notas é visível, cerca de 40%", comemora o gestor.
Símbolos
Na Escola Classe São Bartolomeu, na zona rural de São Sebastião, o projeto Semeando a Paz, que tem como alvo crianças de 4 a 10 anos, também começou no contexto de retorno ao modo presencial após pandemia, quando os alunos apresentaram comportamento mais agressivo gerando uma alta incidência de conflitos. A proposta é resgatar valores morais e sociais, essenciais na construção de uma sociedade mais humana, mais justa e sem violência. A idealizadora do projeto, a orientadora Anne Ferreira, lançou mão do uso de símbolos palpáveis, mais estimulantes, para discutir valores fundamentais para a boa convivência.
Toda a comunidade escolar, incluindo alunos, responsáveis, professores, orientadores, gestores e demais funcionários, encontra-se mensalmente em uma palestra com apresentação de vídeos e músicas e distribuição do símbolo daquele mês. Maio, por exemplo, tem como símbolo o coração, que ensina que "só se vê bem com o coração". O projeto também dá espaço para a meninada se expressar, contando o que aprenderam com o projeto. "A gente quer que os pais vejam os próprios filhos falando do projeto e que também participem da educação deles", explica Anne.
Cada um dos meses do ano tem um símbolo diferente, chamado de "Tsuru do bem", que representa um valor que é trabalhado com os pequenos. Abril tem como símbolo o coelho, que representa a gentileza; junho é o beija-flor, que remete ao respeito. Borboleta, girassol e planta são outros símbolos trabalhados no projeto. Ao final de cada semestre, fazem o encontro chamado de "culminância", no qual fazem uma retrospectiva do que aprenderam no período e escolhem o símbolo favorito, que ganha uma versão em tamanho maior. "E eles adoram. Procurei por símbolos que dialogassem com a realidade deles, já que são moradores de áreas rurais. De 2021, que foi quando começamos o projeto, para cá, a mudança foi significativa. Há bem menos casos de agressão na escola. As próprias crianças se policiam. O projeto já faz parte da cultura da escola", celebra a orientadora.
Diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), Cleber Soares destaca que a violência é um assunto que tem sido bastante debatido nas salas de aula, local onde "deságuam e se manifestam os problemas trazidos de fora da escola". Na avaliação do sindicalista, a violência nas unidades escolares tem origem, principalmente, na intolerância, potencializada por conteúdos facilmente acessados nas redes sociais.
"Os professores tiveram que aprender a linguagem da internet e ensinar aos estudantes a ter senso crítico com as informações que têm acesso. Essa é uma discussão muito presente entre os professores do DF", diz Cleber, que também conta que o sindicato faz visitas periódicas às escolas a fim de promover debates sobre convivência com as diferenças.